Em 2014, mãe e filho chegavam ao Brasil para tentar uma nova vida. Na Eslovênia – país de origem dos dois –, localizado no Leste da Europa, a genitora sofria o que a família entendia ser violência psiquiátrica. A escolha pelo país da América do Sul era, na prática, a fuga da internação compulsória. Porém, no início de 2022, a mãe foi encontrada por policiais militares em sua residência, em Volta Redonda, após denúncia de ser mantida em cárcere privado. Foi encontrada aparentando problemas mentais, completamente nua, com diversos hematomas pelo corpo, sem conseguir se comunicar, em razão da doença e da barreira do idioma.
Conduzido à delegacia por supostos maus-tratos à mãe e cárcere privado, o filho, Erik Hvala, relatou que sua genitora vinha sofrendo violências psiquiátricas desde que se separou do marido, ainda na Eslovênia, e que teria ficado incapaz em razão de remédios em excesso recebidos em clínicas. Por conta disso, ambos decidiram vir para o Brasil justamente por não ter internação compulsória, uma ação possível em seu país, segundo relatou Erik.
Foi então que o Ministério Público entrou com uma ação de interdição em face da mulher, em fevereiro do ano passado, postulando a realização de perícia médica psiquiátrica, com a presença de um tradutor, a fim de avaliar a capacidade da eslovena para os atos da vida civil.
Na audiência de impressão pessoal, realizada em abril, uma adida civil da embaixada da Eslovênia auxiliou na tradução, questionando a interditando sobre sua vida, negócios, bens, vontades, preferências e laços familiares e afetivos. A eslovena não aparentou compreender todas as perguntas e respondeu ora em esloveno, ora em inglês, ora em croata, sempre com dificuldades, mas mencionando ter vivido em psiquiatrias.
Na sua vez de falar, o filho disse que não tinham outros parentes no Brasil e que ele cuidava da mãe e trabalhava como comerciante. Explicou também do histórico de doença psiquiátrica da mãe e que, devido aos tratamentos a que foi submetida, esqueceu até mesmo a sua língua natal. Contou, ainda, que no Brasil a mesma passou a ter acompanhamento médico com remédios homeopáticos e que gostaria de regularizar a situação jurídica da sua mãe, para que não passassem mais por situações degradantes.
Em 11 de janeiro de 2023, o juiz Antonio Augusto Gonçalves Balieiro Diniz, da 2ª Vara de Família, Infância, Juventude e do Idoso, da comarca de Barra Mansa, proferiu a sua decisão.
“Através do relatório emitido pelo CREAS, foi possível constatar que a situação de vulnerabilidade da interditanda foi superada, uma vez que esta passou a receber cuidados intensivos e acompanhamento em tempo integral por seu filho e sua nora. Nesse sentido, o médico da interditanda, Dr. Tito, observou que Erik cuida muito bem da idosa, que esta se encontra estabilizada emocionalmente e clinicamente, apresentando apenas limitações cognitivas. Além disso, a assistente social evidenciou que a família aparenta estar em situação de harmonia. Tais provas são suficientes para demonstrar a deficiência da parte ré e a necessidade da curatela”, detalhou o magistrado.
Para o juiz, a nomeação de curador para a interditanda realizar atos da vida civil constitui medida protetiva necessária para resguardar a saúde, o patrimônio, o bem-estar e a dignidade da requerida, conferindo amparo e proteção aos seus interesses. E que com relação à estipulação de curador à ré, não consta dos autos qualquer óbice ao exercício por parte do seu filho.
“Julgo procedente o pedido para decretar a interdição, declarando-a pessoa com deficiência em situação de curatela, com limitação para exercer pessoalmente atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, quais sejam: privado de emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar e ser demandado e praticar, em geral, atos que não sejam de mera administração, mantendo incólumes os seus demais direitos políticos e civis. Nomeio curador Erik Hvala, podendo representá-la nos atos relativos a desempenho econômico-financeiro, dentre os quais abrir e movimentar contas bancárias. Deverá o curador, ainda, zelar pela saúde, sobrevivência e bem-estar da interditada, suprir o seu consentimento para realização de tratamentos médicos, bem como prestar-lhe toda e qualquer assistência necessária, defendê-la e zelar pelos seus bens e o que porventura venha a receber, sob as penas da lei. O curador deverá manter consigo os comprovantes de recebimentos e despesas realizados em nome da interditanda, caso no futuro venha a ser requerida a prestação de contas”, concluiu.
Processo nº: 0001350-31.2022.8.19.0007
IA/FS
TJRJ