Dispõe sobre a realização de operações de derivativos de crédito no País por instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.
O Banco Central do Brasil, na forma do art. 9º da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, torna público que o Conselho Monetário Nacional, em sessão realizada em 20 de abril de 2023, com base no disposto nos arts. 3º, incisos V e VI, e 4º, incisos VI e VIII, da referida Lei, 20, § 1º, da Lei nº 4.864, de 29 de novembro de 1965, 7º e 23, alínea “a”, da Lei nº 6.099, de 12 de setembro de 1974, 1º, § 1º, e 12, inciso III, da Lei Complementar nº 130, de 17 de abril de 2009, 1º do Decreto-Lei nº 70, de 21 de novembro de 1966, 1º, inciso II, da Lei nº 10.194, de 14 de fevereiro de 2001, e 1º, § 2º, da Medida Provisória nº 2.192-70, de 24 de agosto de 2001, resolveu:
CAPÍTULO I
DO OBJETO E DO ÂMBITO DE APLICAÇÃO
Art. 1º Esta Resolução estabelece as modalidades, as condições e os procedimentos para a realização de operações de derivativos de crédito no País por instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica às sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários, às sociedades corretoras de câmbio, às sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários, às administradoras de consórcio e às instituições de pagamento.
CAPÍTULO II
DEFINIÇÕES
Art. 2º Para fins do disposto nesta Resolução, considera-se:
I – derivativo de crédito: instrumento financeiro que apresenta, cumulativamente, as seguintes características:
a) o seu valor de mercado se altera em função da variação do risco de crédito associado a uma ou mais entidades de referência;
b) o risco de crédito da(s) entidade(s) de referência é transferido entre as contrapartes, mediante a contratação de proteção, sem a transferência física ou contábil das respectivas obrigações de referência na data da realização da operação;
c) o investimento líquido inicial é inferior ao valor do contrato; e
d) a liquidação é realizada em data futura;
II – obrigação financeira: obrigação, contratada no Brasil ou no exterior, decorrente de operação de crédito, arrendamento mercantil, garantia fidejussória, instrumento de securitização, derivativo, título público, título de crédito, debênture, ou qualquer outro instrumento, título ou valor mobiliário sujeito a risco de crédito;
III – operação de crédito: empréstimos e financiamentos, adiantamentos, prestação de aval, fiança, coobrigação ou qualquer outra modalidade de garantia pessoal do cumprimento de obrigação financeira de terceiros, disponibilização de limites de crédito e outros compromissos de crédito, créditos contratados com recursos a liberar, depósitos interfinanceiros regulados nos termos do art. 4º, inciso XXXII, da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, e depósitos e aplicações no exterior, nos termos da regulamentação em vigor, em instituições financeiras ou equiparadas a instituições financeiras;
IV – entidade de referência: fundo de investimento ou pessoa jurídica de direito público ou privado, domiciliada no Brasil ou no exterior, emissora, devedora ou garantidora de obrigações financeiras, sobre a qual podem incidir os eventos de crédito em uma operação de derivativo de crédito;
V – obrigação de referência: obrigação financeira da entidade de referência, discriminada no contrato de derivativo de crédito para efeito de:
a) liquidação física da operação de derivativo de crédito;
b) apuração do valor de liquidação financeira e demais pagamentos previstos durante a operação de derivativo de crédito;
c) determinação da ocorrência dos eventos de crédito de que trata o art. 11; ou
d) apuração dos valores e taxas de que tratam as alíneas “a” e “b” do inciso II do art. 3º, no caso de derivativos de crédito na modalidade swap de taxa de retorno total;
VI – contraparte transferidora do risco (ou comprador de proteção): a parte que adquire, por meio de um contrato de derivativo de crédito, o direito de proteção contra o risco de crédito da(s) entidade(s) de referência;
VII – contraparte receptora do risco (ou provedor de proteção): a parte que assume, por meio de um contrato de derivativo de crédito, o risco de crédito da(s) entidade(s) de referência;
VIII – evento de crédito: evento associado à entidade de referência que enseja o exercício, pela contraparte transferidora do risco, da proteção contratada, podendo ou não ocasionar a liquidação antecipada do contrato de derivativo de crédito;
IX – taxa de proteção: valor pago pela contraparte transferidora do risco à contraparte receptora do risco, pela proteção contra o risco de crédito, na forma e periodicidade estabelecidas no contrato; e
X – agente de cálculo: entidade responsável pela apuração dos valores a serem pagos pelas contrapartes ou das obrigações de referência a serem entregues pelo comprador de proteção quando da liquidação da operação de derivativo de crédito.
