Victor Hugo Tavares Mendonça – Especialista em Direito Previdenciário. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás(2012).
RESUMO: O presente artigo tem como objeto de estudo o benefício previdenciário da pensão por morte, e a delimitação do estudo se volta para a análise das mudanças provocadas nesse benefício pelo advento da Emenda Constitucional 103 de 2019, popularmente conhecida como Reforma da Previdência. Sabe-se que essa Reforma foi responsável por fazer profundas mudanças no sistema previdenciário brasileiro, e muito se questiona sobre a sua legitimidade à luz dos princípios constitucionais, notadamente a dignidade da pessoa humana. O objetivo é verificar se as mudanças legislativas no benefício de pensão por morte formam realmente benéficas para o segurado e seus dependentes. No que se refere aos procedimentos metodológicos, serão utilizados o método dedutivo e a metodologia de pesquisa bibliográfica.
PALAVRAS-CHAVE: Reforma. Pensão por morte. Mudanças.
INTRODUÇÃO
A Previdência Social integra a Seguridade Social, e oferece benefícios previdenciários para os seus filiados, os chamados segurados. Um dos benefícios concedidos pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS é a Pensão por Morte, cujo objetivo é assegurar os dependentes do segurado acometido pelo evento morte, para que fiquem amparados logo após o provedor da família vier a óbito, e assim, mantendo sua integridade.
O presente artigo aborda o benefício de pensão por morte, benefício devido pela Previdência Social aos dependentes do segurado, quando do advento do seu óbito. O benefício de pensão por morte é um dos mais requeridos, e tem o escopo de proteger os dependentes do segurado, visando manter o sustento dos mesmos diante da ausência do possível provedor da família.
Muitos autores apontam a morte como sendo o bem jurídico tutelado pela pensão por morte. Por outro lado, outros doutrinadores entendem que o bem jurídico a ser tutelado é o sustento dos dependentes do segurado, objetivando proporcionar aos mesmos a dignidade humana.
Fato é que o benefício é deveras necessário para a população. Nesse vértice, os requisitos para a sua concessão devem ser verificados e estabelecidos com cautela. Mas o presente estudo precisa de uma delimitação, nesse sentido, a delimitação se situa na Emenda Constitucional 103 de 2019.
Assim, no ano de 2019 adveio no mundo jurídico a Emenda em questão, popularmente conhecida como Reforma da Previdência. Essa Reforma provocou várias mudanças no benefício de pensão por morte.
O presente artigo tem o objetivo de verificar a legitimidade das mudanças sofridas pela pensão por morte à luz dos princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, visando responder se essas modificações foram realmente benéficas para os dependentes do segurado.
A justificativa para a escolha do presente tema se refere a necessidade de aprofundamento teórico no assunto. A pensão por morte é um dos benefícios mais concedidos pela Previdência Social, por esse motivo, proporciona grande proteção financeira às famílias brasileiras. Logo, é de grande importância discutir as mudanças ocasionadas nesse importante benefício do Regime Geral da Previdência Social.
O artigo seguiu a metodologia bibliográfica, e todos os fundamentos foram buscados em livros, artigos, e na própria letra da lei. O desenvolvimento se inicia com a tratativa a respeito da Previdência Social, posteriormente o foco se volta para a pensão por morte, e por fim se discute a legitimidade das mudanças ocasionadas nesse benefício pela Reforma da Previdência.
1 DA PREVIDÊNCIA SOCIAL E A PENSÃO POR MORTE
A Previdência Social integra o sistema de Seguridade Social, juntamente com a Assistência Social e com a Saúde. A Previdência também é considerado um direito social e encontra-se prevista expressamente no texto da Constituição Federal de 1988. Vários são os benefícios oferecidos pela Previdência, como é o caso das aposentadorias, e o benefício de pensão por morte.
Nesse estudo, o foco será a pensão por morte, por isso é importante compreender os principais pontos a seu respeito. O risco social protegido por esse benefício é subsistência de dependentes do segurado. Assim, trata-se de benefício pago aos dependentes do segurado que vier a falecer. A ideia é que o benefício substitua a remuneração do segurado falecido, para que a família possa prover seu próprio sustento, mantendo, assim, a sua dignidade (CASTRO; LAZZARI, 2020).
De acordo com o artigo 16 da Lei 8213/1991, a pensão por morte tem como beneficiários o cônjuge ou companheiro, bem como o filho, desde que não seja emancipado, e que tenha menos de 21 anos de idade, ou que seja inválido ou tenha algum tipo de deficiência, independentemente de sua idade. Também são beneficiários os pais e o irmão não emancipado menor de 21 aos de idade, ou que tenha algum tipo de deficiência ou invalidez, independentemente da idade.
