RESOLUÇÃO CNDH Nº 24, DE 16 DE SETEMBRO DE 2022

DOU 7/10/2022

Dispõe sobre a pulverização de agrotóxicos por aeronaves para prevenção e reparação de violações de direitos humanos.

O CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS – CNDH, no uso da atribuição legal que lhe é conferida pela Lei nº 12.986 de 02 de junho de 2014, e dando cumprimento à deliberação tomada, por maioria, em sua 62ª Reunião Ordinária, realizada em 15 e 16 de setembro de 2022:

Considerando que o Brasil é parte da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), ratificada pelo Decreto Federal nº 2.519, de 16 de março de 1998, cujos objetivos são a conservação da diversidade biológica e a utilização sustentável de seus componentes;

Considerando a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes, promulgada pelo Decreto nº 5.472, de 20 de junho de 2005, que visa a eliminação e restrição de vários produtos agrotóxicos, seus estoques e resíduos, a redução da liberação de suas emissões não intencionais no meio ambiente, além da identificação e gestão de áreas contaminadas por essas substâncias e que, em seu princípio 19, explicita que “é indispensável um trabalho de educação em questões ambientais, visando tanto às gerações jovens como os adultos, dispensando a devida atenção ao setor das populações menos privilegiadas, para assentar as bases de uma opinião pública, bem informada e de uma conduta responsável dos indivíduos, das empresas e das comunidades, inspirada no sentido de sua responsabilidade, relativamente à proteção e melhoramento do meio ambiente, em toda a sua dimensão humana”;

Considerando a Convenção Internacional sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Estocagem e Uso de Armas Químicas e sobre a Destruição das Armas Químicas Existentes no Mundo, promulgada pelo Decreto nº 2.977, de 01 de março de 1999;

Considerando a Convenção sobre Procedimento de Consentimento Prévio Informado para o Comércio Internacional de Certas Substâncias Químicas e Agrotóxicos Perigosos, promulgada pelo Decreto nº 5.360, de 31 de janeiro de 2005;

Considerando que o Brasil é signatário da Resolução A/RES/72/279, da Organização das Nações Unidas, para garantir a sustentabilidade, dentre as metas estabelecidas na Agenda 2030, relacionadas
aos 17 objetivos de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), destaca-se a Meta 2.4 que objetiva garantir sistemas sustentáveis de produção de alimentos e implementar práticas agrícolas resilientes, que ajudem a manter os ecossistemas, que fortaleçam a capacidade de adaptação às mudanças climáticas e que melhorem progressivamente a qualidade da terra e do solo; a Meta 3.9 que visa reduzir substancialmente o número de mortes e doenças por produtos químicos perigosos, contaminação e poluição do ar e água do solo e a Meta 6.3 que objetiva melhorar a qualidade da água, reduzindo a poluição, eliminando despejo e minimizando a liberação de produtos químicos e materiais perigosos, reduzindo à metade a proporção de águas residuais não tratadas, e aumentando substancialmente a reciclagem e reutilização segura globalmente;

Considerando a Convenção nº 170 sobre Segurança no Trabalho com Produtos Químicos, a Convenção nº 139 sobre a Prevenção e o Controle de Riscos Profissionais causados pelas Substâncias ou Agentes Cancerígenos, a Convenção nº 155 sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores e o Meio Ambiente de Trabalho, todas da Organização Internacional do Trabalho e promulgadas pelo Brasil;
Considerando que a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi ratificada e incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto Federal nº 5.051/2014 e dispõe, em seu art. 6.1, alínea “a”, a obrigação do Estado de consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, em particular, de suas instituições representativas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;

Considerando que a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), em seu princípio 10, estabelece que “A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações a disposição de todos”;

