July Annie Deina – Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA, integrante do Grupo de estudos “Temas Contemporâneos de Direito de Família”.
RESUMO: O presente estudo busca analisar o abandono paternal e toda a flexibilização aos olhos da sociedade à essa renúncia que o homem faz ao dever de cuidado e afeto para com os filhos. Do mesmo modo, é feita uma análise sobre como essa ausência resulta na sobrecarga da mãe, acarretada pelo exercício do duplo papel, eis que, após esta abdicação, seja ela total ou parcial, caberá a genitora a função solitária e principal de cuidar e zelar pelos filhos. Será abordado um pequeno contexto histórico que gerou a normalização social dessa renúncia, para que esteja entendida a origem deste problema enraizado na sociedade. Ao final serão tecidos comentários da jurisprudência atual no âmbito das ações de abandono paternal.
Palavras-chave: abandono paternal, mãe solteira, duplo papel, responsabilidade paterno-filial.
INTRODUÇÃO
Com o advento da expansão do direito no tocante às relações familiares, muito se tem discutido acerca da composição das famílias, as atribuições dos papéis, as obrigações de seus entes, e ainda, o peso dessa cobrança caso ocorra eventual abandono, total ou parcial, caracterizando a omissão da responsabilidade por parte de um dos entes, mais especificamente, o ente paterno.
Iniciamos do pressuposto verdadeiro de que a nossa sociedade sempre foi regida por homens e para homens, sendo uma sociedade resultante de dominação da classe feminina, portanto, não há como analisar todo o histórico das origens do matrimônio sem lembrar que este foi um dos mecanismos utilizados para o exercício do controle e do poder dos homens perante às mulheres. Para as mulheres até a sua criação e educação eram direcionadas aos ditames do casamento, lhes era ensinado como se portar como esposa e mãe, e de que maneira exercer esses papéis na esfera materna e doméstica.(1)
Diante disto, verificamos que a sobrecarga de papéis imputada à classe feminina, nasceu nos primórdios, mas se reflete até os dias de hoje, posto que, mesmo a mulher tendo começado a ganhar espaço no âmbito profissional na segunda metade do século XX, continuou sendo associada à esta, como característica única e biológica, as atribuições no viés familiar e doméstico, mesmo que possuísse outros encargos fora de casa.(2)
Em relação ao histórico dos homens, a imagem do pai como figura provedora mas ausente na criação dos filhos teve, felizmente, uma significativa mudança nos tempos atuais, mudança esta alcançada pelos estudos focados na igualdade de gênero, na medida em que, visam erradicar as “masculinidades” oriundas da esfera da sociedade tradicional patriarcal, o que vem resultando – ainda que de forma lenta e gradativa – em uma paternidade mais participativa e desconstruída.(3)
Embora a sociedade esteja mudando e reconhecendo a equidade dos papéis de ambos os genitores, não se pode ignorar que tal mudança ocorre de forma lenta, e que ainda se faz presente a naturalização da mulher como única detentora do “instinto materno e doméstico”, o que torna o papel do pai entendido como coadjuvante e secundário, consequentemente, desincumbindo, de modo implícito, o homem das responsabilidades atribuídas à criação dos filhos, como o exercício dos deveres de participação, afetividade, educação e zelo para com eles.
