DOU 24/12/2024
Dispõe sobre os empreendimentos de economia solidária e a Política Nacional de Economia Solidária; cria o Sistema Nacional de Economia Solidária (Sinaes); e altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).
O Presidente da República
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1º Esta Lei qualifica os empreendimentos de economia solidária, dispõe sobre a Política Nacional de Economia Solidária e cria o Sistema Nacional de Economia Solidária (Sinaes) com vistas a fomentar a economia solidária e o trabalho associado e cooperativado.
Art. 2º A economia solidária compreende as atividades de organização da produção e da comercialização de bens e de serviços, da distribuição, do consumo e do crédito, observados os princípios da autogestão, do comércio justo e solidário, da cooperação e da solidariedade, a gestão democrática e participativa, a distribuição equitativa das riquezas produzidas coletivamente, o desenvolvimento local, regional e territorial integrado e sustentável, o respeito aos ecossistemas, a preservação do meio ambiente e a valorização do ser humano, do trabalho e da cultura.
CAPÍTULO II
DA POLÍTICA NACIONAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA
Art. 3º A Política Nacional de Economia Solidária constitui o instrumento pelo qual o poder público, com a participação da sociedade civil organizada, formulará e implementará planos e ações com vistas ao fomento da economia solidária.
Art. 4º São empreendimentos de economia solidária e beneficiários da Política Nacional de Economia Solidária os que apresentem as seguintes características:
I – sejam organizações autogestionárias cujos membros exerçam coletivamente a gestão das atividades econômicas e a decisão sobre a partilha dos seus resultados, por meio da administração transparente e democrática, da soberania assemblear e da singularidade de voto dos associados;
II – tenham seus membros diretamente envolvidos na consecução de seu objetivo social;
III – pratiquem o comércio de bens ou prestação de serviços de forma justa e solidária;
IV – distribuam os resultados financeiros da atividade econômica de acordo com a deliberação de seus membros, considerada a proporcionalidade das operações e atividades econômicas realizadas individual e coletivamente;
V – destinem o resultado operacional líquido, quando houver, à consecução de suas finalidades, bem como ao auxílio a outros empreendimentos equivalentes que estejam em situação precária de constituição ou consolidação, e ao desenvolvimento comunitário ou à qualificação profissional e social de seus integrantes.
§ 1º O enquadramento do empreendimento como beneficiário da Política Nacional de Economia Solidária independe de sua forma societária.
§ 2º Os empreendimentos econômicos solidários formalizados juridicamente serão classificados como pessoas jurídicas de fins econômicos sem finalidade lucrativa.
§ 3º Não serão beneficiários da Política Nacional de Economia Solidária os empreendimentos que tenham como atividade econômica a intermediação de mão de obra subordinada.
§ 4º Os empreendimentos econômicos solidários que adotarem o tipo societário de cooperativa serão constituídos e terão seu funcionamento disciplinado na forma da legislação específica.
Art. 5º São diretrizes orientadoras dos empreendimentos beneficiários da Política Nacional de Economia Solidária:
I – administração democrática;
II – garantia da adesão livre e voluntária;
III – trabalho decente;
IV – sustentabilidade ambiental;
V – cooperação entre empreendimentos e redes;
VI – inserção comunitária, com a adoção de práticas democráticas e de cidadania;
VII – prática de preços justos, de acordo com os princípios do comércio justo e solidário;
VIII – respeito às diferenças e à dignidade da pessoa humana e promoção da equidade e dos direitos e garantias fundamentais;
IX – transparência e publicidade na gestão dos recursos e na justa distribuição dos resultados;
X – estímulo à participação efetiva dos membros no fortalecimento de seus empreendimentos;
XI – envolvimento dos membros na consecução do objetivo social do empreendimento; e
XII – distribuição dos resultados financeiros da atividade econômica de acordo com a deliberação de seus membros, considerada a proporcionalidade das operações e atividades econômicas realizadas individual e coletivamente.
Parágrafo único. Entende-se por comércio justo e solidário a prática comercial diferenciada pautada nos valores de justiça social e solidariedade realizada pelos empreendimentos de economia solidária, e por preço justo a definição de valor do produto ou serviço construída a partir do diálogo, da transparência e da efetiva participação de todos os agentes envolvidos em sua composição, que resulte em distribuição equânime do ganho na cadeia produtiva.
Art. 6º São objetivos da Política Nacional de Economia Solidária:
I – contribuir para a concretização dos preceitos constitucionais que garantam aos cidadãos o direito a uma vida digna;
II – fortalecer e estimular a organização e a participação social e política em empreendimentos de economia solidária;
III – fortalecer e estimular o associativismo e o cooperativismo, que caracterizam os empreendimentos de economia solidária;
IV – reconhecer e fomentar as diferentes formas organizativas de empreendimentos qualificados nos termos desta Lei como de economia solidária;
V – contribuir para a geração de renda, a melhoria da qualidade de vida e a promoção da justiça social;
VI – contribuir para a equidade e propiciar condições concretas de participação social;
VII – promover o acesso da economia solidária a instrumentos de fomento, a meios de produção, a mercados e ao conhecimento e às tecnologias sociais necessários ao seu desenvolvimento;
VIII – promover a integração, a interação e a intersetorialidade das políticas públicas que possam fomentar a economia solidária;
IX – apoiar ações que aproximem consumidores e produtores, de modo a impulsionar práticas relacionadas ao consumo consciente e ao comércio justo e solidário;
X – contribuir para a redução das desigualdades regionais por meio de ações de desenvolvimento territorial sustentável;
XI – promover práticas produtivas ambientalmente sustentáveis;
XII – contribuir para a promoção do trabalho decente nos empreendimentos econômicos solidários; e
XIII – fomentar a articulação em redes dos empreendimentos de economia solidária.
