DOU 20/12/2022 –
Estabelece diretrizes para a realização de revista pessoal em estabelecimentos prisionais e veda a utilização de práticas vexatórias para o controle de ingresso nos locais de privação de liberdade; revoga a Resolução nº 5, de 28 de agosto de 2014; e dá outras providências.
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA, no uso de suas atribuições legais e regimentais, e
Considerando que incumbe ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), dentre outras atribuições, nos termos do art. 64 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal – LEP), “I – propor diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito, administração da Justiça Criminal e execução das penas e das medidas de segurança; […] III – promover a avaliação periódica do sistema criminal para a sua adequação às necessidades do País; […] VIII – inspecionar e fiscalizar os estabelecimentos penais, bem assim informar-se, mediante relatórios do Conselho Penitenciário, requisições, visitas ou outros meios, acerca do desenvolvimento da execução penal nos Estados, Territórios e Distrito Federal, propondo às autoridades dela incumbida as medidas necessárias ao seu aprimoramento”;
Considerando o advento da Emenda Constitucional nº 104, de 4 de dezembro de 2019, que “altera o inciso XIV do caput do art. 21, o § 4º do art. 32 e o art. 144 da Constituição Federal, para criar as polícias penais federal, estaduais e distrital”;
Considerando que a Lei nº 13.271, de 15 de abril de 2016, veda que “as empresas privadas, os órgãos e entidades da administração pública, direta e indireta”, adotem “qualquer prática de revista íntima de suas funcionárias e de clientes do sexo feminino” (art. 1º);
Considerando a “controvérsia relativa à ilicitude da prova obtida a partir de revista íntima de visitante em estabelecimento prisional, por ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana e à proteção ao direito à intimidade, à honra e à imagem”, objeto do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 959.620, com repercussão geral reconhecida por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 998);
Considerando o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que, “caso haja fundadas suspeitas de que o visitante do presídio esteja portando material ilícito, é possível a realização de revista íntima, com fins de segurança, a qual, por si só, não ofende a dignidade da pessoa humana, notadamente quando realizada dentro dos parâmetros legais e constitucionais, sem nenhum procedimento invasivo” (STJ, Sexta Turma, REsp 1523735/RS, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 20-2-2018, DJe 26-2-2018), ao passo que “é ilícita a revista pessoal realizada por agente de segurança privada e todas as provas decorrentes desta” (STJ, Quinta Turma, HC 470.937/SP, rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 4-6-2019, DJe 17-6-2019);
Considerando o disposto na Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que estabelece normas para a consolidação dos atos normativos;
Considerando o disposto no Decreto nº 10.139, de 28 de novembro de 2019, que “dispõe sobre a revisão e a consolidação dos atos normativos inferiores a decreto”;
Considerando o trabalho realizado pela Comissão Permanente de Sistema Prisional e Fundo Penitenciário Nacional, para a revisão das normas pertinentes a tais temáticas, nos termos de decisão do Plenário; e
Considerando o deliberado pelo Plenário do Conselho de Política Criminal e Penitenciária em sua 488ª Reunião Ordinária, resolve:
Art. 1º A revista pessoal é a inspeção efetuada com fins de segurança, em todas as pessoas que pretendem ingressar em locais de privação de liberdade e que venham a ter contato direto ou indireto com pessoas privadas de liberdade ou com o interior do estabelecimento.
§ 1º A revista pessoal deve preservar a integridade física, psicológica e moral da pessoa revistada.
§ 2º A revista pessoal em ambiência prisional é de competência da polícia penal, vedada sua realização por agente privado.
§ 3º A revista pessoal deverá ocorrer mediante uso de equipamentos eletrônicos detectores de metais, aparelhos de raio-x, escâner corporal, dentre outras tecnologias e equipamentos de segurança capazes de identificar armas, explosivos, drogas ou outros objetos ilícitos, ou, excepcionalmente, de forma manual.
§ 4º Ressalvado o disposto no art. 3º, excepcionalmente, na ausência dos equipamentos mencionados no § 2º ou havendo fundada suspeita, poderá ser realizada a revista manual.
