Nem sempre o sursis penal é benéfico ao sentenciado

Áureo Tupinambá de Oliveira Fausto Filho – Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal.
Felipe Cassimiro Melo de Oliveira – Advogado Criminalista. Mestrando em Direito Penal. Pós-graduando em Ciências Criminais. Presidente da Comissão de Processo Penal da OAB Subseção Cubatão/SP.

O presente artigo tem por escopo refletir sobre a (in)viabilidade do sursis penal diante de uma condenação criminal por pena não superior a 2 (dois) anos, com fixação de regime inicial aberto. À título ilustrativo, indaga-se se seria melhor ao sentenciado cumprir uma pena de 5 (cinco) meses ou 1 (um) ano, em regime aberto, ou de tê-la suspensa (com o risco de revogação ou prorrogação do período de prova) pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos?

Antes de tudo, mister que sejam feitas algumas considerações preambulares acerca do instituto da suspensão condicional da pena (ou do sursis penal).

Arnould Boneville de Marsangy consagrou a lógica de que: “A pena privativa de liberdade jamais deverá ser aplicada quando a pena pecuniária for suficiente à repressão”[1]. Posteriormente, os Congressos Penitenciários Internacionais (1872) fomentaram a adoção e a difusão de novos métodos para o tratamento de criminosos de menor periculosidade, bem como primários[2]. A suspensão condicional da pena é fruto dessa ideologia penológica.

A suspensão condicional da pena surgiu inicialmente na Bélgica (1888), sendo posteriormente importada por outros países[3].

Já no Brasil, o sursis penal foi introduzido através do Decreto nº 16.588, de 6 de setembro de 1924[4], e atualmente está previsto nos artigos 77 e seguintes, do Código Penal.

O sursis penal é o ato pelo qual o juiz suspende a execução da pena do acusado, sob determinadas condições[5]. Possui natureza jurídica de meio autônomo de reação jurídico-penal[6], isto é, de medida penal de natureza sancionatória[7], e constitui direito público subjetivo do sentenciado para a doutrina[8] e jurisprudência[9].

Contudo, para que seja procedida a aludida suspensão da execução da pena privativa de liberdade, imperioso que estejam presentes cumulativamente os requisitos (ou pressupostos) plasmados no artigo 77, incisos I, II e III, do Código Penal. Em termos esquemáticos: pena privativa de liberdade = ou < 2 (dois) anos + inexistência de reincidência em crime doloso + circunstâncias judiciais favoráveis + impossibilidade de conversão de penas.

Ainda, a definição da espécie de suspensão condicional da pena dependerá das condições legais estabelecidas pelo Código Penal.

Para Nucci, o legislador pátrio criou apenas dois tipos (ou espécies) de suspensão condicional da pena: o i) sursis simples (artigo 78, § 1º, do CP); e o ii) sursis especial (artigo 78, § 2º, do CP)[10][11].

Para o mencionado doutrinador, o sursis etário (artigo 77, § 2º, do CP) não pode ser considerado como uma espécie de suspensão condicional da pena, posto que, embora seja mais flexível, as condições a que se submete são as mesmas dos sursis simples e especial[12].

Nada obstante, há doutrinadores que sustentam a existência de quatro tipos de sursis penal (sursis simples, sursis especial, sursis etário e sursis por motivo de doença)[13].

O sursis simples baseia-se na obrigatoriedade de, no primeiro ano do período de prova, o condenado prestar serviços à comunidade ou submeter-se à limitação de fim de semana (artigo 78, § 1º, do CP), enquanto o sursis especial substitui a primeira condição (de prestação de serviços à comunidade) pelas condições mais rígidas estabelecidas no artigo 78, § 2º, do Código Penal[14].

Preenchidos os requisitos do sursis penal, deve o juiz na sentença fixar, dentro do período de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, o seu prazo de duração – o que chamamos na prática forense de “período de prova”. Conforme o artigo 158, da Lei nº 7.210/84, o prazo da suspensão condicional da pena começa a correr da audiência de advertência.

O artigo 81, do Código Penal, estabelece que a suspensão condicional da pena será revogada obrigatoriamente se o beneficiário for condenado, em sentença irrecorrível, por crime doloso (inciso I), frustrar à execução de pena de multa ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano (inciso II) ou descumprir a condição do § 1º do art. 78, do citado Códex (inciso III). Além disso, é possível a revogação facultativa do sursis penal quando houver o descumprimento de qualquer condição imposta ou pela superveniência de condenação irrecorrível, por crime culposo ou por contravenção (§ 1º).

