A 4ª Vara Federal de Porto Alegre anulou o ato que excluiu uma mulher acometida com surdez unilateral do concurso promovido pela Caixa Econômica Federal para contratação exclusiva de pessoas com deficiência (PCD) e garantiu sua vaga. A sentença, publicada na quinta-feira (25/7), é do juiz Fábio Vitório Mattiello.
A autora ingressou com a ação contra a Caixa e a Fundação Cesgranrio narrando que o participou do certame para concorrer ao cargo de Técnico Bancário Novo. Afirmou que que ela foi eliminada sob o fundamento de não caracterização da deficiência.
A mulher de 34 anos pontuou que é PCD em razão de impedimento neurossensorial decorrente de perda auditiva profunda em ouvido esquerdo, de origem indeterminada e caráter irreversível. Sustentou que o quadro de deficiência sensorial compromete a localização espacial da fonte sonora em situações cotidianas, ocasionando consideráveis barreiras de restrição.
Em sua defesa, a Caixa alegou que o Decreto nº 5.296/04 caracteriza como deficiência auditiva a perda bilateral de audição de, pelo menos, 41 decibéis. Pontuou que a Súmula nº 552/STJ dispõe que “O portador de surdez unilateral não se qualifica como pessoa com deficiência para o fim de disputar as vagas reservadas em concursos públicos”. Este argumento também foi destacado pela Fundação Cesgranrio, que ainda argumentou que não é dado ao Poder Judiciário interferir no mérito administrativo e que não há flagrante ilegalidade ou erro material.
Ao analisar o caso, o juiz federal Fábio Vitório Mattiello apontou que a Lei nº 13.146/15 define pessoa com deficiência como “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. Tal conceito, segundo ele, impõe “a inadequação do estabelecimento de critérios objetivos para a afirmação da deficiência sem a necessária análise de elementos atinentes à subjetividade do indivíduo que se diz impedido física, mental, intelectual ou sensorialmente”.
O magistrado ressaltou que não se ignora o teor da Súmula n. 552/STJ, mas, além de afrontar o conceito constitucional de pessoa com deficiência previsto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ela foi superada com a vigência da Lei nº 13.146/15.
Mattiello também trouxe, na sentença, julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal em que se firmou que “é inconstitucional e ilegal a interpretação dada ao art. 4º do Decreto n. 3.298/99 no sentido de que apenas as pessoas acometidas de surdez bilateral são consideradas pessoas com deficiência. A única exegese possível do dispositivo é a que reconhece, jure et de jure, a deficiência das pessoas que se encontrem nas situações que elenca, sem prejuízo de aqueles que não se encontrarem poderem provar, mediante perícia biopsicossocial, a deficiência que alegam”.
Assim, o juiz determinou, durante a tramitação do processo, a realização de perícia médica e assistencial. A partir das provas, ele concluiu que a mulher “é acometida de surdez unilateral, que configura, no caso, impedimento de longo prazo de natureza sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, obstrui sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, enquadrando-se no conceito de pessoa com deficiência previsto na Lei n. 13.146/2015”.
O magistrado julgou procedente a ação determinando a anulação do ato que excluiu a autora do concurso, a retificação da lista final de aprovados e a garantia, imediata, da vaga caso haja convocação de candidato com pior classificação no certame para o mesmo Polo/Macropolo/UF, observadas as demais exigências do edital para a posse. Cabe recurso da decisão ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
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