Considerando a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, ratificada pela Estado brasileiro em 27 de março de 1968 e promulgada pelo Decreto nº 65.810, de 8 de dezembro de 1969, que dispõe em seu artigo 2º sobre o dever dos estados partes em adotar, se as circunstâncias assim o exigirem, nos campos social, econômico, cultural e outros, medidas especiais e concretas para assegurar adequadamente o desenvolvimento ou a proteção de certos grupos raciais ou de indivíduos pertencentes a esses grupos com o propósito de garantir-lhes, em igualdade de condições, o pleno exercício dos direitos humanos e das liberdades fundamentais;

Considerando a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses e Outras Pessoas que Trabalham em Áreas Rurais, aprovada em 17 de dezembro de 2018, em especial os arts. 5º, 14, 15, 17, 18, 20 e 21, que dispõem, respectivamente, sobre o direito aos recursos naturais e ao desenvolvimento; direito a um ambiente de trabalho seguro e saudável; direito à alimentação e à soberania alimentar; direito à terra; direito a um ambiente limpo, seguro e saudável para utilizar e administrar; e direito à diversidade biológica; e direito a sistema de água potável;

Considerando o disposto no Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3, aprovado por meio do Decreto nº 7.037/2009, em especial as seguintes ações programáticas do Eixo Orientador II “Desenvolvimento e Direitos Humanos”: fortalecer a legislação e a fiscalização para evitar a contaminação dos alimentos e danos à saúde e ao meio ambiente causados pelos agrotóxicos (d, diretriz 4, objetivo estratégico II); fomentar tecnologias alternativas para substituir o uso de substâncias danosas à saúde e ao meio ambiente, como poluentes orgânicos persistentes, metais pesados e outros poluentes inorgânicos (c, diretriz 4, objetivo estratégico III); e garantir o efetivo acesso à informação sobre a degradação e os riscos ambientais, e ampliar e articular as bases de informações dos entes federados e produzir informativos em linguagem acessível (f, diretriz 6, objetivo estratégico I);

Considerando que a Constituição Federal de 1988 tem como princípio a dignidade da pessoa humana (art. 1º), garantindo a saúde e a alimentação como direitos sociais (art. 6º), além da proteção dos modos de criar, fazer e viver (art. 216), e que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225);

Considerando que a Constituição Federal de 1988 determina, em seu art. 5º, XXXIII, que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”;

Considerando o preceito constitucional do princípio da função social da propriedade (art. 5º- XXIII, e art. 170), que impede o abuso do exercício deste direito, exigindo, assim, deveres de seu titular para o uso racional do bem que condiciona o seu exercício ao adimplemento de deveres sociais, especialmente da função social ambiental, de seu aproveitamento racional e adequado, com respeito às devidas relações de trabalho (art. 186);

Considerando que a igualdade e o respeito à pluralidade dos povos e comunidades tradicionais são direitos constitucionais, previstos em um conjunto de medidas a serem observadas para assegurá-los conforme os arts. 215, 216, 231 e 232, além do art. 68 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal de 1988;

Considerando a Lei Federal nº 7.802, de 11 de julho de 1989, que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins e seu Decreto Regulamentador nº 4074, de 04 de janeiro de 2002;

Considerando que o direito à alimentação implica alimentos saudáveis, adequados e sustentáveis, conforme a Política Nacional de Segurança Alimentar (art. 2º, § 2º e art. 3º da Lei nº 11.346/2006; art. 4º, III, Decreto nº 7.272/2010) e o Pacto Nacional pela Alimentação Saudável que visa a redução do uso de agrotóxicos (art. 3º, II, Decreto nº 8.553/2015);

Considerando que a Política Agrícola, em especial o art. 103, inciso V da Lei nº 8.171/1991, determina ao Poder Público a obrigação de conceder incentivos especiais ao proprietário rural que adotar o sistema orgânico de produção agropecuária, que deve ser isento de qualquer produto agrotóxico;

Considerando a Lei nº 10.831/2003 que dispõe sobre a agricultura orgânica obriga que os produtos orgânicos, para serem certificados, devem ser isentos de agrotóxicos e qualquer contaminação implica perda ou suspensão da certificação, com possibilidade de penalização administrativa, penal e civil;

