A decisão do juiz se baseou em entendimento jurisprudencial sedimentado na esfera trabalhista, ratificado pela recente Lei 14.647/2023.
A Justiça do Trabalho mineira não reconheceu o vínculo de emprego pretendido por um homem com uma igreja evangélica, na função de pastor. A sentença é do juiz Edson Ferreira de Souza Júnior, titular da Vara do Trabalho de Diamantina. Segundo o magistrado, a prestação de serviços de natureza voluntária, de cunho religioso e vocacional, motivada pela fé, como se deu no caso, exclui a configuração da relação de emprego.
“Todo o contexto dos autos, com efeito, sinaliza que a relação entre as partes foi religiosa e vocacional, não se verificando o exercício de atividade econômica hábil à caracterização da Reclamada como empregadora, nos moldes do art. 2º da CLT”, destacou o juiz na sentença.
Entenda o caso
O autor alegou que trabalhou para igreja por 12 anos (de 2010 a 2022), inicialmente como “auxiliar” e, a partir de 2014, como pastor. Contou que trabalhou para a igreja inclusive nos estados de Rondônia e Piauí e que exercia várias atividades como “cozinhar, servir lanches, filmar eventos, dirigir e realizar serviços de pedreiro”. Afirmou que recebia “ajuda de custo”, que variava entre R$ 400,00 e R$ 3 mil, e que decidiu encerrar a prestação de serviços em 2022, porque “não aguentava mais tantas funções além de pastor”. Pretendeu o reconhecimento do vínculo de emprego com a igreja no período de outubro/2014 a dezembro/2022, na função de pastor, com salário de R$ 3 mil, com a condenação da ré ao pagamento das verbas trabalhistas, inclusive rescisórias, além de anotação na Carteira de Trabalho.
A igreja negou a existência da relação de emprego, sustentando que a relação entre as partes decorreu de motivos religiosos, não econômicos. Negou que tenha contratado qualquer serviço do autor, afirmando que a atuação dele na igreja “se deu de forma voluntária, vocacional, em razão do compromisso assumido para com o ministério de sua fé”.
Prova testemunhal
Na avaliação do julgador, os relatos das testemunhas revelaram que a atividade principal do autor era mesmo o pastoreio espiritual e que as atividades alheias ao cunho estritamente religioso eram desenvolvidas de modo secundário.
Testemunha apresentada pelo próprio autor declarou que “a dinâmica da atividade de um pastor é praticamente a mesma em todos os templos da Reclamada”. Disse que “o pastor cuida de alma de pessoas, visita pessoas, abre igreja, limpa templo, fica à disposição da igreja” e que já viu o autor executando essas atividades “na sede estadual”.
Para o magistrado, a testemunha indicada pela igreja foi ainda mais incisiva quanto ao caráter voluntário da atividade do autor, ao afirmar que “a pessoa interessada em ser pastor sabe, de antemão, que está se lançando numa tarefa voluntária, vocacionada, sem interesse financeiro”. Sobre o modo de inserção da pessoa no quadro pastoral da igreja, contou que “antes de ser pastor, a pessoa inicialmente participa da reclamada como obreiro, como fiel, sendo que, depois que a pessoa tem certeza do chamado de Deus, acaba se lançando como postulante a pastor”.
Trabalho voluntário movido por sentimento religioso
Na sentença, foi registrado que o trabalho movido por sentimento religioso, com a finalidade de prestar apoio espiritual e divulgar a fé, como se deu no caso, não configura relação de emprego, devido à impossibilidade de apreciação econômica. “A submissão à doutrina da igreja não se relaciona com o âmbito contratual, mas se motiva por vocação, convicções íntimas, crenças às quais o Reclamante aderiu espontaneamente, sem qualquer imposição, não se confundindo com a subordinação jurídica típica do empregado”, destacou o juiz.
Reforçou o aspecto voluntário da atividade a apresentação de “Termos de Adesão”, firmados pelo autor, em que ele assumiu o compromisso de prestar serviços consistentes na “pregação do Evangelho, bem como nas demais atividades de auxílio à pregação evangélica”. Ainda constou expressamente desses documentos que “a prestação de serviços voluntários aqui estipulados não gera vínculo empregatício, nem qualquer obrigação de natureza previdenciária, trabalhista ou afim”.
A análise do juiz se baseou em entendimento jurisprudencial sedimentado na esfera trabalhista, ratificado pela Lei nº 14.647 de 2023, que inseriu os parágrafos 2º e 3º ao artigo 442 da CLT. A norma estabelece expressamente que não existe vínculo empregatício entre entidades religiosas e seus ministros e membros, “ainda que se dediquem parcial ou integralmente a atividades ligadas à administração da entidade…” (parágrafo 2º). Pelo parágrafo 3º da regra celetista, pode-se constatar relação de emprego quando há desvirtuamento da finalidade religiosa e voluntária das atividades, o que, entretanto, não se verificou no caso.
“Logo, é de se concluir que o Reclamante, enquanto pastor evangélico, não laborou como empregado para a Reclamada, não se configurando o vínculo empregatício que autorize o deferimento das parcelas pleiteadas”, finalizou o juiz. Não cabe mais recurso da decisão.
PJe: 0010503-10.2023.5.03.0085.
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