Provas, documentos e testemunhas demonstraram que trabalhadores permaneciam em situação degradante
Em decisão unânime, a Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) condenou a proprietária e o administrador da Fazenda Bocajá, localizada no município de Porto Murtinho/MS, por manterem oito trabalhadores em condição análoga à escravidão, entre julho e agosto de 2013.
Para os magistrados, provas orais, documentais e testemunhas confirmaram a materialidade e a autoria delitivas.
De acordo com relatório elaborado por auditores fiscais do trabalho, no local não havia alojamento adequado para as pessoas, que viviam em acampamentos improvisados, sem banheiro, água potável e equipamentos de proteção individual.
“Os trabalhadores eram mantidos em condições análogas à de escravo, uma vez que estavam sujeitos a dormirem em camas sem a mínima segurança e conforto, alimentando-se precariamente, dividindo o ambiente com animais peçonhentos, sem quaisquer condições de higiene”, apontou o relator do processo, desembargador federal José Lunardelli.
Após a 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS ter condenado os réus pelo crime previsto no artigo 149, caput, do Código Penal, a defesa ingressou com recurso no TRF3 argumentando que as vítimas permaneciam na fazenda por vontade própria.
No entanto, para o relator, a materialidade do crime foi devidamente demonstrada. Segundo o magistrado, o relatório de fiscalização do Ministério Público do Trabalho descreveu as condições degradantes a que estavam submetidos os trabalhadores, contratados para a realização de atividade de roçada complementar das pastagens destinadas ao consumo do gado bovino.
Os fiscais descreveram camas improvisadas, ausência de local apropriado para refeições e de instalações sanitárias. “As fotos não deixam qualquer dúvida acerca das condições aviltantes à dignidade dos trabalhadores”, pontuou.
O desembargador federal ressaltou que a autoria dos réus também foi comprovada. Segundo ele, os interrogatórios judiciais ratificaram o conhecimento deles sobre a situação dos trabalhadores.
“Verifica-se que assumiram a posição de garante, prevista no art. 13, parágrafo 2º, “b”, do Código Penal, haja vista que, contratualmente, arcaram com a responsabilidade trabalhista, frequentavam o local da prestação de serviços e tinham ciência da condição em que os serviços eram prestados”, explicou.
Por fim, José Lunardelli frisou que as vítimas eram pessoas humildes, atraídas pela oportunidade de emprego e, em razão da necessidade do trabalho, tornavam-se facilmente exploráveis, “aceitando” jornadas e condições impostas pelo empregador em troca de recursos mínimos.
“O conjunto de circunstâncias gravíssimas, individualmente, e, em especial, quando vistas em seu todo, como diminuidoras da dignidade e do desenvolvimento efetivamente livre das vítimas, tem-se situações que se amoldam ao tipo penal do art. 149 do Código Penal, configurando, de acordo com o ordenamento pátrio, redução de outrem a condições análogas à escravidão”, finalizou.
Com esse entendimento, a Décima Primeira Turma manteve a condenação em dois anos de reclusão e pagamento de 11 dias-multa.
Apelação Criminal 0004201-96.2016.4.03.6000
TRF3