Institui a Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana.
O Presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso VI, alínea “a”, da Constituição,
DECRETA:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º Fica instituída a Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana, no âmbito da administração pública federal.
Art. 2º A Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana tem a finalidade de promover medidas intersetoriais para a garantia dos direitos dos povos e das comunidades tradicionais de terreiro e de matriz africana no País, com base no reconhecimento, no respeito e na valorização da cultura e da memória dos afrodescendentes, e a superação do racismo.
§ 1º Povos e comunidades tradicionais de terreiro e de matriz africana são considerados como povos e comunidades tradicionais, para fins do disposto no Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, por serem grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, por meio da utilização de conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.
§ 2º Em conformidade com as disposições gerais do Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que visa o reconhecimento, o fortalecimento e a garantia de direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais dos povos de comunidades tradicionais, a Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana destina-se às especificidades dos povos e das comunidades tradicionais de terreiro e de matriz africana, com ênfase no reconhecimento e no enfrentamento do racismo, na proteção dessas comunidades e na ampliação dos mecanismos de participação e de controle social, e da preservação e da difusão do seu patrimônio material e imaterial.
Art. 3º Poderão participar da Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana órgãos e entidades da administração pública federal que possuam competência para a execução de ações destinadas à melhoria das condições de vida e à ampliação do acesso a bens e a serviços públicos.
CAPÍTULO II
DOS PRINCÍPIOS E DAS DIRETRIZES
Art. 4º São princípios da Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana:
I – o direito à autodeterminação, à autoidentificação e ao reconhecimento da sua ancestralidade;
II – o respeito aos seus modos de vida tradicional, às suas culturas, às suas memórias, aos seus conhecimentos e às suas práticas;
III – a proteção das suas organizações contra a discriminação e a violência;
IV – o reconhecimento de danos à sua dignidade e ao seu patrimônio material e imaterial decorrentes do racismo; e
V – a garantia de participação e de controle social para a promoção dos seus direitos.
Art. 5º São diretrizes da Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana:
I – a transversalidade de gênero e de raça;
II – a inviolabilidade da integridade territorial;
III – a proteção da liberdade de consciência e de crença;
IV – o livre exercício das expressões culturais e a salvaguarda dos conhecimentos e dos territórios tradicionais próprios;
V – o reconhecimento e a valorização da ancestralidade dos povos e das comunidades tradicionais de terreiro e de matriz africana como parte constituinte da identidade brasileira;
VI – a preservação e a difusão do patrimônio material e imaterial e das expressões culturais dos povos e das comunidades tradicionais de terreiro e de matriz africana; e
VII – a intersetorialidade como fundamento para o cumprimento das iniciativas propostas pela Política.
CAPÍTULO III
DOS OBJETIVOS
Art. 6º São objetivos da Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana:
I – promover o acesso a direitos, por meio de políticas públicas intersetoriais que assegurem o reconhecimento de suas culturas, dos seus modos de vida, dos seus conhecimentos, das suas práticas e dos seus territórios próprios;
II – estimular a participação dos povos e das comunidades tradicionais de terreiro e de matriz africana no âmbito da Política Nacional sobre Mudança do Clima, da Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais e das demais políticas estruturantes de governança ambiental;
III – promover a segurança alimentar e nutricional dos povos e das comunidades tradicionais de terreiro e de matriz africana, respeitados os seus sistemas de organização social, e valorizar as suas práticas, os seus conhecimentos, e as suas tecnologias próprias;
IV – articular nas redes de ensino a efetividade da inclusão da história e das culturas afro-brasileira e indígena;
V – criar mecanismos de enfrentamento do racismo e da discriminação étnica, racial, de gênero e religiosa contra os povos e as comunidades tradicionais de terreiro e de matriz africana, a fim de superar as desigualdades históricas e estruturais;
VI – atuar em cooperação com outros órgãos e entidades para a formação de agentes públicos, na formulação de planos e protocolos de segurança e de implementação de práticas institucionais antirracistas, com vistas ao adequado atendimento e ao acolhimento das vítimas, para a superação de violências decorrentes do racismo religioso;
VII – estimular a produção de estatísticas e de estudos analíticos qualitativos e quantitativos, a partir de base de dados integrada, relacionadas às denúncias de racismo religioso e de intolerância religiosa contra os povos e as comunidades tradicionais de terreiro e de matriz africana;
VIII – promover a inclusão em políticas públicas sociais das famílias pertencentes aos povos e às comunidades tradicionais de terreiro e de matriz africana;
IX – fomentar práticas de agroecologia, empreendedorismo, turismo, educação ambiental, fornecimento energético, saneamento e valorização cultural e social dos conhecimentos e das práticas dos povos e das comunidades tradicionais de terreiro e de matriz africana;
X – promover a proteção ambiental dos territórios dos povos e das comunidades tradicionais de terreiro e de matriz africana; e
XI – preservar e difundir o patrimônio material e imaterial e as expressões culturais dos povos e das comunidades tradicionais de terreiro e de matriz africana.