METODOLOGIA UTILIZADA
A pesquisa em referência, da qual resultará artigo científico, utilizar-se-á do método de pesquisa bibliográfica e argumentativa, desenvolvida diante da busca de obras e artigos científicos os quais abordam as temáticas da responsabilidade do genitor e genitora na constituição familiar e criação dos filhos, com breve histórico da condição dos papéis de ambos os pais na sociedade atual e antiga, para se desmembrar a origem deste eixo normalizado em relação à renúncia paterna comumente vista e bastante debatida, no âmbito sociológico e jurídico.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
• Aspectos históricos do abandono paterno
Em uma sociedade que era regida totalmente pelos ditames da igreja católica, apenas a constituição familiar advinda do sagrado matrimônio era tido como um modelo familiar legítimo, restando marginalizado todos os demais vínculos informais(4), esse regime de casamento era o único que trazia a presunção de paternidade para os filhos, e uma boa imagem para a mulher, a qual devido ao enlace, permaneceria com sua honra íntegra e ilibada(5). Desta forma, o único instituto passível de legitimar a procriação e descendência, era o casamento, e se porventura ocorresse um enlace fora da constituição matrimonial, devido aos parâmetro patriarcais da época, a consequência pesava apenas aos ombros das mulheres que constituíam esse relacionamento sem a formalização de um regime de casamento, e aos filhos advindos dessas constituições, os quais eram classificados como ilegítimos.
Os filhos ilegítimos eram divididos em duas ramificações – naturais (nascidos fora do regime do matrimônio) ou espúrios (nascidos quando ambos os genitores eram impedidos do matrimônio) – sendo os espúrios divididos em incestuosos (resultado da união de duas pessoas com vínculo de parentesco) e adulterinos (nascidos de uma união em que um dos genitores é casado com outra pessoa).(6)
Note-se que desde os primórdios as consequências da constituição familiar fora dos padrões estabelecidos na época sempre atribuiu maior responsabilidade à mulher, que era definida de forma pejorativa como “mãe solteira” e ficava com o encargo total e solitário de criar o filho sob a chibata do olhar da sociedade. Tal consequência, se estendia ao filho pois como ilegítimo, não tinha a alternativa de sequer utilizar o sobrenome do genitor, tampouco reclamar-lhe direitos e encargos judicialmente.(7)
Diante disso, evidencia-se que os únicos “castigados” e rejeitados nesta relação eram a mãe e o filho, o genitor permanecia íntegro, com a reputação ilibada e passava isento do olhar julgador da sociedade, consequência que reverbera até os dias de hoje.
As entidades familiares diversas do matrimônio só foram perder o selo de ilegitimidade com a edição da Constituição Federal de 1988, a qual considerou vários exemplos de núcleos familiares, deixando de lado a caracterização da família legitima advinda apenas do casamento, e regularizando o modelo família em todos os seus eixos: pluralizada, democrática, igualitária, hétero ou homoparental, biológica ou socioafetiva, construída com base na afetividade e de caráter instrumental.(8)
Com o advento da contemporaneidade e conquistas significativas aos direitos das mulheres, as quais trouxeram equiparações de direitos, houve uma notória e importante alteração na organização da estrutura familiar, eis que os laços familiares existentes entre o casal ou entre o filho e o genitor, antes sustentados exclusivamente pela autoridade paterna, advinda do sistema patriarcal, passaram a serem fundados mais na alteridade e no vínculo afetivo do que na genética e costumes.(9)
Apesar dos tempos serem outros, ainda paira no âmbito social o pensamento invisível que menospreza as mulheres perante os homens, ao mesmo tempo em que se permanecem, senão aumentam, as cobranças e responsabilidades à elas, aos homens se é dada toda uma flexibilização perante as suas responsabilidades conjugais e familiares, principalmente, às relativas a criação dos filhos.
