A Justiça do Ceará condenou o proprietário da Casa de Acolhimento Feminina Água Viva, Fábio Luna dos Santos, a indenizar coletiva e individualmente as pacientes da residência terapêutica, que foram vítimas de cárcere privado. Somadas, as indenizações a serem pagas chegam ao valor de R$ 390 mil. O caso foi julgado pela 1ª Vara Cível da Comarca do Crato.
Conforme o processo, 34 mulheres eram mantidas em cárcere e em condições sub-humanas na referida casa de acolhimento. A situação veio à tona quando uma delas conseguiu sair do local portando um bilhete, no qual pedia socorro a uma pessoa da família, dando início às investigações.
Após operação policial, foi evidenciado que o estabelecimento não cumpria com a propaganda dos serviços que deveria prestar, isto é, cuidar da saúde de mulheres que apresentavam alguma enfermidade psiquiátrica ou eram usuárias de drogas.
De acordo com os autos, os familiares eram impedidos de adentrar nos espaços onde as pacientes eram mantidas e, durante a maior parte dos dias, elas permaneciam trancadas em quartos ou celas, tendo tal rotina interrompida apenas quando obrigadas a realizar atividades compulsórias, como lavar pratos, recolher lixo, capinar mato com as próprias mãos, rasgar livros para reciclagem, além de retirar fezes e urina das celas
Ainda conforme o processo, o local onde as pacientes eram alojadas, se na casa ou nas celas, era definido com base nas condições financeiras e psiquiátricas e na proximidade da família, de modo que aquelas com menores possibilidades de delatar eventuais sofrimentos permaneciam em celas. Diante das informações, a Defensoria Pública do Estado ingressou com ação civil pública para requerer que a clínica indenizasse as vítimas por danos morais individuais e coletivos.
Na contestação, Fábio Luna alegou que o referido bilhete foi fraudado com o intuito de impulsionar uma perseguição injusta visando a obtenção de proveitos econômicos. Afirmou que a presença de familiares somente foi parcialmente restringida durante a pandemia de Covid-19, seguindo as determinações da Secretaria de Saúde e da Vigilância Sanitária do Município, bem como sustentou que as únicas atividades as quais as internas eram submetidas se relacionavam a terapia de grupo ou individual, acompanhadas por profissionais habilitados.
Defendeu também que, antes de assinar o contrato, os familiares visitavam as dependências da casa de acolhimento e que, periodicamente, órgãos de fiscalização e controle do Poder Público realizavam vistorias, de modo que o local funcionava sob as cautelas da lei.
No último dia 08 de abril, a 1ª Vara Cível da Comarca do Crato entendeu que a existência de compartimentos semelhantes a celas, com portas gradeadas e sistemas externos de trancamento, configuravam situação de potencial restrição de liberdade das internas, caracterizando a prática de cárcere privado.
“A privação de liberdade, associada às condições sanitárias precárias, caracteriza grave violação à dignidade humana, ferindo não apenas os direitos individuais das internas, mas também os valores coletivos de proteção às pessoas vulneráveis, especialmente aquelas com transtornos mentais. Cada uma dessas mulheres sofreu danos específicos à sua personalidade, sendo submetidas a tratamento desumano que incluía confinamento em celas sem condições mínimas de habitabilidade, restrições severas de alimentação, obrigação de realizar trabalhos forçados, ausência de instalações sanitárias adequadas, além de abusos físicos e psicológicos”, pontuou o juiz José Batista de Andrade, titular da unidade.
O juízo determinou que a Casa de Acolhimento Água Viva e o proprietário do espaço indenizem, solidariamente, as vítimas em R$ 50 mil por danos morais coletivos. Além disso, ambos foram condenados a pagar mais R$ 10 mil a cada uma das 34 mulheres por prejuízos individuais. Os réus também foram proibidos de exercer qualquer atividade relacionada ao acolhimento, tratamento ou cuidado de pessoas com transtornos mentais pelo período de cinco anos.
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TJCE