CAPÍTULO III
DAS MODALIDADES PERMITIDAS
Art. 3º As instituições referidas no art. 1º somente podem realizar as seguintes modalidades de derivativo de crédito:
I – swap de crédito, quando:
a) a contraparte transferidora do risco paga à contraparte receptora do risco a taxa de proteção estabelecida no contrato; e
b) em caso de ocorrência de um ou mais dos eventos de crédito contratualmente previstos, a contraparte receptora do risco paga à contraparte transferidora a proteção contratada, podendo ocasionar, conforme acordado, a liquidação antecipada parcial ou total do contrato; e
II – swap de taxa de retorno total, quando:
a) a contraparte transferidora do risco transfere à contraparte receptora do risco os valores associados ao fluxo de recebimento de encargos e/ou contraprestações relativos à obrigação de referência, além da variação positiva em seu valor de mercado, em datas contratualmente estabelecidas;
b) a contraparte receptora do risco paga à contraparte transferidora do risco uma parcela de juros baseada em taxa (fixa ou variável) contratualmente estabelecida, além de eventual variação negativa no valor de mercado da obrigação de referência; e
c) em caso de ocorrência de um ou mais dos eventos de créditos contratualmente previstos, poderá ocorrer a liquidação antecipada do contrato, com os pagamentos devidos pelas contrapartes dos valores e taxas de que tratam as alíneas “a” e “b” deste inciso.
Parágrafo único. A contratação, pelas instituições referidas no art. 1º, de outras espécies de derivativos referenciadas nas modalidades de derivativos de crédito descritas no caput deve observar as condições previstas no Capítulo IV desta Resolução.
CAPÍTULO IV
DAS CONDIÇÕES PARA REALIZAÇÃO DAS OPERAÇÕES
Art. 4º Entre as instituições referidas no art. 1º, podem atuar como contraparte receptora do risco:
I – os bancos múltiplos;
II – os bancos comerciais;
III – os bancos de desenvolvimento;
IV – o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);
V – a Caixa Econômica Federal;
VI – os bancos de investimento;
VII – as sociedades de crédito, financiamento e investimento; e
VIII – as sociedades de arrendamento mercantil.
Parágrafo único. As obrigações de referência das operações de derivativo de crédito nas quais as instituições de que trata o caput atuem como contraparte receptora do risco devem ser da mesma natureza das operações permitidas em seu objeto social.
Art. 5º Nas operações de derivativos de crédito, as instituições referidas no art. 1º somente poderão ter como contrapartes receptoras do risco:
I – as instituições referidas no art. 4º; ou
II – as entidades não autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil que atendam aos requisitos de investidor profissional, nos termos definidos em normas da Comissão de Valores Mobiliários.
Art. 6º É facultada às instituições referidas no art. 1º a contratação de derivativo de crédito com contraparte considerada parte relacionada, conforme definida no § 3º do art. 34 da Lei nº 4.595, de 1964, inclusive integrante do mesmo conglomerado prudencial, desde que:
I – em condições compatíveis com as de mercado, sem benefícios adicionais ou diferenciados comparativamente às operações contratadas com as demais contrapartes de mesmo perfil de risco; e
II – observadas, quando for o caso, as normas específicas que disciplinam a contratação de operações entre instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil e pessoas jurídicas localizadas no exterior.
Art. 7º No caso de atuarem como contraparte transferidora do risco em operação de derivativo de crédito que tenha como obrigação de referência operação de crédito ou de arrendamento mercantil, as instituições referidas no art. 1º devem observar as seguintes condições:
I – manter registros à disposição do Banco Central do Brasil que comprovem a detenção do risco de crédito das obrigações de referência no momento da contratação da operação de derivativo de crédito;
II – disponibilizar à contraparte receptora do risco os dados por ela solicitados, necessários à estimativa do risco de crédito da obrigação de referência;
III – registrar as operações utilizadas como obrigação de referência em sistema de registro de entidade registradora autorizada pelo Banco Central do Brasil; e
IV – manter em carteira as obrigações de referência mencionadas no caput durante o prazo de vigência do contrato de derivativo de crédito a elas associado, sendo vedada nesse período qualquer forma de transferência, direta ou indireta, dessas operações ou dos respectivos riscos e benefícios a terceiros.
Art. 8º É vedada a contratação, pelas instituições referidas no art. 1º, de operação de derivativo de crédito referenciada no risco de crédito de:
I – uma das contrapartes; ou
II – uma entidade considerada parte relacionada, conforme definida no § 3º do art. 34 da Lei nº 4.595, de 1964, ou integrante do mesmo conglomerado prudencial de uma das contrapartes.