Por mais que, atualmente, tenhamos modelos de pais que exercem a função de cuidado e afetividade para com os filhos, os casos de casos de abandono paternal ainda são gritantes. Outrora, nas “famílias tradicionais” ao genitor, era atribuído somente o papel de chefe e provedor, ou seja, o dever de gerenciar a família, orientando a mãe em seus deveres, disciplinando e impondo castigos aos filhos, sendo momentos raros os de lazer, em que o pai tradicional atuava de forma mais participativa, além da esfera mantenedora da entidade familiar.(10)
Hodiernamente, ainda é associada a figura do pai à característica essencialmente tradicional e provedora, o que seria um “modo de afirmação da masculinidade, em que o homem é aquele que garante o sustento de sua família (Villa, 1997)”(11), devido à permanência dessa normalização, denota-se que o dever de cuidado com os filhos e a participação no desenvolvimento das atividades domésticas ainda são mitigados pelos homens nos conjuntos familiares; “na maior parte das famílias, as tarefas parentais qualificadas (jogo, aprendizagem, desenvolvimento) cabem ao pai, enquanto as não qualificadas (alimentação, lavagem de roupa) permanecem com a mãe.”(12)
Acima aborda-se a figura paterna em uma perspectiva positiva, pois pressupõe que todos os pais estão ativamente presentes nas entidades familiares, quando em verdade, isso não é regra. A função paterna passou e ainda passa por fenômenos culturais e sociais, porém parece que ainda impera a figura do pai tradicional, vez que ainda há indivíduos os quais não assumem as suas responsabilidades, não acatando ou abdicando do seu dever de criação, cuidado e participação na vida de sua prole, tal figura é denominada como “pais de final de semana”(13):
“(…) Pais que não se envolvem afetivamente com os filhos mesmo morando com eles, pais que se recusam a pagar a pensão alimentícia ou ainda aqueles pais que não reconhecem os filhos e não lhes dão o seu sobrenome na certidão de nascimento. (…)”
É na instituição familiar que se originam os vínculos, sejam eles os sanguíneos ou os afetivos, o segundo sem dúvidas é o de maior relevância, considerando que perdura a vida toda na memória e no íntimo do ser os vínculos construídos com os seus cuidadores, tal vínculo se não plenamente estabelecido com a convivência ou se enfraquecido com a separação de um dos genitores é certamente uma das causas que facilitam a ocorrência do abandono afetivo.
De acordo com Bastos (2008), abandono afetivo é “quando há um comportamento omisso, contraditório ou de ausência de quem deveria exercer a função afetiva na vida da criança ou do adolescente”(14), nesta via, temos que o dever de exercer a maternidade ou paternidade não está apenas circunscrito ao dever alimentar, cabendo à ambos os pais o suporte afetivo para com os filhos, para que estes se desenvolvam saudavelmente, pois é no resguardo do seio familiar que o indivíduo aprende a socializar, a se desenvolver e a se inserir no viés social.
Porém, quando um ente familiar renuncia aos seus deveres, em específico, o ente paterno, este negligencia esse dever de afetividade, recaindo toda a responsabilidade para o outro ente – a mãe. É de analisar que a responsabilidade do ser “pai” em nosso âmbito social, continua atrelada majoritariamente à manutenção material na vida dos filhos, enquanto o ser “mãe” é totalmente ligado aos deveres de cuidado e afetividade:
“A boa mãe é aquela que cuida, dá carinho e alimenta. Por sua vez, a paternidade segue caminho oposto ao da maternidade, sendo associada ao papel de provisão material, exortação, configurando o bom pai como aquele que não deixa faltar o alimento e dá lições para a vida aos(às) filhos(as)”.(15)
Essa questão de o dever do exercício paterno estar ligado de forma predominante com a questão material na vida dos filhos, ocorre principalmente em casos quando não há mais, ou nunca de fato houve, relação conjugal entre os genitores, o que com a falta de convivência, acaba por afastar ainda mais a possibilidade, ou até mesmo o querer, do exercício do afeto e da criação.