Art. 7º São princípios da Política Nacional de Economia Solidária:
I – não discriminação e promoção da igualdade de oportunidades;
II – geração de trabalho e renda a partir da organização do trabalho com foco na autonomia e na autogestão;
III – articulação e integração de políticas públicas para a promoção do desenvolvimento local e regional;
IV – coordenação de ações dos órgãos que desenvolvem políticas de geração de trabalho e renda;
V – estímulo à economia solidária como estratégia de desenvolvimento sustentável;
VI – participação social na formulação, na execução, no acompanhamento, no monitoramento e no controle das políticas e dos planos de economia solidária em todas as esferas de governo; e
VII – transparência na execução dos programas e das ações e na aplicação dos recursos destinados ao Sinaes.
Art. 8º A Política Nacional de Economia Solidária organiza-se nos seguintes eixos de ações:
I – formação, assistência técnica e qualificação social e profissional;
II – acesso a serviços de finanças e de crédito;
III – fomento à comercialização, ao comércio justo e solidário e ao consumo responsável;
IV – fomento aos empreendimentos econômicos solidários e às redes de cooperação;
V – fomento à recuperação de empresas por trabalhadores organizados em autogestão; e
VI – apoio à pesquisa e ao desenvolvimento e apropriação adequada de tecnologias.
§ 1º Regulamento disporá sobre a implementação da Política Nacional de Economia Solidária conforme os eixos dispostos no caput deste artigo.
§ 2º A Política Nacional de Economia Solidária poderá atender aos beneficiários de programas sociais, desde que atuem em empreendimentos econômicos solidários, com prioridade para aqueles que vivem em situação de vulnerabilidade social.
Art. 9º O Cadastro Nacional de Empreendimentos Econômicos Solidários identificará empreendimentos econômicos solidários para o acesso às políticas públicas, nos termos de regulamento.
§ 1º É assegurado a todos os integrantes do Sinaes enumerados no art. 13 desta Lei o acesso a informações do cadastro referido no caput deste artigo.
§ 2º Os grupos informais de economia solidária cadastrados no Cadastro Nacional de Empreendimentos Econômicos Solidários serão incentivados a buscar sua regularização jurídica para se inserirem plenamente no regime legal associativo.
CAPÍTULO III
DO SISTEMA NACIONAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA (SINAES)
Art. 10. Fica instituído o Sistema Nacional de Economia Solidária (Sinaes) com a finalidade de promover a consecução da Política Nacional de Economia Solidária.
Art. 11. O Sinaes tem por objetivo:
I – implementar a Política Nacional de Economia Solidária;
II – integrar esforços entre os entes federativos e com a sociedade civil;
III – promover o acompanhamento, o monitoramento e a avaliação da Política Nacional de Economia Solidária.
Art. 12. O Sinaes tem como base as seguintes diretrizes:
I – promoção da intersetorialidade das políticas, dos programas e das ações governamentais e não governamentais;
II – descentralização das ações e articulação, em regime de colaboração, entre as esferas de governo;
III – articulação entre os diversos sistemas de informação existentes no âmbito federal, incluído o Sistema de Informações em Economia Solidária, a fim de subsidiar o ciclo de gestão das políticas direcionadas à economia solidária nas diferentes esferas de governo;
IV – articulação entre orçamento e gestão;
V – cooperação entre o setor público e as organizações da sociedade civil no desenvolvimento de atividades comuns de promoção da economia solidária.
Art. 13. Integram o Sinaes:
I – a Conferência Nacional de Economia Solidária;
II – o Conselho Nacional de Economia Solidária (CNES);
III – os órgãos da administração pública federal, estadual, distrital e municipal de economia solidária;
IV – as organizações da sociedade civil e os empreendimentos econômicos solidários;
V – os conselhos estaduais, municipais e distrital de economia solidária;
VI – a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e a União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias (Unicopas).
§ 1º Caberá à Conferência Nacional de Economia Solidária, a ser realizada com periodicidade não superior a 4 (quatro) anos, a avaliação da Política Nacional de Economia Solidária.
§ 2º Caberá ao CNES, órgão de articulação e controle social da Política Nacional de Economia Solidária, elaborar e propor ao Poder Executivo federal, considerando as deliberações da Conferência Nacional de Economia Solidária, o Plano Nacional de Economia Solidária, incluindo-se requisitos orçamentários para sua consecução.
§ 3º O serviço dos conselheiros, efetivos e suplentes, no CNES é considerado de natureza relevante e não será remunerado.
§ 4º Os critérios e os procedimentos para adesão ao Sinaes serão estabelecidos em regulamento.
Art. 14. A Conferência Nacional de Economia Solidária será precedida de conferências estaduais, distrital, municipais ou territoriais.
CAPÍTULO IV
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 15. O art. 44 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 44. ………………………………..
…………………………………………….
VII – os empreendimentos de economia solidária.
…………………………………………….
§ 2º As disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente aos empreendimentos de economia solidária e às sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial deste Código.
…………………………………………….” (NR)
Art. 16. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 23 de dezembro de 2024; 203º da Independência e 136º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Luiz Paulo Teixeira Ferreira
José Wellington Barroso de Araujo Dias
Macaé Maria Evaristo dos Santos
Simone Nassar Tebet
Luiz Marinho