Santos leciona em sua obra que esse benefício, juntamente com a aposentadoria, é um dos mais importantes da Previdência Social:
A pensão por morte, juntamente com a aposentadoria constituem os mais importantes benefícios em um sistema de previdência, tanto que, a instituição de regime próprio de previdência pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obrigatoriamente, devem assegurar, pelo menos as aposentadorias e pensão por morte previstas no art. 40 da CF, também expresso no § 3º, art. 12, do Decreto n. 3.048/99. A pensão é exclusivamente voltada para o amparo da família que perde o seu mantenedor em virtude do evento morte. É um benefício tipicamente familiar, destinado ao sustento dos dependentes do segurado, garantido a continuidade, sem surpresa pela falta de recursos para o sustento. Contribui para o desenvolvimento do ser humano dentro da sociedade familiar. (SANTOS, 2018, p. 115)
Como destacado pelo autor, a pensão por morte se volta para o amparo da família, quando da morte do segurado, o mantenedor da família. A pensão por morte pode ter origem comum ou acidentária. Ela será acidentária quando a morte do segurado decorrer de um acidente de trabalho ou por uma doença ocupacional. Ela será considerada comum quando ocorrer por qualquer outro evento diversos.
2 DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA
No ano de 2019 uma reforma foi realizada no sistema previdenciário nacional, e a Emenda Constitucional 103 de 2019 foi aprovada. Essa Emenda é conhecida popularmente como Reforma da Previdência ou Reforma Previdenciária. Ela foi a responsável por modificar substancialmente os regramentos dos benefícios previdenciários, notadamente do benefício da pensão por morte.
Conforme as lições de Leal, Portela, Maia e Kauam, as alterações entraram em vigor imediatamente:
A Emenda Constitucional promoveu significativa alteração no sistema de seguridade social brasileiro, trazendo novas regras tanto para o Regime Geral de Previdência Social como para os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos. Em princípio, todas as novas regras entraram em vigor imediatamente, na data da publicação da Emenda (respeitada a vacatio legis prevista para algumas hipóteses especificadas no art. 36 da Emenda Constitucional (LEAL; et. al, 2020, p. 12).
Assim, não houve sequer um tempo para a adaptação às novas regras. Claro que o novo regramento não será aplicado integralmente de forma imediata em todos os casos, houve o estabelecimento de regras de transição para os benefícios.
O projeto, quando apresentado, era um dos mais polêmicos e complexos Projetos de Emenda Constitucional da história jurídica contemporânea brasileira, notadamente por atingir um dos mais sensíveis pontos de sustentação dos direitos sociais, os regramentos constitucionais de financiamento e de pagamento dos benefícios relacionados com previdência e assistência social (MARTINEZ, 2020).
3 AS MUDANÇAS NA PENSÃO POR MORTE OCASIONADAS PELA REFORMA DA PREVIDÊNCIA
De acordo com Felipe Balera (2020, p. 10) “Do ponto de vista social, era certo que haveria enrijecimento das regras para a concessão de benefícios previdenciários, dificultando o exercício dos direitos sociais”. Faz-se necessário compreender essas mudanças, e verificar se elas são constitucionais.
De acordo com as lições de Castro e Lazzari (2020), o cálculo do benefício se modificou com o advento da Reforma da Previdência. Agora, caso o segurado não esteja aposentado, e o óbito for decorrente de doença de trabalho ou doença de trabalho, a aposentadoria que serve de base será equivalente a 100% do salário de benefício.
Importante destacar que caso o óbito decorra de qualquer outra causa, servirá de base a aposentadoria que terá “um coeficiente de 60% do salário de benefício, com acréscimo de dois pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 anos de contribuição, no caso dos homens, e dos 15 anos, no caso das mulheres” (CASTRO; LAZZARI, 2020, p. 1185).
Outra mudança significativa se refere a renda inicial do benefício de pensão por morte. Após o advento da Reforma da Previdência, a renda mensal inicial passou a ser de 50% do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou daquela que faria direito se fosse aposentado por capacidade permanente na data de seu falecimento, com o acréscimo de cotas de dez pontos percentuais por dependente, sendo que o máximo será 100%.
