Moacir Leopoldo Haeser – Advogado e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ex-professor da Faculdade de Direito de Santa Cruz do Sul (UNISC) e da Escola Superior da Magistratura – AJURIS.
Acredita-se que ao legislador incumbe aprovar as leis que a todos vinculam e ao juiz somente aplicá-las com imparcialidade.
Como explicar, então, tanto divergência de decisões?
Ao julgar o juiz vê-se frente a um caso concreto. Dificilmente as peculiaridades do caso foram previstas pelo legislador. Além disso, muitos anos se passaram entre a promulgação de uma lei e sua aplicação pelo juiz. O mundo é outro, os costumes são outros, a ciência progrediu. O legislador nunca ouviu falar em internet, whats app, facebook, istagram, twitter ou celular. O juiz não pode deixar de julgar por não haver previsão legal.
É inegável que o conhecimento, a experiência, a formação e até a ideologia influenciam a decisão do juiz. Perguntava a meus alunos por que eram colorados… ou gremistas? Há coisas que não se explicam… e não mudam.
Na interpretação da lei, para solucionar um caso concreto, consciente ou inconscientemente o juiz utiliza artifícios de linguagem para justificar e convencer do acerto de sua decisão.
Não existem palavras vazias na lei… Deve o juiz extrair-lhe o exato sentido para bem aplicar a norma…
Se a norma traz palavras aparentemente conflitantes com o resto do texto, deve o intérprete afastá-las…
Cada norma, cada artigo de lei deve ser valorizado pelo intérprete a quem cumpre buscar seu exato sentido…
A norma não pode ser interpretada isoladamente. Cumpre ao julgador harmonizá-la com o sistema jurídico. Se verificar que a norma conflita com o restante do arcabouço jurídico, deve afastá-la, considerando-a não escrita…
Na aplicação da lei deve o intérprete buscar a mens legis, o significado do texto jurídico ou o espírito da lei. Pode coincidir, ou não, com a intenção do legislador. Sabe-se como as leis são aprovadas… quem está a favor fique como está. Aprovada.
Em grande parte das vezes a má redação, ou má compreensão do tema pelos legisladores, acaba redundando em alterações não desejadas. Busca-se a mens legislatoris, a intenção do legislador ao criar uma nova norma legal. No entanto, muitas vezes ocorrem reflexos em outras normas com alterações absolutamente imprevistas.
Outras vezes invoca-se o brocardo juridico in claris cessat interpretativo. A norma é interpretada por sua literalidade e clareza para garantir os valores protegidos ou o alcance pretendido. Sabe-se, no entanto, que a interpretação literal é a mais pobre das interpretações. E o que é claro para mim, pode não ser claro para os outros.
Poderíamos falar ainda na Interpretação literal, gramatical, lógica, sociológica, sistemática, teleológica, axiológica, ampliativa, restritiva, construtiva e histórico-evolutiva. Aplicar a norma buscando as fontes autênticas, doutrinárias ou judiciais. Qual a melhor interpretação? A que o próprio legislador define, a que a doutrina ensina ou a que o juiz interpreta formando jurisprudência? Já ouvi isso mais de uma vez em tribunais superiores: a lei diz o que eu digo que diz…
Não se pode esquecer, ainda, que a lei ordinária deve harmonizar-se com a norma constitucional, sendo afastada caso colidente.
O sistema judiciário foi organizado de forma a admitir recursos contra decisões equivocadas, arbitrárias ou ilegais. Nos tribunais estaduais esgota-se o exame das provas. Admite-se recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça no caso de negativa de vigência lei federal ou dissídio pretoriano. Isso ocorre quando um tribunal decide a mesma questão de forma diversa de outro tribunal estadual ou do próprio STJ. Difícil, no entanto, demonstrar a similitude com a questão objeto do recurso, porquanto cada um tem suas nuances.
Por fim, ao Supremo Tribunal Federal, como guardião da constituição, cumpre harmonizar a lei ordinária com a carta magna, concedendo, em última instância, a verdadeira justiça ao cidadão que nomeou o constituinte. Não lhe cabe afastar, nem criar normas, usurpando o poder legislativo, muito menos exorbitar dos poderes de que é investido pois o juiz deve julgar como “um bom pai de família”.
Enquanto isso, embora tenha muitas vezes ouvido essa expressão, até hoje estou procurando esse famoso “espírito do legislador…”