Considerando que a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, instituída pelo Decreto nº 7.794/2012, tem como diretriz a promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional e do direito humano à alimentação adequada e saudável, por meio da oferta de produtos orgânicos e de base agroecológica isentos de contaminantes que ponham em risco a saúde (art. 3º, inciso I);

Considerando que o projeto Transparência das Informações Ambientais lançado pela 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, com a finalidade de garantir o acesso da sociedade civil às informações, procedimentos e decisões dos órgãos federais e estaduais que atuam em questões socioambientais em todo o território nacional, em atendimento à Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação);

Considerando que a Lei de Acesso à Informação determina que “é dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas”, e que, para tanto, “os órgãos e entidades públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet)” (art. 8º, caput e § 2ª, da Lei nº 12.527/2011);

Considerando a Instrução Normativa nº 02, de 03 de janeiro de 2008, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento que aprova as normas de trabalho da aviação agrícola, em conformidade com os padrões técnicos operacionais e de segurança para aeronaves agrícolas, pistas de pouso, equipamentos, produtos químicos, operadores aeroagrícolas e entidades de ensino, objetivando a proteção às pessoas, bens e ao meio ambiente, por meio da redução de riscos oriundos do emprego de produtos de defesa agropecuária;

Considerando que o Relator Especial Sobre as Implicações aos Direitos Humanos em decorrência de Resíduos Tóxicos da Organização das Nações Unidas, em sua visita ao Brasil no ano de 2019, sugeriu o “banimento da pulverização aérea especialmente em torno de áreas habitadas” e a eliminação gradual da “importação de substâncias perigosas proibidas de uso no país de exportação” (ONU, A/HRC/45/12/Add 2, 2020, p. 20);

Considerando que o Relator Especial da ONU sobre Direito Humano à Alimentação, em seu informe tratando do impacto dos agrotóxicos para o direito humano à alimentação, recomendou a criação de “zonas tampão sem pulverização em torno das plantações e explorações agrícolas para que se eliminem por completo os agrotóxicos e para reduzir os riscos de exposição a eles” (ONU, A/HRC/34/48, 2012, p. 22);

Considerando que a Lei nº 16.820/2019 do estado do Ceará, denominada Zé Maria do Tomé, proibiu a pulverização de agrotóxicos por aeronaves e tem apresentado resultados satisfatórios na redução da deriva técnica de agrotóxicos e da intoxicação de populações residentes em áreas rurais e que a Lei nº 2843/2014 do estado do Acre que estabelece a vedação da aplicação de agrotóxicos, seus componentes e afins mediante pulverização aérea dentro ou num raio de dez quilômetros de áreas habitadas e de unidades de conservação, podendo essa distância ser aumentada ou diminuída em determinadas áreas, desde que a necessidade do aumento ou a possibilidade da diminuição seja ratificada por estudo técnico, sanitário e ambiental, ressalvada nesta última hipótese a distância mínima de um quilômetro;

Considerando que a pulverização de agrotóxicos por aeronaves tem sido denunciada por comunidades camponesas, tradicionais e povos indígenas como instrumento de expropriação territorial e arma química, tendo este Conselho Nacional dos Direitos Humanos recebido inúmeras denúncias de diversas regiões do país;

Considerando que a Recomendação nº 09, de 25 de outubro de 2017, do Conselho Nacional dos Direitos Humanos recomenda a aprovação no Congresso Nacional da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (Projeto de Lei nº 6670/2016), já aprovada em Comissão Especial da Câmara dos Deputados;

Considerando que o Conselho Nacional dos Direitos Humanos solicitou admissão como amicus curiae, posicionando-se pela improcedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6137 em trâmite no Supremo Tribunal Federal, a fim de que seja reconhecida a constitucionalidade da Lei nº 16.820, de 08 de janeiro de 2019, do Estado do Ceará, editada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo Governador do Estado do Ceará, que incluiu dispositivo na Lei nº 12.228, de 9 de dezembro de 1993 a qual proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos na agricultura do Estado do Ceará;

