RESOLUÇÃO CONANDA Nº 254, DE 10 DE OUTUBRO DE 2024

Dispõe Sobre os Parâmetros para Aplicação do Artigo 17. Parágrafo único, do Decreto nº. 9.603, de 10 de dezembro de 2018.
O CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (CONANDA), no uso das atribuições legais estabelecidas no art. 2º da Lei nº 8.242, de 12 de outubro de 1991, regulamentado pelo Decreto nº 11.473, de 06 de abril 2023, e no art. 35 do Regimento Interno do Conanda, em conformidade com o deliberado pela 330ª Assembleia Ordinária, realizada no dia 10 de outubro de 2024;
Considerando os arts. 216, 227, 231 e 232 da Constituição da República Federativa do Brasil, e o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT;
Considerando os arts. 3º, parágrafo único, 28, § 6º, 70, 70-A, 70-B e 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990;
Considerando os arts. 12 e 30 da Convenção sobre os Direitos da Criança, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990;
Considerando a Resolução nº 91, de 23 de junho de 2003, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA;
Considerando o Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003;
Considerando os arts. 2º, 4º, 5º, 6º, 8º, 9º e 12 da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, promulgada pelo Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004 e consolidada pelo Decreto nº 10.088, de 5 de novembro de 2019;
Considerando os arts. 4º, 8º, b, 14, 15 e 16 da Resolução nº 20, de 2005, do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas;
Considerando a Resolução nº 113, de 19 de abril de 2006, do CONANDA;
Considerando o Decreto nº 6.040, de 07 de fevereiro de 2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais;
Considerando a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 2007, em especial os artigos 21 e 22;
Considerando a Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 6.177, de 1º de outubro 2007;
Considerando o Estatuto da Igualdade Racial, Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010;
Considerando o Comentário Geral nº 11/2009 do Comitê das Nações Unidas dos Direitos da Criança;
Considerando a Lei nº 13.257, de 8 de março de 2016;
Considerando o Decreto nº 8.750, de 9 de maio de 2016, atualizado pelo Decreto nº 11.481, de 6 de abril de 2023;
Considerando a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, de 2016;
Considerando a Resolução nº 180, de 20 de outubro de 2016, do CONANDA;
Considerando a Resolução nº 181, de 10 de novembro de 2016, do CONANDA;
Considerando a Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017;
Considerando a Resolução nº 214, de 22 de novembro de 2018, do CONANDA;
Considerando o Decreto nº 9.603, de 10 de dezembro de 2018, em especial os artigos 17, caput e parágrafo único, e 18;
Considerando a Resolução nº 299, de 5 de novembro de 2019, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em especial os artigos 18, § 2º, e 21;
Considerando a Resolução nº 287, de 25 de junho de 2019, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ;
Considerando a Resolução nº 230, de 8 de junho de 2021, do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP;
Considerando a Resolução nº 454, de 22 de abril de 2022, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ;
Considerando a Recomendação Geral nº 39, de 31 de outubro de 2022, do Comitê das Nações Unidas para Eliminação da Discriminação contra a Mulher;
Considerando a Resolução nº 235, de 12 de maio de 2023, do CONANDA;
Considerando a Resolução nº 524, de 27 de novembro de 2023 do Conselho Nacional de Justiça – CNJ;
Considerando o Decreto nº 12.128, de 1º de agosto de 2024;
Considerando que os povos indígenas, as comunidades quilombolas e os povos e comunidades tradicionais são aqueles que assim se autodeclaram, segundo os critérios estabelecidos pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho e pelo Decreto nº 6.040/2007, dentre os quais se incluem povos indígenas, comunidades quilombolas, povos e comunidades de terreiro/povos e comunidades de matriz africana, povos ciganos, pescadores artesanais, extrativistas, extrativistas costeiros e marinhos, caiçaras, faxinalenses, benzedeiros, ilhéus, raizeiros, geraizeiros, caatingueiros, vazanteiros, veredeiros, apanhadores de flores sempre vivas, pantaneiros, morroquianos, povo pomerano, catadores de mangaba, quebradeiras de coco babaçu, retireiros do Araguaia, comunidades de fundos e fechos de pasto, ribeirinhos, cipozeiros, andirobeiros, caboclos, entre outros; e
Considerando os Protocolos Comunitários de Consulta elaborados por povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais no Brasil.
