Qual o posicionamento dos tribunais frente às mensalidades das instituição de ensino durante a pandemia

Milena Cintra de Souza – Advogada Cível e Consumidor. Especialista em Direito Público.

 

Conforme fato público e notório, a necessidade do isolamento social implicou no fechamento das instituições de ensino como um todo, com a implantação das aulas na modalidade EAD, o que provoca discussão sobre manutenção do pagamento integral das mensalidades.

Certamente um dos pontos mais polêmicos é sobre a qualidade do ensino à distância e a manutenção do preço das mensalidades, sendo variados os entendimentos dos magistrados nos Tribunais de todo o país.

Por um lado, a alegação de que as aulas contratadas presenciais passaram a ser disponibilizadas online, a transferência aos pais da responsabilidade pela disciplina dos filhos no acompanhamento das aulas, exigindo-se menos dos professores e mais da família e, ainda, o fechamento de escolas e universidades que teria reduzido os custos fixos destas.

Em outro ângulo, argumenta-se o orçamento anual das instituições que abrange custos fixos que são indispensáveis à sua finalidade precípua, inclusive, custos com investimento em tecnologias e nos aparatos necessários à realização de transmissões online. Aponta-se, ainda, que a pandemia do Covid-19 é um evento de força maior que excluiria culpa das instituições em caso de eventual reconhecimento de queda da qualidade do ensino.

No âmbito dos Juizados do estado de São Paulo, cumpre destacar os argumentos do juiz Fernando Antônio de Lima (Vara do Juizado Especial Cível e Criminal de Jales -SP) que concedeu liminar para reduzir em 50% a mensalidade de um estudante de medicina até a retomada das aulas presenciais.

Segundo o magistrado, o aluno estaria em posição de inferioridade econômica em relação à universidade e, baseado no princípio da igualdade substancial ou material, entendeu que estavam presentes os requisitos para a revisão contratual no direito do consumidor: a epidemia do coronavírus seria o fato superveniente e a onerosidade excessiva do consumidor caracterizada pelo fato de que, no curso de medicina, grande parte das aulas são práticas e caso fosse mantida mensalidade integral, o consumidor pagaria pelos serviços totais e receberia apenas pequena parte dos serviços prestados pela universidade.

No Rio de Janeiro, estudantes de medicina da Fundação Técnico Educacional Souza Marques conseguiram a redução de 50% da mensalidade diante da suspensão das aulas presenciais devido a pandemia do novo coronavírus. A Justiça decidiu, em uma das ações, pela redução das mensalidades de dois estudantes, que estão no 5º e no 6º ano do curso.

Na decisão, o juiz da 37ª Vara Cível Sandro Pitassi reconheceu que a pandemia do novo vírus fez com que as instituições tivessem que migrar para a educação remota, mas ressaltou que os estudantes em questão se encontravam no 5º e 6º anos do curso de medicina, cuja grade curricular dos respectivos períodos apresenta acentuada carga horária de natureza prática, fato que inviabiliza a continuidade normal do aprendizado através da internet.

Na Justiça Comum e nos Juizados de Defesa do Consumidor na Bahia as decisões são as mais variadas, todas em sede liminar assim como nos outros estados, tendo vista o tema novo e a distribuição recente das ações, ainda sem julgamento final. A partir da análise do caso concreto, há grande parte de liminares deferidas para redução de trinta a cinquenta por cento das mensalidades escolares/universitárias até quando perdurar a substituição das aulas presenciais, podendo se observar também indeferimento do pleito dos estudantes ao se considerar a pandemia como um evento extraordinário que atinge todas as partes, sem vantagem extrema para as empresas que autorizasse redução do custo mensal ao aluno.

Na Capital, entre outros, pode-se citar o caso das escolas Gurilândia e Land School (seguimento da Gurilândia para alunos a partir do sexto ano do Ensino Fundamental II) diante das quais o Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) determinou a concessão de um desconto maior durante a pandemia de coronavírus. Segundo o juiz Roberto José Lima Costa, o valor oferecido de 10% e 15% de desconto foi considerado irrisório. Conforme o magistrado, o reajuste mínimo deve ser de 50% para todos os alunos do ensino infantil na Gurilândia, e 30% para os matriculados no Fundamental I e II matriculados da Land School.

Vale pontuar que a partir da ação proposta pelo Ministério Público da Bahia, foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)com 46 escolas particulares de Salvador, para readequação dos contratos educacionais durante a pandemia da Covid-19 ( lista completa escolas aderentes ao acordo no sítio eletrônico do órgão ministerial:https://www.mpba.mp.br/noticia/51701).

Com o TAC assinado, o MP-BA explicou que a partir da parcela com vencimento no mês de junho até a parcela com vencimento no mês de retorno das aulas, haverá um desconto no percentual mínimo de 30% na Educação Infantil, na Pré-Escola (aluno de quatro e cinco anos de idade) e creche (até três anos).Já as unidades educacionais de Ensino Fundamental I darão um percentual mínimo de desconto de 25% e as escolas de Ensino Fundamental II e Ensino Médio darão um desconto de 20%, tudo desde que fique comprovado que a instituição ministra aulas não presenciais e envia material didático aos alunos.

No âmbito das universidades, O MP baiano solicitou a Justiça que determine às faculdades (Santo Agostinho, Batista Brasileira- FBB, Pitágoras, São Salvador, Olga Mettig, Unifacs, FTC, Estácio FIB, Jorge Amado; as universidades Pitágoras Unopar, Ucsal e os centros universitários Maurício de Nassau de Salvador- Uninassau, Ruy Barbosa, Dom Pedro II e Centro Universitário de Salvador -Uniceusa), em decisão liminar, a redução em 30% do valor das mensalidades de todos os cursos de graduação e pós-graduação, independentemente se eram presenciais ou EAD (à distância), não havendo ainda notícias de decisão de urgência até o momento.

O fato é que o tema se encontra evidentemente abrangido pelo Código de Defesa do Consumidor e, uma vez presentes a supervivência da situação da pandemia e a onerosidade excessiva, cabe a análise pontual para fins de revisão do contrato da instituição de ensino envolvida, considerando-se as peculiaridades de cada caso concreto que se não resolvido na via administrativa, vale a tentativa de solução junto ao Poder Judiciário.

 

 

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