Considerando que o Conselho Nacional dos Direitos Humanos solicitou e foi admitido como amicus curiae na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 667, posicionando-se pelo reconhecimento da constitucionalidade de diversas legislações municipais que proíbem a pulverização aérea de agrotóxicos;
Considerando a Recomendação nº 14, de 13 de maio de 2022 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos que recomenda a eliminação gradual da pulverização aérea de agrotóxicos em todo o território nacional e a revogação da Instrução Normativa nº 13, de 08 de abril de 2020, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; resolve:

CAPÍTULO I

DAS DISTÂNCIAS MÍNIMAS E CONDIÇÕES PARA APLICAÇÃO DE AGROTÓXICOS VIA AERONAVES

Art. 1º As aplicações de agrotóxicos por aeronaves agrícolas e aeronaves remotamente pilotadas devem atender aos requisitos e disposições desta Resolução, a fim de mitigar riscos e evitar violações aos direitos humanos ambientais, sociais, culturais, econômicos e preservar especialmente os direitos de populações camponesas, de agricultoras/es familiares, povos indígenas, comunidades quilombolas e comunidades tradicionais.

Art. 2º A pulverização de agrotóxicos por aeronaves deve ser desestimulada pelo poder público de todos os entes federativos, com priorização nas ações de fiscalização e controle, por tratar-se de método de aplicação mais perigoso e danoso à saúde humana, animal e socioambiental.

Art. 3º Recomenda-se a revisão, por todos os entes federativos, das distâncias mínimas para pulverização área de agrotóxicos e afins, aplicando-se os princípios da prevenção e da precaução e em razão dos consideráveis danos ao meio ambiente decorrentes destes produtos e diversos estudos científicos, adotando-se os seguintes parâmetros mínimos:

§ 1º A aplicação aérea de agrotóxicos, seus componentes e afins não deve ocorrer em áreas situadas a uma distância mínima de raio de dois mil metros adjacentes a mananciais de captação de água, áreas de recargas hídricas e nascentes para abastecimento de populações, núcleos populacionais, escolas e instituições de educação e ensino, hospitais, habitações, locais de recreação, áreas urbanas, e, de mil metros adjacentes a moradias isoladas e agrupamento de animais e culturas suscetíveis a danos.

§ 2º Proibição total da aplicação de agrotóxicos, seus componentes e afins mediante pulverização aérea dentro ou num raio de dez quilômetros de Unidades de Conservação.

§ 3º Proibição total da pulverização aérea de agrotóxicos próxima de terras indígenas, territórios quilombolas e de comunidades tradicionais autorreconhecidas, devendo-se respeitar o direito de consulta livre, prévia, informada e de boa-fé a essas populações.

Art. 4º Devem ser respeitadas legislações ou normativas mais protetivas aos direitos humanos e à preservação ambiental, mesmo de cunho local ou regional, bem como os eventuais planos de manejo existentes.

Art. 5º As aplicações por aeronaves agrícolas e aeronaves remotamente pilotadas de agrotóxicos, seus componentes e afins não poderão ser realizadas, do início ao fim, para mitigar riscos e danos, quando:

I – As condições meteorológicas como temperatura e umidade relativa do ar forem desfavoráveis ou apresentem riscos;

II – A direção e a velocidade do vento implicarem maior impacto de resíduos ou deriva às áreas indicadas no art. 3º.

Art. 6º Devem ser proibidas as aplicações por aeronaves, de qualquer modelo, de agrotóxicos que:

I – o poder público local ou regional não disponha de métodos para desativação de seus componentes;

II – para os quais não haja antídoto ou tratamento eficaz disponível na região próxima, além de capacidade laboratorial para identificação da contaminação pelo Sistema Único de Saúde;

III – que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas:

IV – que provoquem distúrbios hormonais ou danos ao aparelho reprodutor;

V – cujas características causem danos ao meio ambiente;

V – agrotóxicos neonicotinóides ou aqueles que impliquem extermínio de insetos polinizadores;

VI – que não disponham de método de verificação ou monitoramento de presença ou contaminação nas águas ou alimentos.

