O Abono de Permanência e o Servidor Cedido

Bruno Sá Freire Martins, servidor público efetivo do Instituto de Previdência do Estado de Mato Grosso – MTPREV; advogado; consultor jurídico da ANEPREM, da APEPREV, da APPEAL e da ANORPREV; pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; professor de pós-graduação; Coordenador do MBA em Regime Próprio do ICDS – Instituto Connect de Direito Social; membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Prática Previdenciária da Paixão Editores; escreve todas as terças-feiras para a Coluna Previdência do Servidor no Jornal Jurid Digital (ISSN 1980-4288 – www.jornaljurid.com.br/colunas/previdencia-do-servidor) e para o site fococidade.com.br, autor dos livros DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, A PENSÃO POR MORTE, REGIME PRÓPRIO – IMPACTOS DA MP n.º 664/14 ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS e MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO, todos da editora LTr, do livro A NOVA PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS (editora Alteridade) e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.

Resumo: O presente artigo tem por objetivo discutir a possibilidade de concessão de abono de permanência a servidores cedidos que preenchem os requisitos para a concessão da gratificação, abordando, para tanto, aspectos relacionados aos efeitos da cessão e suas consequências quanto à aquisição de direitos e à filiação previdenciária.

Summary: The purpose of this article is to discuss the possibility of granting a permanence bonus to seconded employees who meet the requirements for granting the bonus, addressing, to this end, aspects related to the effects of the assignment and its consequences regarding the acquisition of rights and membership. pension.

Palavras Chaves: CESSÃO – ABONO DE PERMANÊNCIA – DIREITO

Abstract: ASSIGNMENT – PERMANENCE ALLOWANCE – LAW

1 – Introdução
Os servidores públicos ao longo de sua vida laboral, em diversas vezes, exercem suas atividades em órgãos, Poderes ou mesmo Entes Federados diferentes daquele onde o cargo efetivo que ocupam está vinculado, fato jurídico que pode se dar em caráter definitivo ou temporário por intermédio da requisição, da remoção ou mesmo da cessão.

E, durante o lapso temporal em que o servidor encontra-se exercendo suas atribuições em local diverso daquele em que ingressou no serviço público, é muito comum que requeira a concessão de algum direito que foi adquirido antes da concretização da modificação de seu local de trabalho ou mesmo que busque a concessão de direitos cuja concretização se deu já no exercício em outro local.

Dentre esses direitos está a possibilidade de aposentar-se voluntariamente, o que enseja a dúvida acerca do reconhecimento deste ao Abono de Permanência uma vez que este pressupõe o preenchimento dos requisitos para a inativação e o intento em continuar em atividade.

Situação que merece um aprofundamento acerca da plausibilidade de concessão do Abono de Permanência durante o período em que o servidor se encontra cedido, ante a sua transitoriedade e a manutenção da filiação junto ao Regime Próprio original daquele que se encontra cedido.

2 – O Abono de Permanência
O Abono de Permanência foi instituído por intermédio da Emenda Constitucional n.º 41/03 com o objetivo de substituir a isenção da contribuição previdenciária, constituindo-se em gratificação cujo valor correspondia à contribuição paga pelo servidor.

Após o advento da reforma previdenciária de 2019, o regramento acerca do valor foi alterado, passando a constar no § 19 do artigo 40 da Carta Magna que este corresponderá, no máximo, ao valor pago pelo servidor, a título de contribuição previdenciária, a seu Regime Próprio.

Sua concessão tem como principal pressuposto o preenchimento dos requisitos necessários à inativação aliado ao intento do servidor de permanecer na ativa, ou seja, uma vez preenchidos os requisitos para inativação e havendo intento de continuar na ativa, o servidor faz jus à gratificação.

É bem verdade que, em razão da modificação levada a efeito pela Emenda Constitucional n.º 103/19, também, foi possibilitado aos Entes Federados o estabelecimento de outros requisitos.

Assim, naqueles Regimes Próprios onde essa faculdade foi exercida, também devem ser preenchidas as exigências locais para a concessão do Abono.

3 – A Cessão
Já a cessão consiste no autorizo para que o servidor que integra os quadros de determinado órgão ou entidade possa exercer as suas atribuições junto a outro órgão ou entidade do mesmo Poder ou, mesmo, em Poder ou Ente Federado distinto daquele a que seu cargo estiver diretamente vinculado.

Estando, as hipóteses em que sua concessão pode ocorrer definida, em regra, nos Estatutos dos respectivos Entes Federados, havendo ainda previsão legal acerca da responsabilidade quanto ao pagamento da remuneração do servidor cedido.

Isso porque, a cessão pode se dar tanto com ônus para o órgão de origem do servidor, quanto para o cessionário (aquele que contará com o desempenho do servidor).

Acerca do instituto CARVALHO FILHO afirma que é o fato funcional por meio do qual determinada pessoa administrativa ou órgão público cede, sempre em caráter temporário, servidor integrante de seu quadro para atuar em outra pessoa ou órgão, com o objetivo de cooperação entre as administrações e de exercício funcional integrado das atividades administrativas. Trata-se, na verdade, de empréstimo temporário do servidor, numa forma de parceria entre as esferas governamentais. Avulta notar, porém, que tal ajuste decorre do poder discricionário de ambos os órgãos e do interesse que tenham na cessão; sendo assim, não há falar em direito subjetivo do servidor à cessão.

