Dispõe sobre a concessão e os procedimentos de autorização de residência à pessoa que tenha sido vítima de tráfico de pessoas, de trabalho escravo ou de violação de direito agravada por sua condição migratória.
OS MINISTROS DE ESTADO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA E DO TRABALHO E EMPREGO, no uso das atribuições que lhes conferem os incisos I e II do parágrafo único do art. 87 da Constituição, os art. 35 e art. 46 da Lei nº 14.600, de 19 de junho de 2023, o Decreto nº 11.348, de 1º de janeiro de 2023, o Decreto nº 11.799, de 13 de novembro de 2023, tendo em vista o disposto nos incisos II e VI do art. 2º da Lei nº 13.344, de 6 de outubro de 2016, na alínea “g” do inciso II do art. 30 da Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, e no § 2º do art. 158 do Decreto nº 9.199, de 20 de novembro de 2017, e o que consta do Processo Administrativo nº 08001.000453/2022-51, resolvem:
Art. 1º Dispor sobre a concessão de autorização de residência para migrantes que tenham sido vítimas de tráfico de pessoas, de trabalho escravo ou de violação de direito agravada por sua condição migratória.
Parágrafo único. O requerimento de autorização de residência disciplinada nesta Portaria poderá ser apresentado em qualquer unidade da Polícia Federal.
Art. 2º Caberá à Polícia Federal avaliar e decidir o requerimento.
Parágrafo único. A decisão deverá levar em conta a apresentação dos documentos mencionados no art. 5º desta Portaria.
Art. 3º Para os fins desta Portaria, consideram-se vítimas de:
I – tráfico de pessoas: o imigrante agenciado, aliciado, recrutado, transportado, transferido, comprado, alojado ou acolhido, mediante ameaça, uso da força, outras formas de coação, violência, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade ou da situação de vulnerabilidade, entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra, com a finalidade de:
a) remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;
b) submetê-lo a trabalho em condições análogas à de escravo;
c) submetê-lo a qualquer tipo de servidão;
d) adoção ilegal; ou
e) exploração sexual;
II – trabalho escravo: o imigrante reduzido à condição análoga a de escravo mediante submissão, de forma isolada ou conjuntamente, a:
a) trabalho forçado;
b) jornada exaustiva;
c) condição degradante de trabalho;
d) restrição, por qualquer meio, de locomoção em razão de dívida contraída com empregador ou preposto, no momento da contratação ou no curso do contrato de trabalho; ou
e) retenção no local de trabalho em razão de cerceamento do uso de qualquer meio de transporte, manutenção de vigilância ostensiva ou apoderamento de documentos, ou objetos pessoais; e
III – violação de direito agravada por sua condição migratória: imigrante que tenha sido vítima de crime considerado grave violação de direitos humanos por instrumentos internacionais do qual o Brasil seja signatário, em especial a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, sem prejuízo de outros que tratem da mesma matéria.
Parágrafo único. São extensivos os efeitos desta Portaria à vítima indireta das hipóteses previstas neste artigo, assim considerada nos termos do art. 37 da Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017.
Art. 4º A autorização de residência fundada nesta Portaria poderá ser requerida, com a anuência do imigrante, pelas seguintes autoridades públicas:
I – membro de Ministério Público;
II – Defensor Público;
III – Auditor Fiscal do Trabalho;
IV – membro do Poder Judiciário; e
V – Delegado de Polícia.
Art. 5º O requerimento de autorização de residência deverá ser instruído com os seguintes documentos:
I – formulário contendo dados de:
a) identificação;
b) filiação;
c) local e data de nascimento;
d) nacionalidade; e
e) indicação de endereço e demais meios de contato;
II – passaporte ou outro documento oficial com foto, expedido por qualquer país, que comprove a identidade e a nacionalidade, ainda que a data de validade esteja expirada;
III – certidão de nascimento ou de casamento, ou certidão consular, desde que não conste a filiação nos documentos de que trata o inciso II do caput;
IV – declaração do imigrante, sob as penas da lei, de ausência de antecedentes criminais no Brasil e no exterior, nos últimos cinco anos anteriores à data de requerimento de autorização de residência;
V – cópia de inquérito policial, relatório de ação fiscal, parecer técnico, denúncia em ação penal, dentre outros documentos emitidos pelas autoridades elencadas no art. 4º, contendo informações suficientes para caracterização da situação do imigrante como vítima de alguma das condutas definidas no art. 3º; e
VI – declaração de anuência do beneficiário da autorização de residência.
