A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o possuidor tem direito à passagem forçada na hipótese de imóvel encravado, nos termos do artigo 1.285 do Código Civil (CC). Segundo o colegiado, a existência da posse sem a possibilidade concreta de usar da coisa em razão do encravamento significaria retirar do imóvel todo seu valor e sua utilidade.
No caso dos autos, uma moradora de Foz do Iguaçu (PR) pediu uma tutela de urgência em caráter antecedente para a desobstrução de uma estrada, a fim de ter acesso ao imóvel do qual era possuidora. O juiz determinou que a empresa proprietária do terreno vizinho realizasse a imediata desobstrução, sob pena de multa diária de mil reais, limitada ao valor total de R$ 100 mil.
A ação de passagem formada foi ajuizada, mas a sentença extinguiu o processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de que a autora não teria legitimidade ativa por não ser proprietária do bem, mas tão somente possuidora. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) deu provimento à apelação da autora, o que motivou a interposição de recurso especial por parte da empresa.
Instituto se encontra mais vinculado ao imóvel encravado do que ao seu titular
A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, observou que, entre os direitos de vizinhança, insere-se o direito à passagem forçada, segundo o qual o dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário. A relatora acrescentou que tal instituto encontra fundamento nos princípios da solidariedade social e da função socioeconômica da propriedade e da posse.
Nancy Andrighi afirmou que, quanto à titularidade ativa do direito, uma interpretação apenas literal do artigo 1.285 do CC poderia conduzir à conclusão de que somente o proprietário teria direito à passagem forçada. Contudo, segundo a ministra, o instituto se encontra vinculado muito mais ao imóvel encravado do que propriamente ao seu titular, ou seja, almeja-se a manutenção do valor e da utilidade socioeconômica da própria coisa.
“Muito embora a propriedade e a posse não se confundam, ambas garantem ao seu titular a possibilidade de usar e fruir da coisa e são essas prerrogativas comuns que, exercidas dentro dos parâmetros legais e constitucionais, garantem o respeito ao princípio da função social, que é o fundamento do direito à passagem forçada”, declarou.
A relatora destacou que de nada valeria a condição de possuidor de imóvel encravado se a ele não fosse também atribuído o direito à passagem forçada quando necessário, pois, caso contrário, seria possuidor de imóvel destituído de qualquer valor, utilidade e função, o que violaria o princípio da função social.
Vizinho que recusa passagem ao possuidor do imóvel encravado, exerce seu direito de maneira não razoável
A ministra ressaltou, também, que negar o direito à passagem forçada ao possuidor significaria autorizar, pelo vizinho do imóvel encravado, o uso anormal da propriedade, segundo o qual o indivíduo perturba a saúde, a segurança e o sossego daqueles que possuem propriedade vizinha.
“O vizinho que recusa passagem ao possuidor do imóvel encravado exerce seu direito de maneira não razoável, em desacordo com o interesse social e em prejuízo da convivência harmônica em comunidade, o que configura não apenas uso anormal da propriedade mas também ofensa à sua função social, situação que não merece a tutela do ordenamento jurídico”, concluiu a relatora.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):
REsp 2029511
STJ