Art. 7º Nas áreas agricultáveis, devem ser adotadas medidas específicas de controle contra erosão, de modo a diminuir a carreação de partículas do solo, onde se encontram absorvidos agrotóxicos, para as coleções de água e áreas circunvizinhas.

CAPÍTULO II

DO DEVER DE INFORMAÇÃO PRÉVIA ÀS POPULAÇÕES RURAL E URBANA SOBRE PULVERIZAÇÃO AÉREA DE AGROTÓXICOS

Art. 8º Sem prejuízo das exigências dos regulamentos aeronáuticos, ambientais e agropecuários em vigor, as empresas devem apresentar no relatório operacional, a fim de respeitar os direitos difusos e coletivos:

I – a localização geográfica das áreas de pouso e decolagem;

II – o polígono exato de aplicação de agrotóxicos, com indicação de obstáculos, estradas, redes elétricas, aguadas, construções, norte magnético e coordenadas geográficas;

III – o nome da empresa operadora aeroagrícola, pessoa física ou jurídica, o nome do contratante e o engenheiro responsável;

IV – a cultura agrícola a ser pulverizada;

V – o nome do produto a ser utilizado, classe toxicológica, formulação e dosagem a ser aplicada por hectare, número do receituário agronômico e data da emissão;

VI – se há mistura de agrotóxicos, em qual proporção e com quais produtos, indicando a respectiva recomendação e receituário agronômico do profissional responsável;

VII – o tipo e a quantidade de adjuvante a usar, quando for o caso;

VIII – o volume de aplicação em litros ou quilograma por hectare;

IX – os parâmetros básicos de aplicação, relacionados com a técnica e equipamentos de aplicação a serem utilizados, como a altura do voo, largura da faixa de deposição efetiva, limites de temperatura, velocidade do vento e umidade relativa do ar, modelo, tipo e ângulo do equipamento utilizado;

X – a direção das faixas de aplicação e o sentido do vento;

XI – os dados meteorológicos de temperatura, umidade relativa do ar e velocidade do vento, no início e ao final da aplicação;

XII – as identificações e prefixo da aeronave;

XIII – a autorização da ANAC e da Superintendência Federal de Agricultura (SFA);

XIV – a documentação comprobatória de que a comunicação indicada no artigo 9º desta Resolução foi atendida.

Parágrafo único. Todas as informações supracitadas são de caráter público e devem ser disponibilizadas em banco online que deve ser criado pela União, podendo ser acessadas por qualquer pessoa física ou jurídica e especialmente pelas comunidades circunvizinhas e possivelmente afetadas.

Art. 9º As/os às/aos produtoras/es, proprietárias/os, usufrutuárias/os, arrendatárias/os, aplicadoras/es e/ou responsável legal devem realizar comunicação prévia da pulverização aérea de agrotóxico aos órgãos de saúde e meio ambiente locais ou regionais e aos residentes em zonas urbanas e rurais, com prazo mínimo de 72 (setenta e duas) horas, especificando o período durante o qual as/os trabalhadoras/es não poderão transitar na área a ser pulverizada sem elementos de proteção.

§ 1º A comunicação deve ter necessariamente as seguintes informações:

I – data e horário do início e término da aplicação;

II – regiões a serem afetadas;

III – produtos agrotóxicos que serão aplicados, com todas as suas informações técnicas e dados da empresa fabricante, pulverizadora e engenheira/o agrônoma/o ou responsável técnica/o;

IV – possíveis impactos do produto sobre a saúde humana e risco ambiental;

V – orientações gerais em caso de acidentes, desastres ou deriva técnica e acidental.

§ 2º A comunicação que trata este artigo deve ser realizada por meio radiofônico, televisivo, internet, impresso, redes sociais, além da fixação em mural nas sedes das prefeituras municipais, câmara municipal, sedes de Fórum e Ministério Público (onde existir), sede de organizações, como Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais e equipamentos públicos próximos ao local de aplicação.