Parágrafo único. Os pedidos encaminhados com base nesta Portaria terão prioridade no atendimento e trâmite em razão das necessidades próprias das vítimas de algumas das condutas definidas no art. 3º e das circunstâncias em que se encontram.
Art. 6º As certidões de nascimento e de casamento a que se refere o inciso IV do caput do art. 5º poderão ser:
I – aceitas independentemente de:
a) legalização, desde que acompanhadas por declaração do imigrante, sob as penas de lei, a respeito da autenticidade do documento; e
b) tradução juramentada, em casos excepcionais devidamente motivados.
II – dispensadas, quando o imigrante estiver impossibilitado de apresentar os documentos de que trata o caput, situação em que os dados de filiação serão autodeclarados pelo requerente, sob as penas da lei.
§ 1º Na hipótese da alínea “b” do inciso I do caput, fica autorizado o recebimento de tradução livre realizada pelo próprio beneficiário ou por intermédio das autoridades públicas listadas no art. 4º.
§ 2º Quando se tratar de imigrante menor de dezoito anos caracterizado como desacompanhado, separado ou indocumentado, o requerimento deverá incluir a análise de proteção estabelecida pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – Conanda.
Art. 7º Na hipótese de necessidade de retificação ou de complementação dos documentos apresentados, a Polícia Federal notificará o imigrante e a autoridade requerente para a adoção de providências, no prazo de trinta dias, com possibilidade de prorrogação, sob pena de extinção do processo, comunicando tal situação à autoridade requerente.
Art. 8º Em caso de apresentação de requerimento acompanhado de todos os documentos necessários estabelecidos nesta Portaria, serão coletados os dados biométricos, procedendo-se ao registro, em caráter prioritário, e à emissão de Carteira de Registro Nacional Migratório.
§ 1º A autorização de residência de que trata esta Portaria será concedida por prazo indeterminado, nos termos do § 1º do art. 158 do Decreto nº 9.199, de 20 de novembro de 2017.
§ 2º Feito o registro na Polícia Federal, o imigrante receberá protocolo, que será utilizado como documento de identificação e lhe garantirá o acesso aos direitos disciplinados na Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, até que se emita a Carteira de Registro Nacional Migratório.
§ 3º O não comparecimento do imigrante para a coleta dos dados biométricos, no prazo de trinta dias, acarretará a extinção do processo, comunicando-se à autoridade requerente.
Art. 9º Caberá recurso da decisão que negar a autorização de residência, no prazo de dez dias, contados da data de ciência do imigrante, nos termos do art. 134 do Decreto nº 9.199, de 20 de novembro de 2017.
Parágrafo único. O recurso será dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não a reconsiderar no prazo de cinco dias, o encaminhará à autoridade superior.
Art. 10. É garantida ao imigrante de que trata esta Portaria:
I – a possibilidade de livre exercício de atividade laboral no Brasil, nos termos da legislação vigente;
II – a isenção de taxas e multas para obtenção de autorização de residência e obtenção de documento para regularização migratória, nos termos do § 3º do art. 133 da Lei nº 13.445, de 2017, e do § 5º do art. 312 do Decreto nº 9.199, de 2017; e
III – o direito à reunião familiar, nos termos do art. 37 da Lei nº 13.445, de 2017, devendo ser assegurado que a solicitação de autorização de residência para fins de reunião familiar ocorra concomitantemente à solicitação de autorização de residência do familiar chamante com a mesma flexibilidade documental.
Art. 11. A obtenção da autorização de residência prevista nesta Portaria implica:
I – desistência de solicitação de reconhecimento da condição de refugiado; ou
II – renúncia à condição de refugiado, nos termos do inciso I do art. 39 da Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997.
Art. 12. Constatada, a qualquer tempo, a omissão de informação relevante ou declaração falsa no procedimento desta Portaria Interministerial, será instaurado processo de cancelamento da autorização de residência, conforme previsto no art. 136 do Decreto nº 9.199, de 2017, sem prejuízo de outras medidas de responsabilização civil e penal prevista em lei.
Art. 13. Aplica-se o art. 29 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, na instrução dos pedidos de que trata esta Portaria.
Art. 14. Fica revogada a Portaria MJSP nº 87, de 23 de março de 2020.
Art. 15. Esta Portaria entra em vigor no dia 17 de abril de 2024.
RICARDO LEWANDOWSKI
Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública
LUIZ MARINHO
Ministro de Estado do Trabalho e Emprego