A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a Associação Centro Dom Bosco de Fé, por não atuar em nome da Igreja Católica Apostólica Romana, não tem legitimidade para ajuizar ação com o objetivo de impedir o uso da expressão “católicas” pela entidade Católicas pelo Direito de Decidir, que defende a legalização do aborto.
Na ação, o Centro Dom Bosco havia pedido o reconhecimento do uso indevido do termo “católicas” pela entidade demandada, sob o argumento de que sua atuação e finalidade revelariam pública e notória incompatibilidade com a doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana.
O juízo de primeiro grau considerou a autora carente de legitimidade ativa e extinguiu o processo sem resolução de mérito. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), porém, reformou a sentença e determinou que a associação Católicas pelo Direito de Decidir se abstivesse de utilizar a expressão em seu nome, devendo excluí-la do estatuto social – o que a levou a recorrer ao STJ.
Sem relação jurídica de direito material
Em seu voto, a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, sublinhou que o caso não envolve a discussão sobre descriminalização do aborto, mas o uso da palavra “católicas” pela entidade demandada e a legitimidade da associação autora para pedir judicialmente sua exclusão.
Segundo a ministra, a ilegitimidade do Centro Dom Bosco decorre do fato de não haver nenhuma relação jurídica de direito material entre ela e a entidade ré. A legitimidade das partes para atuar em juízo – explicou a magistrada – deve ser aferida à luz das afirmações da petição inicial, ou seja, a partir da relação jurídica de direito material indicada pelo autor da ação.
Com base nas alegações apresentadas na petição inicial, a relatora comentou que quem teria, em tese, ligação direta com o direito material discutido no processo não seria o Centro Dom Bosco – uma associação de fiéis –, mas a própria Igreja Católica, organização religiosa que é pessoa jurídica de direito privado autônoma e titular da própria esfera jurídica, nos termos do inciso IV, do artigo 44, do Código Civil.
“Em outras palavras, a associação autora não é titular do direito que pretende ver tutelado, notadamente porque não possui ingerência sobre a utilização, por terceiros, da expressão ‘católicas'”, afirmou.
Poder civil para representar a Igreja Católica
Nancy Andrighi ponderou que, conforme ressaltado na sentença, embora os objetivos das associações de fiéis estejam intimamente ligados aos fins religiosos da Igreja, não foi outorgado a elas o poder civil para representar os interesses da organização religiosa perante o Estado – poder que pertenceria às autoridades eclesiásticas constituídas pela própria organização religiosa.
“Assim, sob qualquer ângulo que se analise a questão e tendo em vista que, nos termos do artigo 18 do Código de Processo Civil, ninguém pode pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico, conclui-se que a associação autora carece de legitimidade para o ajuizamento da presente ação”, afirmou a ministra.
Leia o acórdão no REsp 1.961.729.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1961729
STJ