A Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10) manteve sentença que condenou a Auto Viação Marechal Ltda. a pagar à viúva e ao filho de um cobrador, que faleceu de covid-19 em 2021, aos 24 anos, indenização por danos morais – arbitrada em R$ 100 para cada um – e por danos materiais, na forma de pensão vitalícia. De acordo com a decisão de primeiro grau, mantida em segunda instância, pode-se presumir que o trabalhador pegou a doença – equiparável a doença ocupacional – no trabalho, o que atrai a responsabilidade objetiva da empresa.
A viúva (que estava grávida à época dos fatos) e o filho do cobrador – que faleceu em decorrência da covid-19 em março de 2021 – ajuizaram reclamação trabalhista requerendo a condenação da empresa ao pagamento de indenização por danos materiais, na forma de pensão mensal vitalícia, e por danos morais decorrentes da morte do trabalhador. Afirmam que a doença foi contraída no ambiente de trabalho, visto que os rodoviários não cessaram a prestação de serviços e estavam expostos à livre circulação do vírus dentro dos veículos, que se mantiveram transitando sempre lotados. Sustentam que a enfermidade equivale a uma doença ocupacional, razão pela qual seriam devidas as indenizações postuladas, lembrando que o cobrador era o único provedor da casa. Em defesa, a empresa afirma que adotou todas as precauções para evitar a disseminação do vírus e que não ficou provado que o trabalhador adquiriu a doença no seu local de trabalho.
Após analisar os autos, a juíza de primeiro grau lembrou que a responsabilidade objetiva é aplicável para empregados que trabalhem em atividades essenciais, como serviços de saúde, transporte público, mercados e outros, para as quais há presunção de que a doença foi contraída no ambiente de trabalho, cabendo ao empregador se desincumbir dessa presunção, o que não ocorreu no caso.
Com esse argumento, a magistrada presumiu verdadeira a alegação de que o cobrador adquiriu a doença no local em que trabalhava. O falecimento, para a juíza, decorreu de enfermidade contraída no trabalho, equiparável à doença ocupacional, o que configura os elementos indispensáveis à responsabilização da empresa, que seriam a conduta culposa, o nexo causal e o dano. A indenização por danos morais foi arbitrada em R$ 100 mil reais para cada um dos reclamantes – mãe e filho – totalizando R$ 200 mil. A empresa também foi condenada a pagar indenização por danos morais na forma de pensão por morte.
A empresa recorreu ao TRT-10, alegando que não houve nexo de causalidade entre a doença e o trabalho executado pelo trabalhador. Sustentou, ainda, que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Recurso Extraordinário (RE) 828.040, não definiu que a covid-19 era uma doença do trabalho, devendo cada caso ser analisado individualmente, para provar a existência do nexo causal ou concausal.
Doença ocupacional
Em seu voto, o relator do caso na 2ª Turma, juiz convocado Rubens Curado, lembrou que no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6346 e do RE 828.040, o STF consolidou o entendimento de que a responsabilidade objetiva do empregador por acidente de trabalho, ou doença ocupacional a ele equiparado, se aplica também “quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, apresentar exposição habitual a risco especial, com potencialidade lesiva e implicar ao trabalhador ônus maior do que aos demais membros da coletividade”. E, especificamente no julgamento da ADI 6346, o STF reconheceu a possibilidade da contaminação por covid-19 ser considerada doença ocupacional, nos casos em que o empregado atuar em atividade que gere risco acentuado de contaminação, a exemplo do transporte público, a atrair a responsabilidade objetiva da empresa. Para o relator, essa é exatamente a hipótese versada nos autos, uma vez que o empregado exercia função de cobrador em empresa de transporte coletivo de passageiros e veio a falecer em razão da doença.
Quanto à indenização por danos morais, o relator também manteve o decidido em primeiro grau. “Identificado o nexo causal e o dano, representado pelo falecimento do trabalhador, manifesto o dano moral causado à viúva e filho”, frisou.
O relator inclusive ressaltou que a autora da reclamação perdeu o marido no momento mais importante de sua vida, por estar gestante do primeiro filho do casal, uma perda que, segundo constou da própria sentença, não pode ser reparada e que acabou com projetos e sonhos, trazendo sofrimento para toda a vida da esposa e a falta da referência paterna para formação do filho.
Por fim, por entender que a viúva e o filho eram dependentes econômicos da vítima, o juiz convocado Rubens Curado manteve também a condenação da empresa ao pagamento de indenização por danos materiais na forma de pensão por morte.
Naquela mesa tá faltando ele
No curso de seu voto, o juiz convocado Rubens Curado lembrou dos sofrimentos causados pela pandemia de covid-19. “Os autos desvelam os tenebrosos impactos familiares decorrentes da tragédia da pandemia, que vitimou mais de 700 mil pessoas apenas no Brasil. A tristeza dos reclamantes, viúva e o filho menor, espelha a desgraça de milhares de mães e filhos que igualmente choram não apenas a morte prematura do companheiro e pai (então com apenas 24 anos), mas a dilaceração de uma família”, lamentou, lembrando, no caso, da música “Naquela mesa”, composta por Sérgio Bittencourt para falar da ausência causada pela morte de seu pai, Jacob do Bandolim, e eternizada na voz de Nelson Gonçalves, que termina com a conhecida estrofe “naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim”.
Correta a sentença originária que julgou procedente o pedido de indenização, concluiu o relator, para quem o falecimento do empregado causou violação aos direitos de personalidade dos autores da reclamação.
Processo n. 0001084-88.2021.5.10.0101
TRT10