§ 3º A reunião das informações e as estratégias de comunicação a que se referem este artigo devem ser elaboradas e definidas garantindo a participação e o controle social.

Art. 10. As/aos produtoras/es, proprietárias/os, usufrutuárias/os, arrendatárias/os, aplicadoras/es e/ou responsável legal devem disponibilizar os contatos dos órgãos públicos locais e regionais que devem ser contatados em casos de acidentes, desastres ou contaminação pelos agrotóxicos, inclusive dos serviços de saúde e de urgência e emergência, de referência, para atendimento da população afetada.

Art. 11. É dever das/os produtoras/es, proprietárias/os, usufrutuárias/os, arrendatárias/os, aplicadoras/es e/ou responsável legal disponibilizar e manter ações de comunicação com os moradores de povoados/comunidades vizinhas, em raio de até 10 (dez) quilômetros do empreendimento, a fim de informar sobre os potenciais perigos representados pelos agrotóxicos, garantindo a participação e o controle social de acordo com as características e vulnerabilidades locais.

Parágrafo único. É defeso às/aos produtoras/es, proprietárias/os, usufrutuárias/os, arrendatárias/os, aplicadoras/es e/ou responsável legal impedir o acesso aos registros dos planos e relatórios operacionais de aplicação aérea de agrotóxicos e os dados de segurança dos produtos agrotóxicos utilizados.

Art. 12. A fim de transmitir o posicionamento da aplicação de agrotóxico em tempo real, produtoras/es, proprietárias/os, usufrutuárias/os, arrendatárias/os, aplicadoras/es e/ou responsável legal são obrigados a inserir dispositivos de geolocalização em seus equipamentos aéreos e terrestres, bem como disponibilizar dados do Sistema de Posicionamento Global Diferencial (DGPS).

CAPÍTULO III

DA FISCALIZAÇÃO, MECANISMOS DE DENÚNCIA E AÇÕES EMERGENCIAIS

Art. 13. A fiscalização da pulverização de agrotóxicos e afins, o monitoramento e análise de bioindicadores e a adoção de medidas preventivas e de atendimento à população afetada são de competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, os quais devem atuar em cooperação.

Art. 14. Os Estados, o Distrito Federal e a União devem criar um canal unificado de atendimento e denúncia à população afetada e à sociedade em geral para que os órgãos e instituições públicas responsáveis procedam, de forma célere e eficaz, às ações de reparação, recuperação ambiental, fiscalização, atendimento à saúde e responsabilização das/os agentes envolvidas/os em ações danosas causadas pela pulverização de agrotóxicos, visando à atuação integral e coordenada para garantia de direitos fundamentais.

§ 1º Os canais de atendimento devem ser disponibilizados de forma acessível, por contato telefônico, eletrônico e presencial e devem ser amplamente divulgados pelos canais de comunicação oficiais dos órgãos e instituições públicas.

Art. 15. A recepção de denúncias de violações deve contar com um protocolo de atendimento unificado, a ser implementado pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com vistas a colher o máximo de informações que permitam o atendimento emergencial, a coleta de materiais probatórios das violações e a reparação das vítimas.

§ 1º O protocolo de atendimento unificado deve ser desenvolvido em prazo de 180 dias, a contar da assinatura desta Resolução.

§ 2º No mesmo prazo do parágrafo anterior, União, Estados, Distrito Federal e Municípios devem desenvolver sistema online para acompanhamento das denúncias e com informações atualizadas sobre tratamento das pessoas contaminadas.

