RESOLUÇÃO CONANDA Nº 155, DE 8 DE NOVEMBRO DE 2012

Dispõe sobre as diretrizes básicas para a atuação das entidades que promovam práticas desportivas destinadas a crianças e adolescentes.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, no uso das atribuições que lhe conferem as Leis n º 8.069 de 13 de julho de 1990 e nº 9.579 de 22 de março de 1991,

Considerando a Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 20 de novembro 1959, em particular o Princípio IX, que dispõe sobre a proibição do trabalho infantil antes da idade mínima adequada, assim como de qualquer ocupação ou emprego que prejudique a saúde ou a educação da criança, ou que interfira em seu desenvolvimento físico, mental, psicológico ou moral;

Considerando a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989, promulgada pelo Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990, em especial seu art. 11, que trata das medidas a serem adotadas pelos Estados-Partes na luta contra a transferência ilegal de crianças para o exterior e a sua retenção ilícita fora de seu País de origem;

Considerando o propósito da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Brasil com equivalência Constitucional, pelo Decreto Legislativo nº 186 de 09 de julho de 2008 e Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, de promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente;

Considerando o art. 227 da Constituição Federal, que estabeleceu a responsabilidade entre família, sociedade e Estado para proporcionar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, que abrange os aspectos relativos à idade mínima para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII, bem como a garantia de acesso do adolescente trabalhador à escola;

Considerando o art. 4º da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe sobre a proteção integral, de acordo com o disposto na Constituição Federal, que elevou o desporto à categoria de Direito Fundamental e regulamentou que a prioridade absoluta constitucional compreende, dentre outras ações, a primazia de preferência na formulação de políticas sociais públicas e destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à crianças e adolescentes;

Considerando que os Capítulos IV e V da Lei nº 8.069, de 1990, referentes aos Direitos Fundamentais à Educação, à cultura,, ao Esporte e ao Lazer e à Profissionalização e ao Direito ao Trabalho, não apresentam dispositivos que regulamentem a formação e a prática profissional esportiva no que tange a aspectos indispensáveis para a proteção dos interesses dos atletas adolescentes, bem como certas especificidades da prática esportiva de crianças e adolescentes atletas;

Considerando que as práticas de formação de adolescentes atletas previstas na Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998 – Lei Pelé, com destaque para o art. 29, demandam ações para sua implementação;

Considerando o grande público de crianças e adolescentes envolvido em atividades esportivas por intermédio de vínculos com entidades de administração do desporto e a crescente busca para o ingresso na carreira esportiva, levando-os a viver longe de suas famílias, especialmente na modalidade desportiva futebol;

Considerando a vulnerabilidade de criança e adolescente diante da autoridade exercida por seus responsáveis legais e outros adultos com os quais se relacionam, sejam eles pais, professores, técnicos, entidades de prática e de administração do desporto, principalmente no que tange à profissionalização precoce, observada, sobretudo, no futebol;

Considerando que a violação dos direitos de crianças e adolescentes praticantes de desporto de rendimento implica ações ajuizadas perante a Justiça do Trabalho e Juizado da Infância e da Adolescência e a atuação do Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério Público do Trabalho com o intuito de salvaguardar esses direitos;

Considerando o direito ao acesso à educação segundo o Art. 5º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – Lei nº 9394/1996;

Considerando, que os eventos da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, estimulam a busca de atividades esportivas de crianças e adolescentes; resolve deliberar diretrizes com vistas a promover uma política de proteção integral a crianças e adolescentes durante a prática de desporto:

Seção I

Das Disposições Gerais

Art. 1º As entidades que promovam prática desportiva destinadas a crianças e adolescentes devem se inscrever junto aos Conselhos Municipais e do Distrito Federal dos Direitos da Criança e do Adolescente – CMDCA, e fazer o registro dos seus programas de formação desportiva naquele conselho.

§ 1º Os Conselhos Municipais e do Distrito Federal dos Direitos da Criança e do Adolescente ficam responsáveis pela comunicação do registro das entidades aos Conselhos Tutelares e às autoridades judiciárias, conforme previsto no § 1º do art. 90, e caput do art. 91 da Lei nº 8.069, de 1990.

§ 2º Os programas desenvolvidos pelas entidades citadas no caput devem promover ações coordenadas com os demais programas e serviços que compõem a rede municipal e do Distrito Federal de promoção, proteção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes;

Art. 2º A prática desportiva deve estar em consonância com os direitos fundamentais previstos no ordenamento jurídico nacional e internacional, dos quais são titulares crianças e adolescentes.

