Hospital de Congonhas terá que reintegrar dirigente sindical que denunciou falta de máscaras contra a Covid-19

A Justiça do Trabalho determinou a reintegração imediata de uma dirigente sindical, que exercia a função de técnica de enfermagem em um hospital de Congonhas, mas foi dispensada por justa causa após denunciar, em entrevista numa rádio local, no início da pandemia, o não fornecimento de EPI’s, como máscaras, na unidade de saúde. Os julgadores da Segunda Turma do TRT-MG mantiveram a sentença proferida pelo juízo da Vara de Trabalho de Congonhas, que julgou improcedente o inquérito judicial para a apuração de falta grave da trabalhadora. Foi determinada então a reintegração ao emprego e o pagamento dos salários vencidos durante o período da suspensão do contrato de trabalho.

A empregadora foi condenada ainda ao pagamento de R$ 5 mil de indenização pelos danos morais causados à trabalhadora. Pela decisão de primeiro grau, restou caracterizada a conduta antissindical e abusiva da empregadora “capaz de ensejar o pagamento da indenização”.

O caso

A trabalhadora, que exercia a função de técnica de enfermagem, foi suspensa por cinco dias, em 20 de março de 2020, sob alegação de ter espalhado, por grupo de aplicativo de mensagens, “notícias falsas, notadamente em relação ao fornecimento de EPIs”. Posteriormente, em 15 de abril de 2020, a empregadora informou à profissional a suspensão do contrato de trabalho, nos termos do artigo 853 da CLT, “em razão de prática de falta gravíssima, que poderá ensejar a ruptura de seu contrato de emprego e será objeto de inquérito para apuração de falta grave”.

Embora não tenha ficado claro no comunicado, o juízo de primeiro grau entendeu como certo que a pretensão da empregadora tinha, como fato gerador, a entrevista dada pela trabalhadora e uma colega, também dirigente sindical, a uma rádio local.

A trabalhadora explicou nos autos que houve o fornecimento insuficiente de equipamentos de proteção adequados para os trabalhadores da entidade hospitalar. Informou que ela e a colega recorreram ao Ministério Público do Trabalho para noticiar as irregularidades, tendo sido instaurado inquérito civil para apuração.

“A suspensão sofrida caracteriza evidente abuso do poder diretivo, além de atentar contra a representação sindical da categoria obreira”, disse a profissional, que foi eleita dirigente sindical para o período de 1º/9/2019 a 31/8/2025.

A decisão de primeiro grau ressaltou que as conversações, por grupos de aplicativo de mensagens, ensejaram a aplicação da suspensão. “Logo, resta exaurido o poder disciplinar da empregadora acerca desse fato, o qual não pode ser considerado como motivo ensejador de nova punição, vez que ilícita a aplicação de mais de uma penalidade ao empregado pelo mesmo ato faltoso, de acordo com o princípio do non bis in idem”, ressaltou o magistrado.

O inquérito para apuração de falta grave foi considerado improcedente pela sentença. Consequentemente, considerando-se a natureza dúplice da ação, em decorrência da improcedência do inquérito, foi deferido o pedido de retorno da trabalhadora às atividades laborais.

Recurso

A empregadora interpôs recurso, insistindo na versão de falta gravíssima, apta a autorizar a dispensa por justa causa, mesmo em se tratando de dirigente sindical estável. Frisou que puniu a trabalhadora com suspensão nos dois eventos, já que, no primeiro, a punição não surtiu efeito e porque, na dispensa por justa causa de estável, é imprescindível o inquérito judicial.

Argumentou ainda que, diversamente do que se entendeu na origem, inexiste exigência legal para que sejam indicados os fundamentos fáticos que serão deduzidos no inquérito para apuração de falta grave no ato da suspensão. Informou que cumpriu sua obrigação de indicar detalhadamente os fatos e fundamentos jurídicos do pedido, formulando pleito de reconhecimento da falta grave praticada e a declaração da rescisão do contrato de emprego por justa causa, possibilitando ampla defesa pela trabalhadora.

Informou, por fim, que teve que alterar, em razão da pandemia, o procedimento de entrega de EPI’s, pelo fundado receio de desabastecimento e dificuldades para reposição, especialmente de máscaras.

Decisão

Mas, o então juiz convocado Danilo Siqueira de Castro Faria, no voto condutor, explicou que a dispensa do dirigente sindical é vedada a partir do registro da candidatura a um cargo de direção ou representação até um ano após o final do mandato, inclusive para suplentes. “A única exceção é a falta grave, devidamente apurada, nos termos do disposto nos artigos 8º da CF/88 e 543 parágrafo 3º da CLT, cujo objetivo é permitir que o representante dos trabalhadores eleito exerça livremente suas funções, ficando resguardado de eventuais perseguições do empregador”, pontuou.

Dessa forma, o julgador corroborou o entendimento de origem, não se constatando falta grave o suficiente a autorizar a dispensa por justa causa. Para o julgador, a cobrança sobre o fornecimento de máscaras se justificou, uma vez que a pandemia, no Brasil, ainda estava no início e era grande o temor. “Esse equipamento de segurança passou a ser indispensável, não só no hospital, mas em todos os setores da sociedade. E, em razão desta súbita urgência da necessidade de uso, tanto a máscara quanto o álcool em gel foram produtos que desapareceram do mercado”, ponderou.

Segundo o magistrado, num momento histórico conturbado e de muitas incertezas, diversos foram os segmentos que também se manifestaram da mesma forma que a profissional. “O que serve para amenizar a alegada gravidade do procedimento, de expor a visão da situação particular dos empregados do hospital em entrevista à rádio local – segunda razão do inquérito”, frisou.

Da transcrição da entrevista feita pela dirigente sindical, o magistrado entendeu que ficou evidente que a nota de repúdio e as alegadas ofensas ao superior partiram do órgão sindical, enquanto representante de seus associados, e não diretamente da trabalhadora. Para o julgador, a punição relativa às mensagens de aplicativo esgotou o poder disciplinar do empregador na própria suspensão aplicada. “E, ainda que o fato não mereça análise, já que excluído pela própria parte das razões do ajuizamento do inquérito, o fornecimento de máscaras apenas no dia 19/3/2020 não é prova de fornecimento regular do EPI na ocasião”, ressaltou o julgador.

Conforme destacou o magistrado, restando apenas a entrevista da trabalhadora na emissora de rádio como motivo para a justa causa, a manifestação foi exercida dentro dos limites da atuação sindical. “Na entrevista, foi dito que os EPIs não estavam disponíveis, o que não caracteriza a prática terrorista alegada na petição inicial do inquérito e tem perfeita verossimilhança com toda a prova produzida. E, pelo teor da transcrição da entrevista, vê-se que a empresa tenta revidar a ação sindical com punição da empregada que representa o sindicato, o que não tem cabimento”, explicou o relator.

O julgador frisou, por fim, que o arquivamento do inquérito civil instaurado pelo MPT em razão de denúncia relativa ao fornecimento de EPIs deu-se por não mais persistir a situação em 30/9/2020. “Mesmo porque o Coren só aviou relatório constatando a regularidade no fornecimento a partir de julho, faltando qualquer demonstração de fornecimento no mês de março, época dos fatos”, concluiu o relator, negando provimento ao apelo da empregadora. O processo foi enviado ao TST para julgamento, mas foi negado seguimento ao recurso de revista. Foi homologado um acordo entre as partes.

Processo

PJe: 0010236-39.2020.5.03.0054

TRT3

 

 

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