Decisão também determinou inversão do ônus da prova, com base no CDC
A 2ª Câmara de Direito Comercial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) reconheceu que o financiamento contratado por um microempreendedor individual (MEI), mesmo sendo firmado entre uma instituição bancária e uma pessoa jurídica, pode ser caracterizado como uma relação de consumo, estando, portanto, sujeito às normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Esse entendimento foi adotado ao julgar o recurso de um MEI que solicitou a anulação de uma ação de busca e apreensão movida por um banco. A instituição financeira havia iniciado a ação contra o microempreendedor por inadimplência em um financiamento para aquisição de um veículo Ford Ka ano 2010. A sentença inicial determinou a apreensão do automóvel.
O juízo de primeira instância, na Unidade Estadual de Direito Bancário, decidiu que, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o CDC não se aplicaria aos financiamentos bancários contratados por pessoas jurídicas com o objetivo de desenvolver suas atividades empresariais, uma vez que não configuraria uma relação de consumo.
Contudo, o microempreendedor recorreu alegando que a constituição em mora era irregular e defendendo que havia uma relação de consumo entre as partes. Ele também reivindicou a revisão de cláusulas abusivas, apontou a cobrança indevida de tarifas e a prática de venda casada em relação ao seguro prestamista, além de alegar violação ao princípio da boa-fé objetiva.
Ao analisar o recurso, o desembargador relator do caso destacou que a aquisição do veículo, no contexto apresentado, visava o uso final como consumidor, evidenciando a vulnerabilidade econômica do apelante. Segundo o relator, “o reconhecimento de um microempreendedor individual, que exerce a profissão de tatuador — ainda pouco valorizada apesar de sua relevância —, como consumidor frente a uma das maiores instituições bancárias do país, ao adquirir um veículo usado, é uma forma de concretizar os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal e de fortalecer o caráter igualitário dos direitos humanos.”
Com o reconhecimento da relação de consumo, o relator passou a analisar os demais pontos do recurso. Ele enfatizou que, com base no artigo 2º do CDC, a inversão do ônus da prova, prevista no artigo 6º da mesma legislação, deveria ser aplicada.
Assim, decidiu-se que a relação de consumo entre as partes deveria ser reconhecida, e a sentença inicial foi desconstituída. O processo retornará à instância de origem para nova avaliação, especialmente no que diz respeito à distribuição do ônus da prova e a eventual instrução, com um novo julgamento a ser realizado. O voto do relator foi acompanhado pelos demais membros da 2ª Câmara de Direito Comercial do TJSC (Apelação n. 5084856-20.2022.8.24.0930).
TJSC