Justiça do Trabalho condena Vale a indenizar técnico após tragédia em Brumadinho
Decisão considera danos psíquicos decorrentes do trabalho no local do acidente
A Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) condenou a Vale S.A. ao pagamento de indenização no valor de R$ 250 mil a um técnico em eletroeletrônica, em razão dos abalos psíquicos e psicológicos sofridos após o rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), em janeiro de 2019.
A empresa havia sido condenada ao pagamento de R$ 150 mil por danos morais, em sentença proferida pelo juízo da 12ª Vara do Trabalho de Vitória, mas recorreu da decisão. O autor, por sua vez, também recorreu da sentença, requerendo aumento no valor da indenização.
Vivenciando a tragédia
Consta na ação, ajuizada no ano de 2020, que o empregado trabalhou para a mineradora por quase 26 anos, passando por vários cargos e funções até chegar ao cargo de técnico em eletroeletrônica II.
Em 25 de janeiro de 2019, dia do rompimento da barragem B1, em Brumadinho, o empregado estava de folga. Porém, devido ai acidente, foi convocado por seu supervisor para acionar a bomba de outra barragem próxima, “devido ao alto risco de rompimento desta também”.
Conforme relatado nos autos, além de todo o risco ao qual ficou exposto, o empregado teve que “vivenciar toda a tragédia de perto, sendo forçado a andar em meio ao barro e sobre os corpos de algumas das vítimas”. O técnico conta que ficou sobrecarregado, pois trabalhou “em meio a todo caos das 17h30 às 8h30 da manhã e ainda encontrou o caminhão do seu tio, falecido no local, tomado por lama.
Após a tragédia, o trabalhador desenvolveu “grave doença no sistema nervoso, adquirindo quadro depressivo e estresse pós-traumático, sendo afastado por licença médica em outubro de 2019 e permanecendo em tratamento até o momento atual”. O empregado, por sugestão médica e a pedido, foi transferido para Vila Velha, no Espírito Santo, para ficar mais próximo de familiares e amigos.
Laudo médico
De acordo com documentos médicos contidos nos autos do processo e apresentados durante o exame pericial, foi constatado que o empregado sofreu, além de estresse pós-traumático, transtorno de ansiedade, episódios depressivos leves a moderados, insônia, terror noturno, agorafobia, claustrofobia e transtorno esquizofrênico do tipo depressivo.
Apesar da não necessidade de internação psiquiátrica, a médica que o acompanhou prescreveu diversos medicamentos controlados, como Zolpidem, Sertralina, Quetiapina e Zargus.
O que diz a Vale
Em recurso ordinário interposto pela empresa, a Vale S.A afirma que “sempre cumpriu e fez cumprir as obrigações relativas à segurança do trabalho, adotando padrões normativos para estruturação de barramentos, sendo que as causas do rompimento são objeto de investigação por órgãos competentes”.
Sustenta também que o autor da ação “não estava trabalhando na Mina Córrego do Feijão no momento do rompimento da Barragem B1, não havendo nexo causal entre o infortúnio e os supostos danos morais”. Inclusive, alega que “não há culpa ou dolo da empresa, pois sempre observou as normas de saúde e segurança do trabalho, realizando manutenção e monitoramento da barragem e adotando medidas emergenciais.”
Responsabilidade da empresa
Segundo argumento do relator da decisão, desembargador Cláudio Armando Couce de Menezes, é fato público e notório que o trágico acidente da Barragem em Brumadinho, tirando a vida de 270 pessoas, entre funcionários, terceirizados e moradores locais, decorreu do método adotado pela empresa para construção de barragem de “alteamento a montante”. Esse método é considerado por muitos estudiosos o mais rápido e barato; porém, com maior risco de acidentes, confirmado pelas tragédias ocorridas em Mariana/MG, em 2015, e em Brumadinho/MG, em 2019.
O magistrado declara que “ainda que o autor não estivesse trabalhando no exato momento do acidente e não tenha sofrido lesão à sua integridade física, não há menor dúvida acerca do sofrimento por ele experimentado, pois seria uma vítima em potencial se estivesse presente quando ocorreu a tragédia”. Ainda conclui que o quadro depressivo e de angústia do trabalhador, com evidente transtorno pós-traumático e outras alterações psiquiátricas, foi acarretado por traumas sofridos a partir do acidente no local de trabalho.
Nexo Causal
Foi comprovado, também, que a empresa emitiu CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), na qual comunica o diagnóstico de doença do “sistema nervoso”, em decorrência do trabalho em Brumadinho.
“Está, portanto, cabalmente comprovado o nexo de causalidade entre a doença a que está acometido o reclamante e a atividade exercida da reclamada […], e a concausalidade para o agravamento da doença mesmo após o momento posterior ao acidente em Brumadinho”, afirma o relator.
Ainda cabe recurso da decisão.
ROT 0000737-70.2020.5.17.0012
TRT7