Apesar da separação – já existente ou sucedida – dos genitores não acarretar a separação do vínculo paterno-filial com a prole, promove uma maior flexibilização do papel do genitor na vida dos filhos – mesmo no âmbito material – pois esse histórico da sociedade patriarcal entranhado em nossa sociedade, acabou por naturalizar que o exercício do “ser pai” seja optativo para o homem, uma vez que, em uma relação construída historicamente apenas com base em um dever de prestar o sustento, sem toda uma imposição natural e incentivo na construção de afetividade e participação na criação, os quais, de fato, constroem o vínculo afetivo familiar, evidencia-se que para os homens, apenas com o cumprimento dos ditames legais relativos às obrigações alimentares, ainda é visto como sendo plenamente realizado o exercício da paternidade, conforme se demonstrou de um estudo qualitativo:
“Percebe-se, pelo depoimento destes pais que a ausência da situação ideal impossibilitou-os de construírem um vínculo satisfatório com os filhos, razão pela qual se pode pensar que não há um investimento afetivo na relação entre pai e filho, cumprindo-se apenas as formalidades prescritas em lei, como por exemplo, o pagamento da pensão alimentícia.” (16)
Um dos motivos que acaba por afastar indiretamente o genitor do papel central na vida dos filhos é a naturalização e romantização de que o vínculo entre a mãe e o filho seria maior, o que acaba por responsabilizar mais um lado que o outro, secundarizando o papel do genitor pelo entendimento de que: por a mãe gestar e amamentar uma criança, ela seria a figura principal, enquanto que o pai a figura supressiva, que entraria em cena apenas quando da ausência da figura materna.(17)
Tal naturalização da mãe como essencial detentora do dever de cuidado no âmbito familiar gera um fardo à classe feminina muitas vezes não suportável, e geralmente a desistência sempre recai ao âmbito profissional, eis que, não tendo com quem dividir as responsabilidades do lar, para a mulher se tornou “comum” a abdicação de qualquer coisa em nome dos filhos, ratificando a crítica de que “as mulheres são mais responsáveis pelo ‘trabalho’ do amor do que os homens, na medida em que, estariam especialmente vocacionadas para as emoções, a domesticidade, as relações familiares”(18).
Encarar as esferas familiar e doméstica como ônus de atributo exclusivo à classe feminina, acaba por diminuir as vertentes do poder de escolha para a mulher, na medida em que, a faz escolher entre a sua carreira e a maternidade, já que, conciliar ambos com o âmbito doméstico é relativamente impossível, e ainda, é absurdo a nossa sociedade observar a isso tudo com normalidade, cabendo às mulheres e mães, quando optam por reunir as três esferas – doméstica, profissional e familiar – “trabalhar como se não tivesse filhos, ser mãe como se não trabalhasse fora”(19).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
• Uma discussão antiga, um problema atual.
No Brasil, há 5,5 milhões de crianças brasileiras sem o nome do pai na certidão de nascimento, de acordo com dados do Censo Escolar, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ divulgado em 2013(20), não há como não se revoltar ou se comover com esses números. É utópico pensar que todas as famílias são compostas pela figura paterna em um país onde o abandono paternal é diariamente consolidado e exercido. São dois pesos e duas medidas destes dados: por um lado, um genitor que simplesmente opta por abandonar o filho seguindo sua vida normalmente, sem a responsabilidade – atribuída e cobrada – a ele, o que torna pouco alterável o seu cotidiano, principalmente a sua relação profissional. De outro lado, uma genitora que deverá procurar, e logo, alternativas de como irá cuidar e sustentar seus filhos, e ainda, como conciliar o âmbito doméstico-familiar com o profissional.
São inúmeras as motivações que levam um homem a abandonar os filhos, o estudo feito pelas pesquisadoras Sabrina Daiana Cúnico e Dorian Mônica Arpini, lista algumas destas motivações, dentre elas estão: a ausência de estabilidade financeira como idealização, a dificuldade em separar os conflitos da relação conjugal desfeita com o relacionamento paterno-filial, o obstáculo na conciliação do relacionamento com uma atual companheira juntamente com a falta de aceitação dela no convívio do pai e filho, e a mais recorrente: a ausência de tempo e de desejo em participar da vida dos filhos.(21)
Nesta via, o questionamento a ser feito é: Se as mulheres conseguem exercer o papel de pai e mãe, criando, educando e zelando pelos filhos, somando ao fato de conciliar estas atribuições às esferas doméstica e profissional, qual é a dificuldade dos homens em exercer o papel de pai, no âmbito provedor e afetivo?
