Licenciamento Ambiental por Certificação

Georges Humbert – Advogado, professor, pós-doutor em direito pela Universidade de Coimbra, Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade – IBRADES.

 

O licenciamento ambiental no Brasil, hoje, fica quase que totalmente sob a responsabilidade e gestão do poder público, com baixa confiança no empreendedor e em autoridades privadas. Além de excesso de burocracia, repetição de exigências, documentos e de resultados que não apresentam, ao final, a melhor e mais sustenta solução, os dados mostram a quantidade de incongruências, erros e falta de condicionantes que realmente atendem as necessidades dos meios (social, ecológico e econômico) direta e indiretamente impactados. Surgem, neste contexto, alternativas como o licenciamento ambiental zero ou por autodeclaração, comum no primeiro mundo, além do licenciamento por certificação, como se propõe neste artigo.

Sabe-se que o processo administrativo de licenciamento ambiental está sujeito a uma série de intempéries. Da corrupção, pressões, ingerências, perseguições e facilitações, perpetradas por agentes públicos e privados, no mais otimista doe cenários, é certo que tem consumido quantidade substancial de recursos públicos, privados e longos períodos de análise. O prazo médio entre um requerimento ambiental de concessão de licença, autorização de supressão e outorga de recursos hídricos, em três fases ou em fase única, e a publicação da portaria atribuindo esse direito hoje é de três a sete anos.

O licenciamento ambiental por certificação nada mais é do que a realização prévia de acreditação do empreendimento, isto é, a verificação, por um certificador acreditado pelo governo e instituições como Inmetro, da conformidade de documentos, processos e instalações em relação a normas e procedimentos previamente estabelecidos.

Fundado no princípio da proteção e no dever jurídico do Poder Público de controle e fiscalização do meio ambiente, bem como na condição de processo que comportará os estudos e avaliações ambientais, na forma do art. 225, § 1º, IV e V, o licenciamento ambiental possui um fundamento de direito positivo, mas deriva da análise de um conjunto de normas jurídicas mais abrangidas pelo Direito Administrativo. Há, ainda, no âmbito infraconstitucional, a Lei nº 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente), que, em seu art. 9º, prevê o licenciamento como instrumento da política do meio ambiente No âmbito federal infralegal, há duas normas relevantes, a saber, a Resolução CONAMA nº 01/86 e nº 237/97.

Ou seja: o regime jurídico do licenciamento ambiental no Brasil tem 40 anos, está ultrapassado, não acompanhou os avanços sociais, econômicos, ambientais e, a toda evidência, as inovações e modernizações tecnológicas. Sustentar a manutenção deste sistema arcaico, lento e falho, pois já se mostrou que não protege o ambiente como deveria e atrapalha o desenvolvimento social e econômico, é violar a lógica. E mais: é violar o sistema jurídico, notadamente a Constituição, que determina a razoável duração do processo – inclusive do processo de licenciamento ambiental, bem como a eficiência da administração – e o processo de licenciamento das décadas de 80 e 90 do século passado são tudo, menos eficientes ou eficazes. Portanto, é preciso romper esse mito em torno do licenciamento ambiental e, com técnica, ciência e fundamento jurídico, fazer a sua modernização, como já ocorreu, diga-se, no em todo o mundo desenvolvido. É preciso romper preconceitos, radicalismos, achismos, ideologias e decidir de acordo com a ordem jurídica e técnica.

Na Europa, uma das regiões do mundo mais rigorosas na questão de proteção ambiental, passou por um processo de simplificação, por meio do Institute European Environmental Policy. Os princípios são foco nos resultados, obrigações proporcionais aos problemas e maximização dos ganhos, sendo certo que, há mais de dez anos Portugal busca o que denominam de “licenciamento zero”.

Por isso, como já se faz na Agência Nacional de Mineração, em alguns estados, na Europa e nós EUA, é possível realizar tais análises de forma mais eficiente, com o apoio de organismos de inspeção acreditada, ou, noutros termos, agentes certificadores.

