A 9ª Vara Federal de Porto Alegre determinou que a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e o Estado do RS devem instar o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) a participar dos processos de licenciamento ambiental no território gaúcho, independentemente da existência ou não de bens culturais já cadastrados. A sentença, publicada no dia (9/3), é da juíza Maria Isabel Pezzi Klein.
Autor da ação, o Ministério Púbico Federal (MPF) narrou que a Resolução nº 357/17, do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), colocaria em risco o patrimônio arqueológico não conhecido ou registrado. A normativa teria condicionado a realização de estudos arqueológicos, como parte do licenciamento ambiental, apenas naquelas áreas nas quais já existissem bens culturais acautelados.
Segundo o MPF, a ausência de cadastros prévios dos bens protegidos no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos acabou dispensando o órgão licenciador estadual de instruir os empreendedores a preencherem a Ficha de Caracterização de Atividade (FCA), o que era feito quando vigorava a norma anterior. Como consequência, o Iphan passou a não ter conhecimento das obras causadoras de impacto, que teriam potencial de provocar a destruição do patrimônio arqueológico eventualmente ainda não conhecido e não registrado.
Em sua defesa, o Estado do RS argumentou que seu dever se limita a proteger um bem já reconhecido como de valor histórico, artístico ou cultural. Pontuou que, caso o solicitante de licença ambiental encontre um bem ainda não reconhecido pelo Iphan, o Instituto deverá ser notificado para que se manifeste, isentando os órgãos licenciadores de qualquer esfera da Federação de adotarem medidas de proteção de bens que ainda não foram reconhecidos.
Já a Fepam afirmou que vem cumprindo a resolução do Consema sobre o tema, sendo descabido dizer que está criando vulnerabilidades nas áreas mencionadas, pois solicita aos empreendedores e aos responsáveis técnicos informações preliminares a respeito da existência de bens culturais acautelados na área de influência direta do empreendimento.
Arqueologia preventiva
Ao analisar as provas apresentadas na ação, a juíza federal Maria Isabel Pezzi Klein sublinhou que a “questão central, aqui, é analisar os parâmetros normativos adequados à proteção do patrimônio arqueológico riograndense como um todo. Nisso compreendemos o cuidado no tratamento científico de todos os dados e elementos relacionados aos bens de valor arquelógico pré-histórico, histórico, artístico e cultural do Rio Grande do Sul e que podem ser encontrados durante os processos de intervenção promovidos pelos empreendedores”.
Segundo ela, o Iphan “salientou que haveria, sim, diversos procedimentos em que ele não teria sido consultado e que resultaram em danos, embargos administrativos ou mesmo termos de ajustamento de conduta. Além disso, por ocasião de renovação de Licenças de Operação, foram identificados sítios arqueológicos nas áreas de empreendimentos, sendo que alguns com evidentes danos aos bens arqueológicos encontrados”. O Instituto apontou o significativo avanço do cadastramento dos sítios arqueológicos no estado em decorrências das pesquisas científicas já realizadas, mas, pela defasagem tecnológica de décadas anteriores, a maioria dos sítios conhecidos não se encontra ainda georreferenciada.
A magistrada registrou que a tese defensiva da Fepam acentua a participação colaborativa com o Iphan desde que os bens estejam perfeitamente identificados e catalogados. “Esse é o ponto. Ficaria, assim, a descoberto de adequada proteção um imenso e riquíssimo acervo patrimonial que ainda desconhecemos e que exige um processo continuado de exploração científica em direção ao futuro”, destacou.
Para ela, a resolução ameniza o problema ao prever que os empreendedores devem notificar imediatamente quando houver uma descoberta fortuita, mas não resolve a questão relativa aos efeitos nocivos dos possíveis impactos feitos em intervenções sem a assistência especializadas dos pesquisadores do Iphan.
Klein apontou que a lei que dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos protege todo e qualquer bem arqueológico, identificados ou não. “Nessa toada, os princípios da prevenção e da precaução, tão caros em matéria ambiental em sentido estrito, também devem ser considerados, quando tratamos da preservação do patrimônio arqueológico. Trata-se de preservar os testemunhos materiais que ainda subsistem de nosso passado, enquanto Humanidade”.
A juíza entendeu que não se pode ignorar os argumentos trazidos pelo Instituto de que os bens arqueológicos são, em sua maioria, identificados por ocasião das pesquisas prévias “Ignorar a responsabilidade técnica elevada dos profissionais Arqueológos, no manejo dos sítios alvos de empreendimentos, negando-lhes a possibilidade de estudos prévios e acompanhamento contemporâneos às ações desenvolvidas pode, sem dúvida, resultar em destruição ou mutilação de um patrimônio de valor inestimável para a Humanidade”.
A magistrada julgou procedente a ação condenando a Fepam e o Estado a instar o Iphan a participar dos processos de licenciamento ambiental no território gaúcho, independentemente da existência ou não de bens culturais já cadastrados na área de influência direta do empreendimento a ser licenciado. A medida deverá ser adotada após o trânsito em julgado. Cabe recurso ao TRF4.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5033894-98.2022.4.04.7100/RS
TRF4 | JFRS