A dificuldade em si não restou demonstrada no estudo, pois as autoras constataram que “o que se observa, contudo, é que alguns homens pouco ou nada fazem para reverter esta situação, muitas vezes criadas por eles próprios, devido a uma impossibilidade de exercer de fato a paternidade afetiva dessas crianças”(22). Todavia, o desinteresse e a falta de consideração estão plenamente nítidos nas condutas destes genitores, o que coaduna com o argumento explanado neste artigo de que a ausência de estímulo do elo efetivo entre pai e filho acaba por facilitar ainda mais esse abandono.
No mais, não se deve romantizar a tripla jornada exercida pelas mulheres, considerando que só o fazem por estrita necessidade, diante da renúncia frequente por parte dos genitores. Logo, a resolução deste problema está na busca do equilíbrio na atribuição das condutas e deveres de ambos os pais, afinal “o comprometimento masculino deve ser responsivo não só às necessidades dos homens, mas às de seus filhos, em proporções similares ao que se espera das mães”(23), pois ainda que o homem esteja vinculado à esfera paterno-filial, este ainda detém ideais muito individualistas em relação à sua prole.
• Breves comentários da lei e jurisprudência no âmbito relativo aos casos de abandono paterno
No âmbito do direito e dos tribunais, são vários os entendimentos adotados que visam a responsabilização pelo abandono paternal, sendo o pleito mais comum, o pedido indenizatório por danos morais decorrentes dessa ausência, baseado nos fundamentos da responsabilidade civil aplicados no direito de família, sendo este pedido muito debatido e divergido no âmbito doutrinário e jurisprudencial. Tal ação visa tentar reparar materialmente os danos causados pela ausência da figura do pai, pois esta:
“(…) Origina evidente dor psíquica e consequente prejuízo à formação da criança, decorrente da falta não só do afeto, mas do cuidado e da proteção – função psicopedagógica – que a presença paterna representa na vida do filho, mormente quando entre eles já se estabeleceu um vínculo de afetividade”.(24)
Mesmo que este tipo de compensação indenizatória seja muito discutida nos tribunais, rotineiramente sendo entendida como “não demonstrado o fato lesivo, dano e nexo de causalidade entre o dano e o ato do genitor“(25), fato é que “se os pais não conseguem dimensionar a necessidade de amar e conviver com os filhos, que não pediram para nascer, imperioso que a Justiça imponha coactamente essa obrigação”(26).
De outra via, cabe adequarmos a pergunta: há um modo de quantificarmos o afeto ou as consequências acarretadas pela ausência deste?
Certamente que não, porém além do caráter compensatório e punitivo, tais decisões tem o intuito de impedir que o abandono parental continue a ser efetuado, servindo como “exemplo” aos demais genitores que, se não suprirem com seus deveres decorrentes do poder familiar, haverão consequências.
Para além das decisões das ações compensatórias, habitam os mais diversificados entendimentos os quais se adaptam às realidades da contemporaneidade, possibilitando até a mudança do sobrenome, fato antes só possível a alteração de forma estritamente excepcional, mas que, de acordo com o grau de sofrimento de uma filha abandonada pelo pai, resultou em recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, onde autorizou uma mulher a remover do seu nome o sobrenome do genitor, pois este só acarretava em sofrimento e desgosto para a requerente, diante das consequências reverberadas pelo abandono paternal.(27)
O vislumbre das decisões judiciais de igual forma afeta os pedidos de alimentos inversos, denominação associada ao pedido de alimentos feito pelo genitor em face dos filhos. Sabe-se que o dever de prestar alimentos é fundamentado no princípio da solidariedade familiar, desde que haja necessidade por parte de quem os recebe, e possibilidade de pagamento para quem é feito o pedido.
