Mariana dos Anjos Ramos Carvalho e Silva – Doutoranda em Direito do Trabalho na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), Mestre em Direito Internacional pela USP, Bacharel em Direito pela USP e Advogada Sócia da Anjos Ramos Sociedade de Advogados.
A CLT normatiza no seu capítulo V (“Da Segurança e da Medicina do Trabalho”) que cabe às empresas cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, bem como instruir os empregados através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais(1).Cabe aos empregados observar as normas de segurança e medicina do trabalho, inclusive as instruções constantes nas ordens de serviços emitidas pelo empregador (artigo 158, I da CLT). É direito constitucional do trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (artigo 7º, XXII da CF).Tais dispositivos somados à eficácia horizontal do direito à saúde(2), ampliada pelo momento de pandemia mundial, impõe ao empregador e ao empregado comportamentos voltados aos programas de saúde e segurança do trabalho.
Como exemplo, a Norma Regulamentadora n.º 32(3) (Segurança e Saúde no Trabalho em Estabelecimentos de Saúde) dispõe expressamente o dever do empregador de serviços de saúde fornecer gratuitamente vacinas que combatem infecções a agentes biológicos, devendo o programa de vacinação constar do PCMSO.
Soma-se a isso a ideia de que a vacinação deve ser vista como de interesse coletivo(4), a premissa é de que o empregado não vacinado estaria colocando em risco a saúde dos demais trabalhadores. Portanto, seria mais que um direito, seria um dever do empregador o afastamento daquele indivíduo para preservar o ambiente de trabalho.
Dessa forma, o ente patronal no exercício do poder fiscalizatório pode aplicar a penalidade máxima da ruptura por ato de indisciplina (artigo 482, ‘h’ da CLT e artigo 158, parágrafo único da CLT), embora seja recomendado o uso da proporcionalidade na aplicação da pena nos termos recomendados no estudo técnico sobre vacinação do Ministério Público do Trabalho(5). O ato faltoso restaria configurado no desrespeito aos dispositivos legais e regulamentares sobre segurança e saúde do trabalho. Esse entendimento está também fundamentado no risco do empregador ser responsabilizado em razão de contrair o empregado a COVID 19 no ambiente laboral.
Embora reforce o argumento da possibilidade de aplicação de penalidade, cabe pontuar que não se pode confundir essa responsabilidade do empregador com a vacinação de cunho forçoso. Há decisão recente do STF na ADIs 6586 e 6587 que entende pela constitucionalidade do dispositivo que possibilita a vacinação compulsória eis que essa não representa violação da liberdade de consciência e convicção filosófica, todavia ressalva(6):
“Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação direta, para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 3º, III, d, da Lei nº 13.979/2020, nos termos do voto do Relator e da seguinte tese de julgamento: “(I) A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício decertas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes, e (i) tenham como base evidências científicas e análises estratégicas pertinentes, (ii) venham acompanhadas de ampla informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes, (iii) respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas, (iv)atendam aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade e (v) sejam as vacinas distribuídas universal e gratuitamente; e (II) tais medidas, com as limitações acima expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência”. Vencido, em parte, o Ministro Nunes Marques. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 17.12.2020
Por fim, para contrapor os fundamentos acima expostos quanto aos impactos para o trabalhador na recusa de se vacinar, a Constituição Federal apresenta nos artigos 6º e artigo 5º, I a previsão do direito ao trabalho e o princípio da legalidade. Então, em sentido oposto ao acima defendido, discorre Calvet(7):
“O problema é que a restrição ao emprego afeta o direito ao trabalho daquele indivíduo que, se não pode permanecer em determinado trabalho por não ter se vacinado, obviamente também poderá ter sua admissão recusada em outras empresas pelo mesmo motivo. Cria-se, assim, uma classe de trabalhadores alijada do mundo do trabalho: os não vacinados. E assim conclui: “E inexiste, até o momento, qualquer regra jurídica que determine como requisito para manutenção ou admissão em emprego estar o trabalhador vacinado”
Ou seja, segundo esse entendimento, haveria uma afronta ao princípio da legalidade caso houvesse uma dispensa com ou sem justa causa para aqueles trabalhadores que se recusam a vacinar.