Portanto, durante a cessão, o servidor não perde seu vínculo com o Ente ou órgão de origem, sendo esse, inclusive o entendimento da jurisprudência, senão vejamos:

EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO – SERVIDOR MUNICIPAL – CESSÃO A OUTRO ÓRGÃO PÚBLICO – ROMPIMENTO DO VÍNCULO FUNCIONAL – AUSÊNCIA – TEMPO DE SERVIÇO – CÔMPUTO – QUINQUÊNIO – DEVIDO – MANDADO DE SEGURANÇA – PRETENSÃO DE COBRANÇA – VEDAÇÃO.
– A cessão não rompe o vínculo estatutário ao qual se encontra submetido o servidor cedido. É dizer, o servidor cedido não é excluído do quadro dos servidores do respectivo órgão cedente ao qual estava originalmente vinculado, este apenas cede temporariamente o servidor a outro órgão público, sem que haja rompimento ou desnaturação do vínculo funcional do servidor.
– Mostra-se ilegal a negativa de vantagem garantida em lei e regulamente adquirida pelo servidor, porquanto o afastamento decorre de cessão para exercício em outro órgão, em razão de convênio celebrado pelo Município com o Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Minas Gerais, devendo ser considerado expressamente como se em efetivo exercício estivesse o servidor para fins de aquisição de adicional por tempo de serviço.
– A via estreita do mandado de segurança não pode ser utilizada como substituto de ação de cobrança. (TJMG – Reexame Necessário-Cv 1.0388.14.000619-7/001, Relator(a): Des.(a) Rodrigues Pereira (JD Convocado) , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/02/2016, publicação da súmula em 22/02/2016)

4 – A Filiação Previdenciária durante a Cessão
Além disso, a cessão se constitui em instituto de natureza temporária e como tal enseja a manutenção da relação jurídica existente entre o servidor e o seu respectivo Ente Federado, razão pela qual sua concretização não produz quaisquer efeitos quanto à filiação previdenciária do servidor.

Tanto que a Lei federal n.º 9.717/98 é clara ao prever que:

Art. 1o-A. O servidor público titular de cargo efetivo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ou o militar dos Estados e do Distrito Federal filiado a regime próprio de previdência social, quando cedido a órgão ou entidade de outro ente da federação, com ou sem ônus para o cessionário, permanecerá vinculado ao regime de origem.

Entendimento esse, também, adotado pelo Supremo Tribunal Federal como se depreende do seguinte acórdão:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA. ATO CONCESSIVO. ANULAÇÃO PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. POSSIBILIDADE. SERVIDOR EFETIVO DO QUADRO DO MUNICÍPIO DE NATAL. CESSÃO AO TJ/RN PARA O EXERCÍCIO DE CARGO EM COMISSÃO. VINCULAÇÃO AO REGIME DE PREVIDÊNCIA DO ÓRGÃO CEDENTE CONSOANTE DISPOSTO NA LEI N. 9.717/1998. PEDIDO DE EXONERAÇÃO DO CARGO EFETIVO COM A FINALIDADE DE PERCEBER OS PROVENTOS RELATIVOS AO CARGO EM COMISSÃO. APOSENTADORIA CONCEDIDA PELO ORGÃO CESSIONÁRIO. ILEGALIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O servidor titular de cargo efetivo vincula-se ao regime de previdência do órgão de origem quando cedido a órgão ou entidade de outro ente da federação. 2. In casu, o ato questionado assentou: “Servidor municipal requisitado para exercer cargo comissionado no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. Aposentadoria pelo regime próprio dos servidores públicos estaduais. Ato concedido por maioria de votos no TJRN, após exoneração a pedido do cargo exercido no município. Aposentadoria por invalidez. Impossibilidade. O fato de o Tribunal de Contas do Estado estar apreciando a legalidade do ato e de haver ação judicial em andamento não impede o CNJ de atuar e exercer o controle administrativo sobre sua legalidade, desde que não haja expressa manifestação do STF a respeito. Procedimento instaurado a requerimento do Ministério Público estadual. Dado provimento para desconstituir o ato e para que se adotem providências administrativas para o ressarcimento das verbas pagas indevidamente”. 3. Agravo regimental desprovido. (STF. MS 27215 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 10.4.2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-083, DIVULG. 2.5.2014, PUBLIC. 5.5.2014)

Então, durante o período em que o servidor está cedido ele mantém a sua condição de filiado junto ao Regime Próprio de origem, permitindo-se, assim, que sejam adquiridos e reconhecidos direitos previdenciários durante esse período.

5 – Aquisição de Direitos durante a Cessão
Isso porque, a cessão, como visto, reveste-se de natureza transitória, não afastando a filiação do servidor junto a seu Regime Próprio de origem.

Além disso, em regra, as normas locais não trazem previsão no sentido de que durante o período de sua vigência está vedado ao servidor a aquisição e o exercício de direitos fundamentais.