Art. 1º A presente Resolução objetiva estabelecer os parâmetros para a aplicação do conteúdo normativo contido no art. 17, Parágrafo único, do Decreto nº 9.603, de 10 de dezembro de 2018, com base nas garantias estabelecidas nos arts. 1º e 2º da Resolução nº 181, de 10 de novembro de 2016, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, de modo a complementar os parâmetros para interpretação dos direitos e adequação dos serviços relacionados ao atendimento de crianças e adolescentes pertencentes a povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais no Brasil.
Art. 2º Povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais são definidos conforme os preceitos normativos contidos no art. 1º, 1, “a” e “b” da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, promulgada pelo Decreto nº. 5.051, de 19 de abril de 2004, e consolidada pelo Decreto nº 10.088, de 5 de novembro de 2019, no art. 3º, III, do Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007 e no art. 2º do Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003.
Parágrafo único. O direito à autodeclaração assegura o reconhecimento da identidade étnica dos sujeitos pertencentes a povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais, cabendo aos órgãos do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente – SGDCA zelar pelo seu cumprimento no procedimento de cadastramento de informações de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência.
Art. 3º Consideram-se práticas de atendimento desenvolvidas por povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais todas as formas autodeterminadas e autônomas de cuidado, atenção e proteção de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, realizadas por instâncias internas de suas organizações sociais, segundo seus costumes, tradições e sistemas jurídicos próprios.
§ 1º Orienta-se que as práticas realizadas por povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais evitem a repetição dos relatos de violência por parte da criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência, de modo a garantir que não seja revitimizada.
§ 2º Em caso de revelação de situação de violência sofrida ou testemunhada por criança ou adolescentes durante a realização das práticas de atendimento por povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais, recomenda-se que estabeleçam a comunicação com o Conselho Tutelar ou o Ministério Público do município de competência para a definição de medidas institucionais a serem adotadas em apoio ao atendimento interno e no encaminhamento da denúncia.
§ 3º A definição contida no § 2º deste artigo, quando envolvendo povos indígenas, necessita de comunicação e apoio da Fundação Nacional dos Povos Indígenas – FUNAI e do Distrito Sanitário Especial Indígena – DSEI, conforme estabelecido no art. 18 do Decreto nº 9.603, de 10 de dezembro de 2018, e no art. 4º da Instrução Normativa nº 01, de 13 de maio de 2016, da FUNAI.
§ 4º As práticas de atendimento desenvolvidas por povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais com crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência podem ocorrer antes, durante e depois das medidas institucionais, cabendo ao SGDCA o respeito para com suas realizações e o cuidado de não gerar sobreposição de medidas de atendimento, a fim de evitar e erradicar a prática da violência e do racismo institucional.
§ 5º O termo adolescente pode ser substituído pelo termo juventude para melhor compatibilização com os arranjos socioculturais e as concepções diferenciadas dos ciclos de vida existentes em povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais, assegurando o reconhecimento e a aplicação dos critérios étnicos para identificação dos sujeitos inseridos no período legalmente estabelecido como infância, adolescência e juventude, conforme disposto no art. 2º da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e no art. 1º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 12.852, de 5 de agosto de 2013.
Art. 4º O SGDCA deve assegurar o reconhecimento das práticas de atendimento desenvolvidas por povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais com crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência como integrante do próprio SGDCA, em igualdade de condições com as medidas de atendimento institucional e definindo a forma de coordenação entre as diferentes medidas de atendimento.
§ 1º Deve-se garantir a participação de representantes de povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais nos espaços de construção e monitoramento de fluxos de atendimento, protocolos e planos setoriais e intersetoriais, com base nas garantias presentes no art. 6º da Convenção nº. 169 da OIT, no art. 3º, Parágrafo único, alíneas “a”, “c” e “d” da Resolução nº 181, de 10 de novembro de 2016, do CONANDA, e no art. 1º, III e IV, da Resolução nº 214, de 22 de novembro de 2018, do CONANDA.
§ 2º Os fluxos de atendimento construídos ou revisados sobre o atendimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência necessitam garantir a inclusão das instâncias internas da organização social dos povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais como parte do SGDCA, em desenho organizacional a ser pactuado com seus representantes e com a definição da forma de coordenação entre as medidas.