Art. 3º As atividades desenvolvidas no âmbito das entidades que promovam prática desportiva Parágrafo único. O calendário de competições desportivas deve observar datas e horários que garantam às crianças e adolescentes atletas condições adequadas para o desenvolvimento das atividades escolares, além dos demais direitos fundamentais nomeados no caput do art. 4º da Lei nº 8.069, de 1990 e no caput do art. 227 da Constituição Fe d e r a l .

Art. 4º A prática desportiva das diferentes modalidades que envolvem crianças e adolescentes pode ser ministrada nas seguintes manifestações, segundo a Lei nº 9.615, de 1998:

I – desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hiper competitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer;

II – desporto de participação, de modo voluntário, compreendendo as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente; e

III – desporto de rendimento, praticado segundo as regras de prática desportiva nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidade do País e estas com as de outras nações, podendo ser organizado e praticado de modo profissional ou não profissional.

Art. 5º As entidades que promovam prática desportiva devem assegurar que a prática das atividades seja em ambientes seguros para reduzir os riscos de acidentes; que os equipamentos esportivos estejam em bom estado, adequados para o tamanho dos adolescentes e homologados pelos órgãos competentes; que o local tenha os recursos básicos, como kit de primeiros socorros; e que a equipe de técnicos e professores tenham formação para a prevenção dos acidentes e para o atendimento de primeiros socorros.

Seção II

Do Desporto Educacional e de Participação

Art. 6º As entidades que promovam prática desportiva educacional e de participação para crianças e adolescentes devem:

I – providenciar assistência integral à saúde, seja durante as competições, treinamentos ou momentos de recreação e lazer;

II – assegurar que a prática desportiva de crianças e adolescentes seja precedida de avaliação integral à saúde, a qual deve atestar adequada condição para tal atividade; e

III – promover a prática desportiva como incentivo ao desenvolvimento integral da criança e adolescente, à interação social entre seus participantes, a promoção de bemestar, saúde e qualidade de vida.

IV – Promover atividades pedagógicas concomitantes à prática esportiva visando a inserção do adolescente em outras atividades de incentivo à profissionalização, de acordo com seus interesses.

V – Promover estudos e pesquisas relativos às práticas esportivas de crianças e adolescentes que contribuam para o aumento da qualidade dos serviços prestados e melhoria da qualidade de vida deste público.

Seção III

Do Desporto de Rendimento

Art. 7º As entidades que promovam prática desportiva de rendimento para adolescentes, na oportunidade em que realizarem testes de seleção de talento esportivo, devem observar as seguintes exigências:

I – a gratuidade dos testes;

II – a duração dos testes não deve ser superior a quinze dias;

III – a realização dos testes deve acontecer nos períodos de férias do ano letivo escolar;

IV – o arquivamento, pelo prazo mínimo de cinco anos, dos seguintes documentos: certidão de nascimento ou documento de identidade, comprovante de endereço, dados do teste, declaração de escolaridade, atestado de saúde do atleta e autorização dos pais ou responsável legal para realização do teste na entidade, em que conste os meios de contato.

V – o adolescente deve ter mais de 14 anos.

§ 1º Os pais ou responsáveis legais devem autorizar previamente a participação de adolescentes nos testes das entidades que promovam prática desportiva de rendimento, por meio de documento datado, com validade de 12 meses, assinado e com especificação da entidade e do período de realização dos testes.

§ 2º O adolescente deve ser submetido a exame clínico prévio, a fim de constatar a aptidão para a prática da atividade física decorrente dos testes.

Art. 8º Nos termos do art. 29 da Lei nº 9.615, de 1998, o contrato deve ter sua duração estabelecida formalmente pelas partes, sem que seu termo ocorra no decorrer do semestre letivo, e não poderá ser rescindido, sem obediência ao que estabelece a legislação civilista, e ainda, sem que seja garantida a prioridade dos direitos do adolescente de acordo com a Lei nº 8069/90.

Parágrafo único. O desligamento do adolescente do programa de formação de atletas de alto rendimento será precedido da devida orientação ao adolescente atleta e a seus pais ou responsáveis legais, observado o disposto no parágrafo único do art. 100 da Lei nº 8.069, de 1990, assegurada assistência médica, psicológica, social e educacional para aqueles que delas necessitarem.