E, nessa linha, a jurisprudência já se posicionou no seguinte sentido:

EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO. SERVIDORA PÚBLICA. MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE. PROGRESSÃO NA CARREIRA. LICENÇA PRÊMIO. PERÍODO DE CESSÃO À PREFEITURA DE CAETÉ. CÔMPUTO. ARTIGOS 169 C/C 173, DO ESTATUTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS. DIREITO CONFIGURADO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. CONSECTÁRIOS DA CONDENAÇÃO.
I. O período em que o servidor cedido exerce suas funções a órgãos da federação, deve ser considerado como de efetivo exercício, o que implica no direito ao cômputo do referido lapso para efeito de concessão de progressão na carreira e férias-prêmio, ex vi, art.169, III c/c art.173, II, da Lei Municipal n. 7.169/1996.
II. Tratando-se de relação jurídica de trato sucessivo, não abrangendo direito decorrente de ato único de efeitos concretos, estão prescritas as prestações vencidas antes do quinquênio que antecede a propositura da ação. (TJMG – Remessa Necessária-Cv 1.0000.18.097057-6/001, Relator(a): Des.(a) Washington Ferreira , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/02/2019, publicação da súmula em 12/02/2019)

Nesse aspecto é preciso salientar novamente que o Abono de Permanência se constitui em gratificação que conta, basicamente, com dois requisitos consistentes no preenchimento dos requisitos para a aposentadoria e o desejo de permanecer na ativa.

Sendo que a aposentadoria em sede de Regime Próprio impõe como condições para a sua concessão o preenchimento de idade mínima e lapsos temporais de contribuição, na carreira e no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria.

Cujos lapsos temporais continuam a contar normalmente durante o período de cessão, já que esta não se constitui em causa de suspensão do vínculo estatutário, motivo este que impõe que o tempo no cargo e na carreira seja computado mesmo durante o período em que esta estiver vigente.

Sendo esse o posicionamento que vem sendo adotado pela jurisprudência:

EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO // APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL EFETIVO – CESSÃO PARA ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL E FEDERAL – CÔMPUTO DO PERÍODO PARA FINS DE QUINQUÊNIOS E ADICIONAL TRINTENÁRIO – POSSIBILIDADE – DIFERENÇAS PRETÉRITAS – PRESCRIÇÃO QUINQUENAL – ABONO DE PERMANÊNCIA – EC 41/2003 E LEI 10.887/2004 – PAGAMENTO DEVIDO – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA, EM REEXAME NECESSÁRIO
1. Nos termos da antiga redação do art. 31, inciso I, e seu § 1º, da Carta Mineira, e dos arts. 112 a 118 do ADCT, o único requisito para o recebimento dos adicionais por tempo de serviço é o período de efetivo exercício pelo servidor estadual (cinco ou trinta anos), não tendo sido estabelecida qualquer restrição quanto a quem o serviço é efetivamente prestado.
2. Se a própria Constituição Estadual não traz qualquer ressalva expressa, forçoso concluir que o tempo prestado pelo postulante a órgãos municipais e federais, na condição de servidor estadual cedido, deve ser computado para fins de obtenção de adicionais por tempo de serviço.
3. Aceitar que somente o efetivo exercício perante o ente estatal confere direito à contabilização do tempo de serviço constitui posicionamento que foge à razoabilidade e penaliza o servidor.
4. As diferenças retroativas dos quinquênios e adicional trintenário devem ser pagas observando-se a prescrição quinquenal.
5. É devido o pagamento do abono de permanência ao servidor desde quando preenchidos os requisitos do art. 40, §19, da CR/88.
6. Sentença parcialmente reformada, no reexame necessário. Prejudicado o recurso voluntário. (TJMG – Ap Cível/Reex Necessário 1.0024.13.040723-2/001, Relator(a): Des.(a) Áurea Brasil , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/04/2015, publicação da súmula em 22/04/2015)

REMESSA NECESSÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. ABONO PERMANÊNCIA. CESSÃO DO SERVIDOR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO RECOLHIMENTO DA CONTRIBUIÇÃO. FALHA DA ADMINISTRAÇÃO. BENEFÍCIO DEVIDO. 1. O tempo de contribuição quando o servidor estiver cedido deve ser contabilizado para a concessão de benefícios previdenciários, ainda que não seja realizado o repasse dos valores para o ente cedente, tendo em vista que o servidor não é responsável pelo recolhimento, nos termos dos arts. 66 e 70 da Lei Complementar Distrital 769/2008. 2. Remessa necessária conhecida e não provida. (TJDF. Acórdão 1874489, 07142827320238070018, Relator(a): ANA CANTARINO, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 6/6/2024, publicado no DJE: 19/6/2024. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Permitindo-se assim que sejam completados, durante a cessão, requisitos para a concessão de direitos de natureza previdenciária, inclusive a aposentadoria e, consequentemente, ao abono de permanência.

6 – Conclusão
Motivos pelos quais sua concessão não pode ser obstada sob o argumento de que o servidor encontra-se cedido.

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