§ 5º Para efeitos desta Resolução, em caso da excepcionalidade da revista manual:
a) a pessoa revistada permanecerá com as roupas íntimas;
b) a revista manual será realizada por policial penal do mesmo sexo do visitante;
c) visitantes travestis, transexuais ou intersexuais, no momento de seu cadastro prévio para habilitação à visitação, poderão indicar o gênero desejado de policial penal que realizará o procedimento da revista manual, respeitado o direito ao uso do nome social, na forma da lei.
Art. 2º É vedada a revista vexatória, desumana ou degradante, notadamente:
I – desnudamento;
II – conduta que implique o toque ou a introdução de objetos nas cavidades corporais da pessoa revistada;
III – uso de cães ou animais farejadores, ainda que treinados para esse fim;
IV – agachamento ou salto.
Art. 3º Mesmo que se verifique anuência da pessoa visitante, não haverá submissão a revista íntima, exceto em caso de fundada suspeita, nos termos dos arts. 240 e 244 do Código de Processo Penal, observados em qualquer caso os arts. 1º e 2º desta Resolução.
Art. 4º As pessoas com deficiência, os idosos com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, as gestantes, as lactantes, as pessoas com crianças de colo e os obesos terão atendimento prioritário, nos termos da Lei nº 10.048, de 8 de novembro de 2000, assim como as pessoas com transtorno do espectro autista.
Art. 5º O acesso de gestantes ou pessoas com qualquer limitação física impeditiva da utilização de recursos tecnológicos aos estabelecimentos prisionais será assegurado pelas autoridades prisionais, observado o disposto nesta Resolução.
Art. 6º A revista pessoal em crianças e adolescentes deve ser precedida de autorização expressa de seu representante legal e somente será realizada na presença deste.
Art. 7º Os pertences em posse dos visitantes, cujo ingresso seja autorizado pela administração prisional, devem ser, preferencialmente, submetidos a equipamentos de raio-x.
§ 1º Na ausência de equipamentos de raio-x, ou na presença de fundada suspeita, os pertences citados no caput serão inspecionados visual e manualmente.
§ 2º Está autorizado o uso de outro equipamento que venha a contribuir para a completa inspeção de pertences de posse de visitantes, desde que não os danifique.
§ 3º Não se admitirá ingresso de bens ou objetos destinados aos presos que não tenham sido inspecionados.
Art. 8º A pessoa que se negar a submeter-se à revista pessoal e à inspeção de pertences poderá ter seu ingresso no estabelecimento penal negado.
Art. 9º Os projetos arquitetônicos de construção, reforma ou ampliação de estabelecimentos prisionais de regime fechado e de detenção provisória deverão prever espaço e estrutura para instalação de equipamentos de revista eletrônica, em especial de escaneamento corporal, e para guarda de pertences dos visitantes.
§ 1º O Departamento Penitenciário Nacional e as administrações penitenciárias das unidades federadas devem priorizar a instalação dos equipamentos previstos no caput nos acessos às unidades de regime fechado e centros de detenção provisória.
§ 2º O Departamento Penitenciário Nacional e as administrações penitenciárias das unidades federadas deverão elaborar e publicar, em até 180 (cento e oitenta) dias, plano de implantação gradual, com vistas a atender integralmente às unidades de regime fechado e centros de detenção provisória.
§ 3º No caso de a unidade prisional se encontrar em complexo com outros estabelecimentos penais, os escâneres corporais poderão ser de uso comum, desde que isso não comprometa a capacidade de atender à demanda ordinária de visitantes.
Art. 10. O Departamento Penitenciário Nacional e as administrações penitenciárias das unidades federadas publicarão, em até 90 (noventa) dias, regras de ingresso e de inspeção de pessoas e objetos compatíveis com esta Resolução em suas páginas oficiais, redes sociais eventualmente existentes, e fisicamente, nos estabelecimentos prisionais, de maneira visível aos visitantes.
Art. 11. A critério da autoridade prisional, os presos visitados poderão ser revistados ao término da visita, ou suas celas, e a recusa poderá constituir falta disciplinar, conforme o caso (arts. 49 e seguintes da Lei nº 7.210/1984 – Lei de Execução Penal).
Art. 12. Os órgãos de execução penal (art. 61 da Lei de nº 7.210/1984 – Lei de Execução Penal) devem fiscalizar o cumprimento desta Resolução.
Art. 13. Fica revogada a Resolução nº 5, de 28 de agosto de 2014.
Art. 14. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
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