Se revogado o sursis penal, o condenado deverá cumprir integralmente a pena que lhe foi imposta anteriormente na sentença, ainda que esteja no final do período de prova.

Feitas tais considerações, retornemos à reflexão que se pretende incitar neste ensaio.

Com o avento da Lei nº 9.714/98, o instituto do sursis penal “praticamente deixou de existir” [15], vez que só é possível a sua concessão quando for incabível a substituição de penas – algo bem raro de acontecer em casos com penas baixas.

Contudo, no âmbito dos delitos abrangidos pela Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha) e pelo Decreto-Lei nº 3.688/41 (Leis das Contravenções Penais) é bem comum na prática que ocorra a suspensão condicional da pena, sobretudo sem requerimento da parte.

Portanto, a depender das circunstâncias do caso concreto, v.g., uma condenação definida em dias ou meses de pena, em regime aberto, o sursis penal pode ser mais gravoso do que a execução penal.

Além do risco de revogação da suspensão condicional da pena, cujo efeito é “zerar” o que até então foi cumprido pelo sentenciado, sendo determinado o cumprimento integral da sanção fixada na sentença, em muitos casos – especialmente no que concerne às contravenções penais –, o período mínimo de prova do sursis penal é muito maior do que a pena corporal estabelecida no título condenatório.

Outrossim, não são visíveis significativas diferenças entre as condições do regime aberto (artigo 115, da LEP) com as condições da suspensão condicional da pena. Ambos os cenários limitam à liberdade de locomoção.

No entanto, se a Comarca não dispor de Casa de Albergado – algo bem comum de acontecer –, a execução penal em regime aberto se dará em prisão domiciliar, cuja precariedade estatal na fiscalização desta implica praticamente em uma situação de plena liberdade ao executado.

Não bastasse, quanto antes o executado terminar de cumprir a pena, mais rápido poderá requerer a reabilitação criminal, a fim de resgatar a sua primariedade.

Exemplificando: suponhamos que um indivíduo é condenado a uma pena de 3 (três) meses de detenção. 2 (dois) anos após a extinção da pena (artigo 93, caput, do CP), cumprida em regime aberto/domiciliar, a primariedade poderá ser devolvida mediante reabilitação criminal.

Vejam que o tempo necessário de espera para o restabelecimento da condição de réu tecnicamente primário através da reabilitação criminal em uma situação que houve a suspensão condicional da pena será bem maior do que o primeiro exemplo. Afinal, a extinção da pena só ocorrerá depois do decurso do período de prova, o qual, como visto, varia de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

Assim, a depender do quantum sancionatório e do regime prisional definidos na sentença, a suspensão condicional da pena pode acabar sendo mais prejudicial ao condenado do que a efetiva execução da pena.

Notas:

[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 227, apud MARSANGY, 1864, p. 251.

[2] BITENCOURT, loc. cit.

[3] DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 672/673.

[4] DOTTI, loc. cit.

[5] BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967, T. 3, p. 169.

[6] DOTTI, René Ariel. O Sursis e o livramento condicional nos projetos de reforma do sistema. Revista do Serviço Público, [S. l.], v. 40, n. 2, p. 34, 2017, apud JESCHECK, p. 1.1536, DOI: 10.21874/rsp.v40i2.2226. Disponível em: https://revista.enap.gov.br/index.php/RSP/article/view/2226. Acesso em: 4 mar. 2022.

[7] Ibidem, p. 35.

[8] Cf. Celso Delmanto, Julio Fabbrini Mirabete, Guilherme de Souza Nucci e Fernando Capez.

[9] Vide STF, RHC nº 62.278/MG e HC nº 61.237/RJ; e STJ, HC nº 332.303/SP e HC nº 309.535/SP.

[10] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 606.

[11] Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini também são partidários da existência de apenas dois tipos de sursis penal.

[12] NUCCI, loc. cit.

[13] Cf. René Ariel Dotti e Rogério Greco.

[14] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, volume 1: parte geral – arts. 1º a 120 do CP. 33ª ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 324/325.

[15] CAPEZ, Fernando Curso de direito penal, volume 1, parte geral: (arts. 1º a 120). 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 507.

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