Contudo, o entendimento de Maria Berenice Dias é de que “para o idoso buscar alimentos dos seus descendentes, é indispensável que tenha bem desempenhado as obrigações decorrentes do poder familiar”(28). Recentemente houve decisão fundamentada no parágrafo único do art. 1.708 do Código Civil, o qual predispõe que “com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor”, neste sentido o Juiz de Direito Cléber de Castro Cruz, titular da 16ª Vara de Família de Fortaleza consignou na decisão que “não tendo o autor da causa sido pai de seus filhos para dar-lhes amor e afeição, e nem mesmo para auxiliar-lhes materialmente, quando da sua assistência os promovidos [filhos] ainda necessitavam, não se mostra justo, nem jurídico, que agora busque se valer da condição paterna apenas para impor-lhes obrigações”(29).
Contempla-se que as decisões dos tribunais já entendem que a figura paterna não está estrita à realizar apenas as características de cunho alimentar para com os filhos, pelo contrário, já se indica como também dever do genitor de prover o afeto, o cuidado, proteção e participação na criação e educação na vida dos filhos, o que vem colaborando para a normalização de que o pai também deve ser um sujeito de sentimentos.
Uma “humanização” da paternidade, afastará essa classe de indivíduos da esfera individualista e material, e os trará para uma esfera mais sentimental e acessível perante os seus filhos, podendo resultar, daqui há algum tempo em um exercício de paternidade ainda mais participativo e afetuoso, o que resultará, naturalmente, em uma forma mais leve e equilibrada para as mulheres exercerem a maternidade juntamente com o contexto profissional, sem sopesar os deveres unicamente à uma classe, libertando o conjunto social em que estamos inseridos da normalização dos ditames do patriarcado.
REFERÊNCIAS
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NOTAS:
(1) FIGUEIREDO, M. G. DE; DINIZ, G. R. S. Mulheres, casamento e carreira: um olhar sob a perspectiva sistêmica feminista. Nova Perspectiva Sistêmica, v. 27, n. 60, p. 05, 28 dez. 2018.
(2) Idem item 2.
(3) FERREIRA, João Carlos et al. Construção social da paternidade participativa:(des) naturalização do lugar do homem e da mulher na reprodução das relações sociais, p. 87. 2018.
(4) MADALENO, Rolf. Direito de Família. 10. Ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 56. 2020.
(5) Ibi idem
(6) LUCCHESE, MAFALDA. Filhos–evolução até a plena igualdade jurídica. 2013. Págs. 232 e 233.
(7) DIAS, Maria Berenice – Manual de Direito das Famílias. 14ª ed. – Salvador: Editora Juspodivm, 2021. Pág. 84.
(8) MADALENO, Rolf. Direito de Família. 10. Ed. Rio de Janeiro: Forense. Pág. 102, 2020.
(9) Silva, J. M. (2007). O lugar do pai: uma construção imaginária. Belo Horizonte, 2007. Pág. 124.
(10) Muzio, P. A. (1997). Paternidade (Ser Pai) … Para que serve? In Silveira, P. Exercício da Paternidade (pp.165-174). Porto Alegre: Artes Médicas.
(11) SUTTER, Christina; MALUSCHKE, Júlia Sursis Nobre Ferro Bucher. Pais que cuidam dos filhos: a vivência masculina na paternidade participativa. Psico, v. 39, n. 1, 2008, p. 03.
(12) Idem item 9.
(13) CÚNICO, Sabrina Daiana; ARPINI, Dorian Mônica. Não basta gerar, tem que participar?: um estudo sobre a ausência paterna. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 34, p. 228, 2014.
(14) BASTOS; E.F. A Responsabilidade Civil pelo Vazio do Abandono. In. BASTOS; E. F.; LUZ; A. F.(Coord.) Família e Jurisdição II. Belo Horizonte: Del Rey, v.II. p. 59-82, 2008.