Art. 5º Para a realização de depoimento especial e escuta especializada de crianças ou adolescente pertencente a povo indígena, comunidade quilombola ou povo ou comunidade tradicional, recomenda-se que os órgãos de referência para a realização dos procedimentos conduzam o seu planejamento com a participação de representantes do povo ou comunidade de pertença do sujeito, incluindo a avaliação sobre as medidas necessárias para a adequação cultural do ambiente, da linguagem e do procedimento.
Parágrafo único. Recomenda-se que a participação de representantes de povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais inclua a busca ativa de representantes de família extensa da criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência.
Art. 6º A formação continuada de profissionais do SGDCA sobre a temática do atendimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência necessita incluir conteúdos curriculares que oportunizem o iálogo intercultural com povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais sobre suas práticas de atendimento.
Parágrafo único. Sempre que possível, recomenda-se a inclusão de representantes de povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais na função de professor(a) formador(a) ou ministrante da atividade formativa relacionada ao conteúdo curricular objeto do caput deste artigo.
Art. 7º Os Comitês de gestão colegiada da rede de cuidado e de proteção social das crianças e dos adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, no âmbito dos Conselhos Estaduais, Distrital e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, estabelecidos pela Resolução nº 235, de 12 de maio de 2023, do CONANDA, devem assegurar a participação de representantes de povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais em sua composição, na qualidade de organizações da sociedade civil da localidade afetas à pauta do enfrentamento às violências, conforme prescrito no art. 6º, § 2º, da referida Resolução.
Parágrafo único. A garantia contida no caput deste artigo deve ser observada por outras instâncias colegiadas que atuam com a mesma finalidade nos órgãos de controle social ou na sociedade civil.
Art. 8º Sempre que for do interesse do povo indígena, comunidade quilombola ou povo ou comunidade tradicional, o SGDCA deverá garantir formas de apoio técnico e financeiro para o fortalecimento das práticas de atendimento realizadas pelos povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais.
Art. 9º Nos processos criminais que realizem a verificação da responsabilização de autores de violência sofrida por criança ou adolescente de povo indígena, comunidade quilombola ou povo ou comunidade tradicional, recomenda-se que a perícia antropológica possa oferecer subsídios sobre os mecanismos próprios de atendimento às crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência ofertados pelo povo indígena, comunidade quilombola ou povo ou comunidade tradicional.
Parágrafo único. No caso de autores de violência que sejam membros de povos indígenas, recomenda-se que a realização da perícia antropológica prevista no art. 6º da Resolução nº 287, de 25 de junho de 2019, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, e no art. 8º da Resolução nº. 524, de 27 de novembro de 2023, do CNJ, possa incluir o entendimento dos mecanismos próprios do povo indígena de atendimento às crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, enquadrando-a como informação adicional recepcionada no inciso V dos arts. 6º e 8º, das referidas Resoluções.
Art. 10. Recomenda-se que os serviços do SGDCA procedam com o cadastro de intérpretes dos povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais que tenham necessidade de tradução de informações para suas línguas próprias, de modo a oportunizar o atendimento institucional com apoio destes profissionais.
§ 1º Para a definição da coordenação entre as medidas institucionais e as práticas desenvolvidas por povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais com crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência deverá ser priorizada a presença do intérprete para melhoria da comunicação entre as partes envolvidas.
§ 2º Aos intérpretes é necessário assegurar a inserção em atividades de formação continuada que possibilitem o entendimento sobre os direitos de crianças e adolescentes, assim como das competências, procedimentos e atribuições do serviço do SGDCA de atuação.
§ 3º Os serviços do SGDCA necessitam assegurar a valorização dos intérpretes de povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais, incluindo a previsão orçamentária para pagamento dos serviços prestados.
§ 4º Nas localidades e nos serviços do SGDCA com quantidade relevante de atendimento de crianças e adolescentes de povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais que exigem a tradução intercultural do atendimento prestado, recomenda-se a vinculação de intérpretes como parte da equipe permanente.
Art. 11. A presente Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
MARINA DE POL PONIWAS
Presidente do Conselho

Deixe um comentário

Carrinho de compras
Rolar para cima
×