Por maioria de votos, a Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10) manteve sentença que reconheceu o vínculo de emprego entre um motorista e a Uber do Brasil Tecnologia Ltda. Para o desembargador Mário Macedo Fernandes Caron, relator do recurso julgado, o caso não deve ser analisado sob o prisma dos moldes tradicionais das relações de emprego, pois o campo de atuação dos aplicativos caracteriza uma nova forma de organização e trabalho, com alta sofisticação tecnológica.
O motorista acionou o Judiciário para pedir o reconhecimento da relação de emprego com a Uber, por entender demonstrada a existência dos requisitos caracterizadores de vínculo laboral. O magistrado de primeiro grau reconheceu a relação de emprego entre as partes, deferindo parcialmente os pedidos iniciais.
A Uber, então, recorreu ao TRT-10, insistindo na inexistência de vínculo empregatício. Afirmou, no recurso, que a plataforma não contrata a prestação de serviços dos motoristas-parceiros. Segundo a empresa, são os motoristas que, com o objetivo de maximizar os seus ganhos, contratam os serviços de intermediação da Uber.
O desembargador Mário Caron embasou seu voto nos fundamentos adotados pelo juiz de primeiro grau. Nesse sentido, lembrou inicialmente que não existe relação jurídica direta em o motorista e o passageiro. As relações, de acordo com o relator, são estabelecidas entre a empresa e o motorista e, também, entre a empresa e o passageiro. Assim, no seu entendimento, é possível concluir que a empresa reclamada não é plataforma tecnológica a serviço de motoristas parceiros que desejem dela se utilizar para empreender – apesar de assim se autoidentificar.
Se bem observados os pressupostos do modelo empresarial e as circunstâncias de como são realizadas as viagens, prosseguiu o desembargador Mário Caron citando a sentença de primeiro grau, a partir das provas destes autos e de tantos outros que tratam da mesma matéria, a Uber é, efetivamente, “empresa prestadora de serviço de transporte à coletividade de consumidores, utilizando-se, para tanto, da força de trabalho de motoristas que aderem às condições por ela impostas”. os motoristas não são clientes ou – muito menos – parceiros da reclamada, mas sim trabalhadores em seu proveito.
Assim, diz o magistrado, resta saber se o motorista, no caso, é um trabalhador autônomo ou um empregado. Para isso, é preciso verificar se estão presentes os requisitos do vínculo de emprego, que são a pessoalidade, a onerosidade, a não eventualidade e a subordinação jurídica. No caso, o magistrado salientou que o trabalho dos motoristas vinculados à reclamada é realizado pessoalmente, mediante recebimento de percentual do montante cobrado pelas corridas e com frequência que afasta a eventualidade dos serviços.
Por fim, quanto à subordinação jurídica, o magistrado salientou que as corridas são oferecidas pela plataforma – que premia motoristas que não recusam viagens, e que a precificação da corrida também está a cargo do aplicativo. “Não é possível considerar como autônomo aquele que não tem autonomia para definir a quem presta o serviço, nem para estabelecer qual preço deve ser cobrado pela tarefa”.
Para o magistrado de primeiro grau, ao aderirem às condições de operação da plataforma, os motoristas “passam a se inserir em sua lógica produtiva, subordinando-se estruturalmente ao empresarial, modus operandi de sorte que o trabalho prestado pelos obreiros é efetivamente a força motriz da atividade econômica desempenhada pela empresa”.
A implantação de novas modalidades de gestão empresarial, principalmente as que são importadas de outras experiências internacionais, não pode desconsiderar o processo de regulação do trabalho, a rede normativa aplicável às relações laborais e a sua centralidade para manutenção de uma comunidade que se pretende substancialmente democrática e garantidora de direitos fundamentais.
Por fim, o juiz apontou que o fato de as partes não terem ajustado o vínculo empregatício não é capaz de afastar sua existência, uma vez que o contrato de trabalho é o acordo que vontades que corresponde à relação de emprego. Assim sendo, presentes os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, deve ser reconhecido o vínculo, concluiu o magistrado de primeiro grau ao reconhecer o vínculo empregatício entre o motorista e a Uber.
Alta sofisticação tecnológica
O desembargador Mário Caron ressalta, ainda, que a subordinação, no caso, não deve ser analisada nos moldes das relações de emprego tradicionais, pois o campo de atuação da empresa caracteriza uma nova forma de organização e trabalho. “Tendo em vista a peculiaridade e a particularidade da relação experimentada pelo motorista de aplicativo e a respectiva plataforma deve sofrer a necessária releitura para atualizá-la conforme o momento, de alta sofisticação tecnológica”.
Com esses argumentos, e citando decisões no mesmo sentido de outros países, que consideram motoristas de aplicativos como empregados das plataformas, o relator votou pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença de primeiro grau, que reconheceu o vínculo de emprego.
Processo n. 0000006-56.2022.5.10.0802
TRT10