Por constatar grave lesão ao interesse público, a presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Maria Thereza de Assis Moura, deferiu pedido do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para afastar os efeitos de decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que suspendeu o andamento de ação revisional da multa bilionária pactuada em acordo de leniência entre a J&F Investimentos S/A e o Ministério Público Federal (MPF).
Ao deferir o pedido, a ministra registrou que a decisão questionada comprometia a ordem pública ao gerar incerteza sobre a força vinculante dos acordos de leniência. “Nem se fale das consequências deletérias para o caso específico dos autos, quando sanções pecuniárias deixarão de ser honradas simplesmente porque se discute, paralelamente, se os beneficiários devem ou não participar da ação revisional em curso ainda na primeira instância da Justiça Federal do Distrito Federal”, acrescentou.
Ação revisional de multa de R$ 10,3 bilhões
De acordo com o que consta dos autos do pedido de suspensão, em junho de 2017, a J&F celebrou acordo de leniência relacionado a fatos apurados nas Operações Greenfield, Sépsis, Cui Bono (Lava Jato) e Carne Fraca, pelo qual se comprometeu a contribuir com as investigações e pagar multa de R$ 10,3 bilhões, destinada a diversas instituições lesadas, entre elas o BNDES, a Caixa Econômica Federal (CEF), a Fundação dos Economiários Federais (Funcef), a Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros) e a União. Ao BNDES caberiam R$ 1,75 bilhão.
Ainda pelo que se depreende da documentação e da petição inicial da SLS, depois de ter assinado o acordo voluntariamente, a J&F alegou ilegalidades no cálculo da multa e entrou com ação revisional do valor. A 10ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal autorizou que a empresa apresentasse seguro-garantia judicial até o julgamento definitivo da ação. Posteriormente, o mesmo juízo deferiu o ingresso nos autos de dois destinatários dos pagamentos da multa, a Petros e a Funcef.
A J&F entrou com agravo de instrumento no TRF1, questionando o ingresso das duas entidades, e o tribunal, por considerar plausível a tese de inexistência de interesse jurídico da Petros e da Funcef para serem admitidas como assistentes do MPF, deferiu o pedido para suspender a tramitação da ação revisional até o julgamento final do recurso.
O BNDES, então, ajuizou no STJ o pedido de suspensão da decisão do TRF1, apontando grave lesão à ordem pública. De acordo com o banco, “a ação de origem se encontra suspensa, não havendo qualquer previsão de sua retomada, e, enquanto isso, os pagamentos das parcelas da multa prevista no acordo de leniência estão paralisados aguardando o seu prosseguimento”.
Acordos de leniência trouxeram resultados positivos para a ordem jurídica
A presidente do STJ destacou que os acordos de leniência devem receber especial atenção e proteção do Sistema de Justiça, tendo em vista os resultados positivos que têm trazido para a ordem jurídica nacional.
“Há de ser considerado, sobretudo, que suas bases estão assentadas no voluntarismo das pessoas jurídicas que, envolvidas em atos ilícitos, comprometem-se em romper com essas condutas, reconhecem suas responsabilidades, colaboram com a identificação de outros envolvidos e buscam reparar os danos causados”, afirmou.
Diante disso, observou a magistrada, a validade e a força dos termos ajustados nos acordos de leniência devem ser protegidas, “evitando-se discussões prolongadas e sem fim de eventuais questionamentos em juízo posteriormente à sua celebração”.
A ministra destacou que uma das consequências legais do acordo de leniência é a reparação integral dos danos causados, o que, na hipótese analisada, é representada pela multa imposta ao grupo J&F.
“É, pois, à vista de todo arcabouço normativo, doutrinário e prático que envolve os acordos de leniência que há de se pautar o exame dos efeitos da decisão que ordenou a suspensão do curso da ação revisional, ressalte-se, pelo simples fato de terceiros interessados discutirem sua legitimidade para intervir no processo”, afirmou.
“O sobrestamento do curso processual e, com isso, do pleno cumprimento dos termos do acordo de leniência traz ofensa à ordem pública, assim visto o respeito ao ordenamento jurídico nacional e às bases estabelecidas para se buscarem meios alternativos e eficazes para a composição de litígios, especialmente, quando envolvem ilícitos praticados contra a administração pública”, declarou a presidente do STJ.
Intervenção de terceiros interessados no processo
Sobre a possibilidade de intervenção dos destinatários da multa bilionária no processo, a ministra ponderou que a sistemática processual civil prevê seu cabimento, em qualquer procedimento e grau de jurisdição, sem implicar renovação de atos ou reabertura de prazos, por receberem o processo no estado em que se encontra, conforme o artigo 119, parágrafo único, do Código de Processo Civil (CPC).
Maria Thereza de Assis Moura também observou que o parágrafo único do artigo 120 do CPC preceitua que, “se qualquer parte alegar que falta ao requerente interesse jurídico para intervir, o juiz decidirá o incidente, sem suspensão do processo”.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):SLS 3203
STJ