CAPÍTULO IV

DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO ÀS POPULAÇÕES URBANAS E RURAIS EXPOSTAS À PULVERIZAÇÃO DE AGROTÓXICO

Art. 16. A fim de aperfeiçoar, dinamizar e contribuir com a capacidade resolutiva das equipes de saúde no atendimento das intoxicações em populações expostas aos agrotóxicos, visando a compreender os riscos aos quais estão expostas e estruturar as ações de vigilância desses agravos, é recomendável a adoção das seguintes medidas pelos entes federados:

I – Pela União:

a) Garantir que a rede nacional de laboratórios de vigilância sanitária que monitora os resíduos de agrotóxicos na água e em alimentos disponha de equipamento e treinamento de pessoal adequados para realizar o teste de resíduos de agrotóxicos em alimentos e na água para consumo humano;

b) Apoiar tecnicamente os programas estaduais e distrital de vigilância em saúde de populações expostas a agrotóxicos;

c) Apoiar tecnicamente os Estados, Distrito Federal e Municípios para realizar o monitoramento da água para consumo humano em comunidades rurais, dentre elas povos indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais;

d) Difundir as informações disponíveis aos profissionais de saúde sobre produtos agrotóxicos e seus impactos agudos e crônicos à saúde, inclusive por meio de um banco de dados online com informações toxicológicas para os agrotóxicos mais amplamente usados no Brasil e o manejo clínico de efeitos agudos e/ou crônicos à saúde;

e) Elaborar protocolos ou estabelecer linhas de cuidado de vigilância e assistência à saúde de populações expostas a agrotóxicos, nos diferentes níveis de complexidade do SUS, com destaque para a pulverização aérea de agrotóxicos;

f) Integrar os sistemas oficiais que registram intoxicações por agrotóxicos, com a criação de linha direta para denúncias por meio telefônico e internet.

II – Pelos Estados e Distrito Federal:

a) Elaborar, com a participação da sociedade civil, Plano Estadual e Distrital de Vigilância e Atenção à Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos, com inclusão de dados específicos sobre intoxicações causadas por pulverização aérea;

b) Ampliar o treinamento de profissionais de saúde quanto a intoxicações por agrotóxicos, incluindo treinamento em diagnósticos clínicos de intoxicações agudas e de exposição crônica a agrotóxicos, e quanto às obrigações de notificação;

c) Promover a análise ampliada da situação de saúde da população exposta ou potencialmente exposta a agrotóxicos, a articulação e a integração da Vigilância em Saúde;

d) Investigar todos os casos de intoxicação exógena por agrotóxicos, a fim de verificar as rotas de exposição e a existência de novos casos ou suspeitas de exposição ou intoxicação, e comunicar os resultados aos serviços de saúde e parceiros intersetoriais;

e) Produzir boletins epidemiológicos sobre doenças e agravos à saúde decorrentes da exposição a agrotóxicos, de modo a fornecer subsídios para o planejamento e a organização dos serviços de saúde;

f) Fortalecer a estrutura laboratorial mínima necessária para o acompanhamento de casos suspeitos e confirmados de intoxicação exógena por agrotóxicos;

g) Fortalecer a participação dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) na estruturação da rede de atenção integral aos intoxicados por agrotóxicos, participando da definição
de fluxos, mecanismos e redes de referência e contrarrefere~ncia com a rede de atenção integral;

h) Promover a vigilância do leite materno e de grupos vulnerabilizados;

i) Capacitar os profissionais de saúde em todos os níveis, através de programas de educação continuada e atualizações para atenção básica, urgências, assistência hospitalar, assistência especializada;

j) Definir, conforme legislações e interesses regionais, áreas e perímetros de proteção, com indicações proibitivas de pulverização aérea de agrotóxicos.

III – Pelos Municípios:

a) Elaborar, com a participação da sociedade civil, Plano Municipal de Vigilância e Atenção à Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos;

b) Produzir material informativo e educativo sobre a temática, em mídias diversas, para a população em geral;

c) Executar ações de promoção à saúde visando à melhoria da qualidade de vida das populações expostas ou potencialmente expostas a agrotóxicos;

d) Promover e realizar a capacitação de agentes comunitários de saúde para identificar e prevenir intoxicações humanas e contaminações decorrentes dos agrotóxicos.

