Afastada a justa causa aplicada a metroviário que cobrou medidas mais efetivas contra a Covid-19 nos trens de BH em 2020

Para a relatora, o trabalhador estava amparado pela liberdade sindical quando fez críticas contundentes aos gestores, em conversa marcada por grande tensão.

A Justiça do Trabalho afastou o pedido de reconhecimento de falta grave do trabalhador de uma empresa de transporte de passageiros sobre trilhos, que ocupava o cargo de direção no sindicato profissional e que cobrou dos empregadores medidas mais efetivas no combate à Covid-19. A decisão é dos julgadores da Quarta Turma do TRT-MG, que mantiveram, sem divergência, a sentença proferida pelo juízo da 7ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte.

A empregadora, que atua na Região Metropolitana de Belo Horizonte, queria reconhecimento da existência de falta grave, com extinção do contrato de trabalho por justa causa. Relatou que, em 24/6/2020, véspera de greve anunciada pela categoria profissional, o empregado teria agredido moralmente os superiores hierárquicos e gestores da companhia, de forma pública, na transmissão de vídeo de uma reunião realizada entre dirigentes do sindicato e trabalhadores pela internet. Na reunião, o trabalhador cobrou medidas de combate à pandemia, fez críticas contundentes aos gestores e “buscou denunciar o que considerava como comportamento inconsequente e insensato por parte deles”.

Em determinado momento do vídeo, ele chama os superiores de irresponsáveis. “(…) se faltar trem pra população, é porque o Sr. … , guarda esse nome: … é um irresponsável, e o Sr. …, que está acima dele, é outro irresponsável, que está vendo tudo isso e não faz nada. O Sr. … é outro irresponsável”, afirmou o representante sindical.

Estabilidade de representante sindical

Como o profissional ocupa cargo de direção no sindicato, ele tem estabilidade provisória, nos termos do artigo 543, parágrafo 3º, da CLT. Segundo a desembargadora Denise Alves Horta, relatora no processo, “só pode ser dispensado por falta grave mediante a apuração em inquérito judicial, conforme os artigos 494 e 543, parágrafo 3º, da CLT”.

A empresa, que requereu a instauração de inquérito judicial para apuração da suposta falta grave, alegou que, no caso, não havia a necessidade de majoração da pena, pois o profissional “agrediu moralmente (com calúnia, injúria e difamação) e ainda de forma pública os superiores hierárquicos e gestores da Companhia, configurando falta grave nos termos do disposto no artigo 482 da CLT”. Segundo a empresa, “o vídeo teve grande número de visualizações, causando repercussão, e que os ataques feitos foram infundados, uma vez que a empregadora sempre adotou as medidas necessárias à segurança e saúde dos trabalhadores”.

Mas, em sua defesa, o trabalhador explicou que “o vídeo traz em seu bojo apenas uma postura crítica dele, no exercício da sua liberdade sindical, em relação à Coordenação Operacional – Revisão de Trens, mormente com relação à ineficácia das medidas adotadas para se prevenirem novos casos de Covid-19 entre os colaboradores da companhia”. Para ele, essa postura nada mais é do que uma das várias consequências naturais do pleno exercício da função sindical, “qual seja, defender a saúde daqueles que representa”.

Ao avaliar o vídeo da reunião, a desembargadora relatora atribuiu razão ao representante sindical. Na visão da julgadora, houve troca de informações e discussão sobre a questão do risco de contaminação com o vírus causador da Covid-19 no exercício das funções, o que era motivo de grande preocupação entre os trabalhadores, tendo em vista o crescente número de casos confirmados da doença entre os empregados. “Foi exposto o anseio da categoria em implementar algumas medidas como forma de se preservar a saúde e a vida dos trabalhadores, de suas famílias, da população e, ademais, a continuidade da prestação de serviços”.

Afastada incontinência de conduta

Segundo a magistrada, foi relatado que alguns gestores não concordavam com a proposta de adoção de escala reduzida e revezamento, chegando a fazer ameaça de cortes de salários dos empregados que aderissem ao revezamento. Foi afirmado que, “caso houvesse mortes causadas pela Covid-19 entre membros da categoria, o sindicato cobraria a responsabilização dos gestores, pois eles já estavam cientes dos riscos”.

Para a julgadora, foi uma conversa marcada por grande tensão, cuja tônica foi a intensa preocupação em se evitar a ocorrência de mortes entre colegas de trabalho pela Covid-19. “Foi a partir desse contexto que o representante sindical proferiu críticas contundentes contra os gestores”.

Porém, considerando as circunstâncias do caso, em especial a gravidade do assunto que era tratado na reunião, a desembargadora entendeu que a atitude do trabalhador não chegou a configurar incontinência de conduta, mau procedimento, ato de indisciplina ou de insubordinação ou ato lesivo da honra ou da boa fama praticado contra empregador ou superiores hierárquicos (artigo 482, alíneas ‘b’, ‘h’ e ‘k’, da CLT), “não caracterizando, portanto, o cometimento de falta apta a configurar a ruptura contratual por justa causa”, ressaltou.

Liberdade sindical

Segundo a julgadora, a conduta do profissional não desborda dos deveres atribuídos, na qualidade de dirigente sindical de defesa dos interesses da categoria profissional. “Com efeito, o seu discurso se insere no âmbito do exercício regular da representatividade sindical. E, ao pronunciar-se na condição de dirigente sindical, estava amparado pela liberdade sindical prevista constitucionalmente e em convenções da OIT ratificadas pelo Brasil, como as de nº 98, 135 e 154”.

Assim, mesmo reconhecendo que o empregado excedeu no uso dos adjetivos dirigidos aos gestores, a desembargadora negou provimento ao recurso da empregadora, sendo acompanhada pelos demais julgadores, concluindo que, “diante do contexto dos autos, o fato apontado não caracteriza ato qualificável como falta grave do trabalhador capaz de legitimar a demissão por justa causa pretendida”. O processo foi enviado ao TST para análise do recurso de revista.

TRT3

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