Por todo o exposto acima, embora haja a previsão da legalidade, se conclui que o melhor caminho a ser adotado é a razoabilidade das medidas, com adoção de previsão sobre vacinação nos Programas de Segurança e Saúde do Trabalho. Todavia, caso não seja possível, o ideal é adotar a construção de diálogo na empresa para conscientização dos benefícios da vacina, respeitar à privacidade e encaminhar a recusa para o médico do trabalho, bem como esclarecer sobre as possíveis consequências jurídicas. Caso, mesmo assim seja mantida a recusa injustificada, a empresa é responsável por aplicar as penalidades cabíveis, inclusive a dispensa por justa causa, de forma a proteger o interesse coletivo e a saúde dos trabalhadores.
Notas:
(1) Esse entendimento também é reforçado pela previsão da Norma Regulamentadora n.1, n.7 (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO) e n. 9 (Programa Prevenção a Riscos Ambientais – PPRA), bem como artigo 19 e seguintes da lei 8.213 de 1991 que estabelece a responsabilidade empresarial pela adoção de medidas de proteção individuais e coletivas e o quanto previsto na Lei 8.080/90. Art. 6º, § 3º sobre saúde do trabalhador.
(2) “Diante da eficácia horizontal que se reconhece ao direito à saúde, portanto, há duas conclusões inarredáveis: a) as empresas são obrigadas a colaborar com o plano nacional de vacinação; b) os trabalhadores também são obrigados a colaborar com as medidas de saúde e segurança do trabalho preconizadas pelas empresas, que devem incluir a vacinação como estratégia do enfrentamento da COVID – 19 no ambiente de trabalho”. GUIA TÉCNICO INTERNO DO MPT SOBRE VACINAÇÃO DA COVID – 19, p. 60. Disponível em: https://mpt.mp.br/pgt/noticias/estudo_tecnico_de_vacinacao_gt_covid_19_versao_final_28_de_janeiro-sem-marca-dagua-2.pdf. Acesso em: 18/02/2021.
(3) “32.2.4.17.1 A todo trabalhador dos serviços de saúde deve ser fornecido, gratuitamente, programa de imunização ativa contra tétano, difteria, hepatite B e os estabelecidos no PCMSO. 32.2.4.17.2 Sempre que houver vacinas eficazes contra outros agentes biológicos a que os trabalhadores estão, ou poderão estar, expostos, o empregador deve fornecê-las gratuitamente. 32.2.4.17.3 O empregador deve fazer o controle da eficácia da vacinação sempre que for recomendado pelo Ministério da Saúde e seus órgãos, e providenciar, se necessário, seu reforço. 32.2.4.17.4 A vacinação deve obedecer às recomendações do Ministério da Saúde. 32.2.4.17.5 O empregador deve assegurar que os trabalhadores sejam informados das vantagens e dos efeitos colaterais, assim como dos riscos a que estarão expostos por falta ou recusa de vacinação, devendo, nestes casos, guardar documento comprobatório e mantê-lo disponível à inspeção do trabalho. 32.2.4.17.6 A vacinação deve ser registrada no prontuário clínico individual do trabalhador, previsto na NR-07. 32.2.4.17.7 Deve ser fornecido ao trabalhador comprovante das vacinas recebidas.” Disponível em: https://www20.anvisa.gov.br/segurancadopaciente/index.php/legislacao/item/portaria-n-485-de-11-de-novembro-de-2005. Acesso em: 18/02/2021.
(4) Artigo 8 da CLT prevê essa prevalência do interesse coletivo sobre o individual.
(5) O estudo prevê a avaliação clínica prévia a qualquer penalidade a fim de verificar se a recusa é justificada ou injustificada. Em sendo justificada, a empresa deve adotar medidas de proteção. Não sendo justificada, a empresa deve verificar medidas para esclarecimento do trabalhador quanto à vacinação e a respeito das consequências jurídicas. Persistindo a recusa, o trabalhador deverá ser afastado do meio ambiente de trabalho e poderá ser aplicada às sanções disciplinares, inclusive a justa causa. GUIA TÉCNICO INTERNO DO MPT SOBRE VACINAÇÃO DA COVID – 19, p. 63.
(6) Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6033038. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6034076. Acesso em: 18/02/2021.
(7) Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jan-12/trabalho-contemporaneo-poder-diretivo-vacinacao-obrigatoria-justa-causa. Acesso em: 05.02.2021