Art. 9º As entidades que promovam prática desportiva de rendimento para adolescentes devem:

I – providenciar seguro de vida e saúde para adolescentes atendidos, bem como assistência integral a saúde, seja durante as competições, treinamentos ou nos períodos de teste e programas de descoberta do talento esportivo;

II – assegurar que a prática desportiva de adolescentes seja sempre precedida de avaliação integral à saúde, a qual deve atestar adequadas condições com reavaliações regulares de acordo com as especificidades da modalidade exercida;

III – matricular nas escolas os adolescentes em regime de alojamento e acompanhar seu desenvolvimento escolar, com exigência de aproveitamento satisfatório;

IV – manter, em arquivo próprio, a documentação relativa aos atletas atendidos, tais como, certificados de matrícula e boletins escolares, histórico de atendimentos de saúde e psicossociais e de visitas domiciliares e de familiares, registro do programa de formação desportiva e plano individual de atendimento, com garantia do direito de acesso às informações arquivadas aos representantes legais de adolescentes e órgãos de fiscalização;

V – manter os alojamentos em condições adequadas, segundo as exigências da Norma Regulamentadora nº 24, aprovada pela Portaria nº 3.214, de 8 de junho de 1978, do Ministério do Trabalho e Emprego;

VI – custear, no mínimo uma vez a cada trimestre, ou em qualquer situação emergencial, a visita do adolescente que esteja em regime de alojamento aos seus pais ou responsáveis legais, garantindo a convivência familiar e comunitária; e

VII – assegurar recursos de acessibilidade tanto na infraestrutura física, da informação e comunicação assim como de tecnologias assistivas necessárias para que seja respeitado o direito de acesso de crianças e adolescentes com deficiência, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

Parágrafo único. Para o alojamento de adolescentes atletas, exige-se a prévia formalização de contrato, nos moldes do art. 29 da Lei 9.615, de 1998.

Art. 10. É vedada a manutenção de crianças e adolescentes menores de quatorze anos em alojamentos, para que seja assegurado o direito fundamental de convivência familiar e coibida a profissionalização precoce, ante a proibição constitucional de qualquer trabalho para crianças e adolescentes até 14 anos.

Parágrafo único. A participação de adolescentes em programas de desporto de rendimento que exigirão sua permanência em alojamento, pelo tempo superior a 15 (quinze) dias, necessita, sem prejuízo de outras providências de que trata essa resolução, de autorização judicial para esta finalidade.

Art. 11. As entidades que promovam a prática desportiva de alto rendimento devem proporcionar aos adolescentes atletas o atendimento integral com equipe multiprofissional.

§ 1º O atendimento na área de saúde implica o dever de instituir programa de controle de saúde ocupacional específico para atletas de alto rendimento, com vistas a preservar a saúde e prevenir riscos e agravos que decorrem da prática intensiva do desporto, e o programa de controle deve obedecer às exigências da Norma Regulamentadora nº 7, aprovada pela Portaria nº 3214, de 1978, do Ministério do Trabalho e Emprego.

§ 2º Os adolescentes atletas com desempenho escolar insuficiente devem receber acompanhamento psicopedagógico.

Art. 12. Em função da prática de agenciamento de adolescentes atletas para fins mercantilistas, são consideradas sem valor legal:

I – a procuração em que pais ou representantes legais outorguem a terceiros poderes específicos para o exercício de atos inerentes ao poder familiar ou gerenciamento da carreira do atleta em formação; quando não houver acompanhamento do Conselho Tutelar e autorização judicial.

II – as autorizações, procurações e outros documentos que possibilitem práticas que possam ser classificadas como tráfico interno e internacional de adolescentes.

Art. 13. Os dirigentes das entidades que desenvolvem programas de desporto de rendimento respondem, subsidiariamente, por todas e quaisquer violações de direitos contra crianças e adolescentes participantes na forma do artigo 97 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal 8.069 de 1990.

Seção IV

Das Disposições Finais

Art. 14. As disposições desta Resolução se aplicam aos adolescentes emancipados na forma do art. 5º da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil Brasileiro, que continuam destinatários da proteção integral e prioritária por parte da família, da sociedade e do Poder Público, por força do disposto no caput do art. 227 da Constituição Federal e arts. 1º, 2º e 4º da Lei nº 8.069, de 1990.

Art. 15. A constatação de violação do disposto nesta Resolução deve ser comunicada aos órgãos competentes para a adoção das medidas administrativas e judiciais que se fizerem necessárias à regularização da situação e à responsabilização das entidades e agentes, nos moldes do previsto nos artigos 5º, 208 e 212 da Lei nº 8.069, de 1990.

Art. 16. Esta Resolução deverá ser amplamente divulgada às entidades que promovam prática desportiva, aos estabelecimentos de ensino público e privado e demais envolvidos na formação profissional de atletas.

Art. 17. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

MIRIAM MARIA JOSÉ DOS SANTOS

Presidente do Conselho

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