Alves, de forma mais didática, explica essa mudança:
Com a Reforma da Previdência – EC 103, a família passa a ter direito a 50% da aposentadoria do segurado falecido ou daquela a que teria direito se fosse aposentado – por incapacidade permanente, com acréscimo de 10% por dependente, até o limite de 100%. Nesse caso, tendo um único dependente, o valor da pensão será de 60% da aposentadoria do segurado falecido ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente, aumentando 10% caso tenha mais dependentes. (ALVES, 2020, p. 92)
Assim, a Emenda Constitucional 103 de 2019 vedou a acumulação de mais de um benefício de pensão por morte no âmbito do mesmo regime de Previdência, ressalvadas as pensões do mesmo instituidor decorrentes do exercício de cargos acumuláveis.
Por fim, é impor destacar que a pessoa que já recebia o benefício de pensão por morte, antes da reforma, não terá o valor do benefício modificado, tendo em vista o seu direito adquirido.
Assim, só será possível perder o benefício pelo advento do “pente fino”:
Perde o direito à pensão por morte o condenado criminalmente por sentença com trânsito em julgado, como autor, coautor ou partícipe de homicídio doloso, ou de tentativa desse crime, cometido contra a pessoa do segurado, ressalvados os absolutamente incapazes e os inimputáveis. Perde o direito à pensão por morte o cônjuge, o companheiro ou a companheira se 10 comprovada, a qualquer tempo, simulação ou fraude no casamento ou na união estável, ou a formalização desses com o fim exclusivo de constituir benefício previdenciário, apuradas em processo judicial, no qual será assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa (ALVES, 2020, p. 89).
Portanto, é sabido que a Previdência Social se destina a proteção social dos segurados, um dos objetivos é realizar a devida redistribuição de renda, contribuindo para uma maior igualdade social. Todos os benefícios, inclusive a pensão por morte, possuem um viés social em sua existência. Modificar a sua estrutura, dificultando ou mudando a base de cálculo do benefício de forma a prejudicar o segurado, não é o melhor caminho a se seguir.
CONCLUSÃO
Conforme visto no desenvolvimento do presente estudo, A Previdência Social tem como objetivo principal, a proteção das pessoas que passam por uma situação que pode modificar sua situação financeira (o chamado fato gerador do benefício). Considerando a ideia principal da proteção social, podemos afirmar que ela se destina, também, a assegurar a devida distribuição de renda.
Ademais, a pensão por morte é um benefício fundamental para os dependentes dos segurados. Grande parte das famílias é sustentada por um integrante, ou o seu salário faz grande diferença no sustento da família. Nesse sentido, a pensão por morte permite que os dependentes possam continuar se sustentado.
A Previdência Social é alvo de muitas modificações legislativas, e a mais recente é a Emenda Constitucional 103 de 2019 (Reforma da Previdência). Essa Reforma reformulou toda a base de benefícios do Regime Geral. As mudanças mais substanciais, notadamente na pensão por morte, se referem a base de cálculo do benefício, como visto anteriormente.
Nota-se que essas mudanças não estão de acordo com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, visto que a diminuição da base de cálculo para a renda inicial do benefício poderá causar prejuízos financeiros para as famílias dependentes do segurado falecido.
Ainda, é perceptível o desrespeito ao princípio da vedação ao retrocesso social. De acordo com esse princípio, entende-se que essas mudanças legislativas, por versarem sobre direitos constitucionais (a previdência é um direito social previsto na Constituição Federal), devem sempre ampliar a proteção do direito, ou proporcionar maior benefício às pessoas nas quais esse direito se direciona.
No caso da pensão por morte, após a EC 103 de 2019, haverá uma maior dificuldade de acesso ao benefício, e as pessoas que forem beneficiadas com a pensão por morte, não poderão, inicialmente, usufruir do valor de 100% do mesmo, devido a sua nova base de cálculo. Assim, as modificações não foram benéficas para os segurados e seus dependentes.
REFERÊNCIAS
ALVES, Hélio Gustavo. Guia prático dos benefícios previdenciários. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
BALERA, Felipe Penteado. Limites Constitucionais ao Poder de Reforma. Possíveis inconstitucionalidades da Emenda Constitucional da Reforma da Previdência, In: O que muda com a reforma da previdência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 23. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
LEAL, Bruno Bianco; PORTELA, Felipe Mêmolo; MAIA, Maurício. KAUAM, Miguel Cabrera. Reforma Previdenciária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.
SANTOS, Roberto de Carvalho. Direito Previdenciário. Belo Horizonte: Ieprev, 2018.
MARTINEZ, Luciano. Reforma da previdência: Emenda Constitucional n. 103, de 12 de novembro de 2019: entenda o que mudou, São Paulo: Saraiva Educação, 2020.