CAPÍTULO V

DO DIREITO À INFORMAÇÃO SOBRE AGROTÓXICOS

Art. 17. A União deve criar site oficial, de acesso gratuito, com informações toxicológicas, a ser sustentado tecnicamente por uma rede de universidades, incluindo a Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde, a Rede Nacional de Centros de Informação e Assistência Toxicológica (Renaciat), que disponibilizará informações sobre efeitos tóxicos agudos e crônicos dos agrotóxicos.

Art. 18. A União deve criar um banco de dados nacional de infratoras/es das normas regulatórias de agrotóxicos, especialmente no que tange à pulverização aérea, para fins de identificação de reincidentes e de prevenção da sua autorização em licenças ambientais que lhes permitam desenvolver atividades relacionadas com uso e aplicação de agrotóxicos.

CAPÍTULO VI

DO DIREITO À CONSULTA LIVRE, PRÉVIA, INFORMADA E DE BOA-FÉ

Art. 19. A autorização para a pulverização aérea de agrotóxicos e produtos afins dependerá de prévio levantamento aos órgãos estaduais, distritais e federais, como INCRA, FUNAI, Fundação Cultural Palmares, Secretarias de Igualdade Racial, acerca da existência de povos e comunidades tradicionais na área de influência do empreendimento.

§ 1º Em caso de identificação de povos e comunidades tradicionais, deve ser realizada consulta livre, prévia, informada e de boa-fé, nos termos da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, como etapa anterior à autorização da licença ambiental para a pulverização aérea.

§ 2º Nos procedimentos de consulta prévia, livre, informada e de boa-fé, os povos e comunidades tradicionais e suas organizações representativas devem ser comunicados e informados sobre os detalhes das medidas a serem implementadas com linguagem acessível de acordo com as suas especificidades.

§ 3º A consulta livre, prévia, informada e de boa-fé deve ser baseada no autorreconhecimento das comunidades, independentemente da situação da demarcação e/ou titulação das terras e territórios.

§ 4º A República Federativa do Brasil deve respeitar os protocolos autônomos comunitários existentes, como instrumento jurídico válido à realização do direito à consulta prévia, livre, informada e de boa-fé.

CAPÍTULO VII

DA RESPONSABILIZAÇÃO DAS/OS AGENTES VIOLADORAS/ES E DO ACESSO À JUSTIÇA PELAS VÍTIMAS

Art. 20. A responsabilidade pela contaminação ou intoxicação por agrotóxicos é objetiva e solidária em relação às/aos agentes violadoras/es envolvidas/os.

Art. 21. A desigualdade material entre as partes pressupõe a inversão do ônus probatório e a simplificação do nexo de causalidade em casos de contaminação ou intoxicação causadas pela pulverização de agrotóxicos, para proteção e reparação integral das vítimas, em âmbito individual, coletivo ou difuso.

Art. 22. As/Os agentes violadoras/es devem imediatamente e com urgência se responsabilizar em casos de intoxicações ou contaminações por agrotóxicos que causem danos à saúde, à vida e prejuízos financeiros e econômicos decorrentes do dano.

Art. 23. Os órgãos e as instituições públicas responsáveis pelo atendimento à saúde e fiscalização ambiental e agropecuária devem atuar de forma integrada, prioritária e célere para identificar e relatar documentalmente e detalhadamente os danos decorrentes do contato com produtos agrotóxicos e afins.

§ 1º Os documentos produzidos, como laudos técnicos, ambientais, agropecuários e médicos devem ser imediatamente disponibilizados à comunidade ou indivíduo afetado.

§ 2º Os órgãos e as instituições do sistema de justiça, como a Defensoria Pública e o Ministério Público, devem ser notificados pelos órgãos competentes de fiscalização e atendimento, com cópia dos laudos e documentos técnicos produzidos, para que tomem as eventuais medidas administrativas ou judiciais cabíveis para reparação das vítimas e responsabilização dos agentes violadores.

Art. 24. Esta Resolução entra em vigor na data da sua assinatura.

DARCI FRIGO
Presidente do Conselho

ANEXO
(exclusivo para assinantes)

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