CAPÍTULO IV
DOS PLANOS DE AÇÃO
Art. 7º Serão instituídos planos de ação, de caráter bienal, no âmbito da administração pública federal, com a finalidade de implementar a Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana.
Art. 8º O Plano de Ação para o biênio 2025-2026 compreenderá ações e iniciativas nos seguintes eixos estruturantes:
I – eixo 1 – direitos socioculturais e cidadania;
II – eixo 2 – enfrentamento do racismo religioso; e
III – eixo 3 – fortalecimento territorial e inclusão produtiva.
Art. 9º O Plano de Ação para o biênio 2025-2026 tem como finalidade ordenar as ações desenvolvidas no âmbito da Política e orientar a atuação do Estado e a utilização dos recursos públicos para o desenvolvimento dos povos e das comunidades tradicionais de terreiro e de matriz africana no território nacional.
§ 1º O Plano de Ação para o biênio 2025-2026 poderá ser executado em regime de cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, mediante a assinatura de termo de adesão.
§ 2º O Ministério da Igualdade Racial apoiará a elaboração de planos de ação estaduais, distrital, regionais e municipais, em conformidade com o Plano de Ação para o biênio 2025-2026, com o objetivo de fortalecer a gestão descentralizada.
§ 3º Os planos de ação bienais poderão ser renovados ou reformulados após o término de sua vigência.
CAPÍTULO V
DO COMITÊ GESTOR
Art. 10. Ato conjunto da Ministra de Estado da Igualdade Racial, da Ministra de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania, do Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública, da Ministra de Estado da Cultura e do Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar instituirá comitê gestor com a finalidade de monitorar e avaliar a implementação da Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana e dos seus planos de ação bienais.
Parágrafo único. O ato de que trata o caput:
I – disporá sobre a composição do colegiado, as suas competências e a sua forma de funcionamento; e
II – observará o disposto no Capítulo VI do Decreto nº 12.002, de 22 de abril de 2024.
CAPÍTULO VI
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 11. O Ministério da Igualdade Racial coordenará a implementação da Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana e dos seus planos de ação bienais.
Art. 12. Para a implementação da Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana e dos seus planos de ação bienais, poderão ser firmados convênios, acordos, ajustes e instrumentos congêneres entre órgãos e entidades da administração pública federal com os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, entidades privadas sem fins lucrativos e organismos internacionais, observado o disposto na legislação.
Parágrafo único. A Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana contribuirá para ampliar a adesão dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial – Sinapir, por meio de ações articuladas que promovam a implementação de políticas públicas de igualdade racial.
Art. 13. A execução da Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana será custeada por:
I – dotações orçamentárias da União consignadas anualmente aos orçamentos dos órgãos e das entidades envolvidas, observados os limites de movimentação, de empenho e de pagamento estabelecidos anualmente;
II – fontes de recursos destinadas pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios e por entidades públicas e privadas, por meio de instrumentos de parceria previstos na legislação; e
III – recursos oriundos de doações, de qualquer natureza, de pessoas físicas ou jurídicas do País ou do exterior; e
IV – recursos de outras fontes, observado o disposto na legislação.
Art. 14. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 29 de novembro de 2024; 203º da Independência e 136º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Margareth Menezes da Purificação Costa
Luiz Paulo Teixeira Ferreira
Macaé Maria Evaristo dos Santos
Anielle Francisco da Silva
Enrique Ricardo Lewandowski