(15) Freitas, Waglânia de Mendonça Faustino e, Coelho, Edméia de Almeida Cardoso e Silva, Ana Tereza Medeiros Cavalcanti daSentir-se pai: a vivência masculina sob o olhar de gênero. Cadernos de Saúde Pública [online]. 2007, v. 23, n. 1 [Acessado 4 Julho 2021], pp. 142. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007000100015>. Epub 14 Dez 2006. ISSN 1678-4464. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007000100015.
(16) CÚNICO, Sabrina Daiana; ARPINI, Dorian Mônica. O afastamento paterno após o fim do relacionamento amoroso: um estudo qualitativo. Interação em Psicologia, v. 17, n. 1, 2013. Pág. 104.
(17) TRAGE, Fernanda Torzeczki; DONELLI, Tagma Marina Schneider. Quem é o novo pai? Concepções sobre o exercício da paternidade na família contemporânea. Barbarói, n. 57, p. 5, 2020.
(18) TORRES, Anália. A individualização no feminino, o casamento e o amor. Trad. Angela Xavier de Brito. In: PEIXOTO, Clarice Ehlers; SINGLY, François de; CICCHELLI, Vincenzo. Família e individualização. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000, p. 154.
(19) LISAUKAS, Rita. Ser mãe é padecer na internet. Trabalhar como se não tivesse filhos, ser mãe como se não trabalhasse fora. Disponível em: https://emais.estadao.com.br/blogs/ser-mae/trabalhar-como-se-nao-tivesse-filhos-ser-mae-como-se-nao-trabalhasse-fora – Acesso em: 20 de maio de 2021.
(20) IBDFAM. Paternidade responsável: mais de 5,5 milhões de crianças brasileiras não têm o nome do pai na certidão de nascimento. Disponível em < https://ibdfam.org.br/noticias/7024/Paternidade+respons%C3%A1vel:+mais+de+5,5+milh%C3%B5es+de+crian%C3%A7as+brasileiras+n%C3%A3o+t%C3%AAm+o+nome+do+pai+na+certid%C3%A3o+de+nascimento < Acesso em: 28 de maio de 2021.
(21) CÚNICO, Sabrina Daiana; ARPINI, Dorian Mônica. O afastamento paterno após o fim do relacionamento amoroso: um estudo qualitativo. Interação em Psicologia, v. 17, n. 1, 2013. Págs. 105 e 106.
(22) CÚNICO, Sabrina Daiana; ARPINI, Dorian Mônica. O afastamento paterno após o fim do relacionamento amoroso: um estudo qualitativo. Interação em Psicologia, v. 17, n. 1, 2013. Pág. 107.
(23) OLIVEIRA, Ligia Ziggiotti de. (Con) formação da (s) identidade (s) da mulher no direito das famílias contemporâneo: perspectivas feministas sobre o individual e relacional em família. 2015. Pág. 107.
(24) HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos–além da obrigação legal de caráter material. Repertório de Jurisprudência IOB, v. 3, n. 18, pág. 04, 2006.
(25) “Todavia, a ausência de afeto, de relação paternoafetiva, por si só, não conduz ao dever de indenizar” – (TJ-RS-AC: 70082371212 RS, Relatora: Sandra Brisolara Medeiros, Data de Julgamento: 25/09/2019, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 30/09/2019).
(26) DIAS, Maria Berenice – Manual de Direito das Famílias. 14ª ed. – Salvador: Editora Juspodivm, 2021. Pág. 407.
(27) (TJ-SP-AC: 10035186520198260664 SP 1003518-65.2019.8.26.0664, Relator: Donegá Morandini, Data de Julgamento: 18/06/2020, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/06/2020).
(28) DIAS, Maria Berenice – Manual de Direito das Famílias. 14ª ed. – Salvador: Editora Juspodivm, 2021. Pág. 423.
(29) https://www.tjce.jus.br/noticias/pai-que-abandonou-os-filhos-nao-tera-direito-a-receber-pensao-alimenticia – Acesso em 07/06/2021.