Oito homens estão em uma residência, em volta de uma mesa sobre a qual há cartas de baralho e duas pistolas. Um deles, de cabeça baixa, toca violão; outros jogam e bebem. O dono da casa – também sentado – segura uma latinha de cerveja, dá um gole, pega a arma e dispara um tiro em direção a uma janela, por entre as cabeças de dois convidados.
Depois do susto, ao som de “Sonhei com você”, de Milionário e José Rico, eles voltam a jogar e a beber. Ninguém saberia dessa história e ela não chegaria à Justiça caso o autor do tiro não tivesse publicado o crime nas redes sociais e o vídeo não tivesse sido visto pela polícia. O fato ocorreu no oeste do Estado, no dia 17 de novembro de 2021.
O juiz sublinhou que o art. 15 da Lei 10.826/03 prevê pena a quem disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime.
Assim, o magistrado condenou o réu a dois anos de reclusão em regime aberto, pena substituída por multa no valor de dois salários mínimos e limitação de fim de semana.
Inconformado, o apenado recorreu ao TJ. Pleiteou a absolvição sob o argumento de que o disparo foi praticado em local ermo e visava repelir uma tentativa de furto ao seu patrimônio. Essas razões, no entanto, não convenceram o desembargador relator da apelação.
“Apesar das alegações exaradas em sede recursal, restou evidente que o disparo ocorreu dentro de um lugar não apenas habitado, mas repleto de pessoas. E mais ainda, segundo os depoimentos testemunhais colhidos em juízo, por mais que a propriedade se encontre longe das vias públicas, próximos daquela localidade ainda residem o sogro e o tio do acusado, igualmente expostos aos riscos desnecessários produzidos”, assinalou o desembargador em seu voto.
O magistrado ressaltou que, embora a defesa pondere que ninguém poderia ser atingido naquele momento e naquela direção específica, o injusto penal em comento independe da produção de qualquer resultado danoso efetivo, bastando a mera conduta criminosa para sua configuração.
“Restou amplamente demonstrado que, em verdade, os disparos foram realizados pura e simplesmente como parte de uma prática cultural que, apesar de infeliz, perigosa e completamente contrária ao ordenamento jurídico vigente, ainda é muito comum no país, sobretudo nas regiões interioranas – em que indivíduos dão tiros ao alto ao som de músicas sertanejas”, concluiu o relator. O atirador era CAC (Colecionador, Atirador e Caçador), pessoa física com autorização para utilizar arma de fogo na prática dessas atividades.
Desta maneira, os integrantes da 4ª Câmara Criminal do TJ seguiram o voto do relator de forma unânime para manter a condenação de 1º grau (Apelação Criminal n. 5000958-24.2022.8.24.0053/SC).
TJSC