Art. 9º O risco de crédito das entidades de referência e o valor das obrigações de referência devem ser suficientemente mensuráveis, de forma a permitir sua avaliação a valor de mercado mediante utilização de:
I – preços ou cotações divulgadas publicamente por:
a) bolsas de valores, bolsas de mercadorias e futuros ou mercados de balcão organizado;b) entidades administradoras de sistemas de compensação, liquidação, registro ou depósito centralizado de ativos autorizadas pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliários;
c) reguladores ou entidades autorreguladoras; ou
d) plataformas de negociação ou provedores de informação independentes de ampla utilização no mercado financeiro; ou
II – modelos de apreçamento baseados em dados e metodologias consistentes e passíveis de verificação.
Parágrafo único. Admite-se a utilização de obrigações financeiras ou índices divulgados ou negociados no exterior, desde que atendam ao disposto nos incisos I ou II do caput, no âmbito de sua jurisdição.
CAPÍTULO V
DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS, DOS EVENTOS DE CRÉDITO E DO REGISTRO
Art. 10. O contrato de derivativo de crédito deve conter, de forma inequívoca:I – a especificação da(s) entidade(s) de referência;
II – a especificação da(s) obrigações(s) de referência, quando couber, para as finalidades descritas nas alíneas de “a” a “d” do inciso V do art. 2º;
III – o valor ou critérios de apuração e a(s) data(s) ou periodicidade dos pagamentos devidos pelas contrapartes descritos nos incisos I e II do art. 3º;
IV – os eventos de crédito cobertos pelo contrato e o(s) responsável(eis) pela determinação de sua ocorrência;
V – as condições que ensejam a liquidação total ou parcial do contrato;
VI – a identificação do(s) agente(s) de cálculo; e
VII – a autorização de ambas as contrapartes para sua identificação no registro do contrato perante a entidade registradora, conforme disposto no art. 12.
Parágrafo único. Para efeito do disposto nos incisos I e II do caput, é facultada a especificação de índices de crédito, índices de ativos, cestas ou carteiras de referência, cujas entidades e obrigações financeiras passam a ser, respectivamente, as entidades e obrigações de referência da operação de derivativo de crédito.
Art. 11. Admite-se, na contratação de operações derivativos de crédito pelas instituições referidas no art. 1º, os seguintes tipos de evento de crédito, relacionados à(s) entidade(s) de referência:
I – falha de pagamento (failure to pay): não pagamento de quantia devida pela(s) entidade(s) nos termos pactuados, em alguma de suas obrigações, que implique a declaração de descumprimento da(s) obrigação(ões) de referência para determinação de evento de crédito, ressalvados eventuais períodos ou valores de atraso inferiores ao requerido para caracterizar o descumprimento;
II – falência ou similar (bankruptcy): reconhecimento oficial de situação que implique a suspensão temporária ou permanente do pagamento de obrigações da(s) entidade(s), tais como:
a) moratória;
b) decretação de falência ou insolvência civil;
c) recuperação judicial ou extrajudicial;
d) intervenção ou liquidação extrajudicial; ou
e) reconhecimento de estado de insolvência;
III – reestruturação (restructuring): renegociação nos termos de obrigações da(s) entidade(s), resultante de deterioração em sua qualidade creditícia ou condição financeira, que implique perdas significativas para os credores, decorrentes de alterações que não seriam concedidas caso não ocorresse tal deterioração, tais como:
a) redução na taxa de juros;
b) redução no principal ou cupom;
c) adiamento ou alongamento do prazo;
d) mudança na ordem de prioridade de pagamentos; ou
e) mudança na moeda ou composição de pagamento do principal ou juros.
Parágrafo único. É facultado às contrapartes atribuir a um terceiro independente a determinação da ocorrência de evento de crédito coberto pelo derivativo de crédito, desde que previamente especificado no contrato, conforme dispõe o inciso IV do art. 10.
Art. 12. As operações de derivativos de crédito de que trata esta Resolução devem ser registradas em sistemas de registro de entidades autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários a exercer o serviço de registro de valores mobiliários.
CAPÍTULO VI
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 13. As instituições referidas no art. 1º devem manter à disposição do Banco Central do Brasil a documentação necessária para a verificação do cumprimento do disposto nos Capítulos IV e V desta Resolução, pelo prazo mínimo de cinco anos, contados a partir da data de ocorrência do fato que enseja a documentação.
Art. 14. O Banco Central do Brasil adotará, no âmbito de suas atribuições legais, as medidas necessárias à execução do disposto nesta Resolução.
Art. 15. Fica revogada a Resolução nº 2.933, de 28 de fevereiro de 2002.
Art. 16. Esta Resolução entra em vigor em 1º de junho de 2023.
OTÁVIO RIBEIRO DAMASO
Presidente do Banco Central do Brasil
Substituto