Na hipótese, o poder público e seus servidores vão se concentrar em validar um processo privado que lhe é entregue pronto, com todas as condições de decidir, em detrimento de produzirem e analisarem informações a custos próprios. Isto já é feito em processos judiciais (a perícia e a arbitragem são, em alguma medida, a delegação de parte do processo a particulares acreditados) e mesmo em acordos de cooperação e de gestão nas mais diversas áreas de governo, incluindo saúde, inovação, pesquisa, para maior eficiência, sem prejuízo da qualidade e confiabilidade do processo de licenciamento ambiental, razoável duração do processo, transparência e segurança, permitindo a realocação de recursos humanos de alta qualidade dos órgãos ambientais como o Ibama, escassos, para atividades de valor ainda maior, bem como para fiscalização preventiva e repressiva, além de permitir investimentos nas carreiras, equipamentos e políticas de educação ambiental.

Na prática, o processo de licenciamento ambiental por certificação segue o rito previsto em lei. Porém, as avaliações dos documentos, informações, pareceres, estudos, será feita pela autoridade certificadora, que irá produzir o relatório final técnico e emitir um certificado de acreditação se o interessado atender às condições explicitadas em lei e regulamento. De posse do certificado e anexos, o órgão ambiental poderá expedir ou não a licença, como sugerido, ou com revisão, ou remeter o processo para diligências, ou mesmo avocar para praticar, diretamente, os atos que entender pertinente.

Outra questão importante é a conformidade destes instrumentos com a Lei Federal nº 13.874/2019, que instituiu a Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica, destacar que a nova lei implica em processos mais ágeis, dinâmicos, céleres e eficientes, o jurista baiano aponta os princípios da confiança e da presunção de boa-fé do empreendedor. De uma detida análise da nova lei, verifica-se, destas e outras regulamentações, que se trata de norma que em nenhuma medida reduz a proteção ao meio ambiente, mas vai ao encontro dos direitos fundamentais de liberdade, segurança e aos princípios da ordem econômica, da administração pública, notadamente o da eficiência, como também aos da tutela do meio ambiente, especialmente no que tange a promoção da sustentabilidade, valor jurídico que somente alcança a sua máxima potência quando o desenvolvimento econômico, o progresso social e a preservação dos ecossistemas caminham de mãos dadas, como é o que se pretende com a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica, que veio tarde, mas em boa hora

Como exposto, o processo de análise de licenciamento ambiental atual envolve, predominantemente, a análise de informações, estudos, planos e programas apresentados pelos requerentes, com anotação de responsabilidade técnica e cuja a fraude é responsabilizada criminal e administrativamente. Segue-se a fase de complementar tais informações, visitas pela do órgão publico, exigências, pareceres técnicos e jurídicos, consultas e audiências públicas, a um custo elevado de profissionais e recursos que poderiam ser dedicados a fiscalizações, reparação, políticas públicas educacionais e outras atividades de proteção e preservação de maior amplitude, eficiência, alcance, eficácia e relevância.

Portanto, a modernização e cooperação de autoridades certificadas e de auditoria no licenciamento ambiental é medida adequada, útil, necessária, já foi concretizada, com sucesso, por muitos países, acompanhando a evolução da sociedade, tecnológica e inovações diversas, razão pelo que não expressa um retrocesso ambiental, mas tão somente adequa cada procedimento específico em razão das peculiaridades e características do empreendimento objeto de análise. Na verdade, diga-se, é um verdadeiro dever constitucional, para se atender à garantia fundamental ao devido processo legal e sua razoável duração, bem como ao princípio da eficiência, insculpidos no art. 5 e 37 da Constituição Federal, com a institucionalização de procedimentos baseados nos pressupostos da boa-fé, confiança, presunção de legalidade, legitimidade, economicidade, celeridade e segurança científica e jurídica.

 

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