A 3ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) manteve, por unanimidade, decisão que anulou contrato de prestação de serviços advocatícios celebrados entre dois advogados e homem analfabeto. Os desembargadores concluíram que os réus não obedeceram requisitos do Código Civil para assinatura de contrato com pessoas não alfabetizadas.
O autor afirma que celebrou contrato com os réus, em junho de 2019, para propor ação contra o Instituto Nacional do Seguro Nacional (INSS), com vistas a receber o benefício previdenciário, fruto de acidente de trabalho. Informa que é analfabeto, somente sabe assinar o próprio nome e não recebeu nenhuma via do referido contrato. Narra que, no curso do processo, a advogada ré informou que o outro réu não atuaria mais no caso e orientou o autor a assinar nova procuração e contrato, com poderes para que pudesse receber valores em seu nome. Declara que não havia testemunhas no momento da assinatura. Além disso, a ré teria garantido que seriam mantidas as mesmas cláusulas do contrato anterior, porém, com o auxílio de familiares, percebeu o documento foi datado com data retroativa e que o montante cobrado pelos serviços havia sido alterado e acrescido de 50% dos valores que lhe são devidos retroativamente pelo INSS.
Por sua vez, os réus alegaram que a relação entre o autor e os réus teve início em 2017, embora a formalização do contrato tenha ocorrido apenas em 2019. Afirmam que nunca receberam pelos serviços prestados. Informam, ainda, que o contrato discutido foi lido em voz alta, na presença do autor e seus familiares, bem como de testemunhas que assinaram o documento. Por fim, consideram que não há motivos para anulação ou revisão de cláusula contratual, pois o valor acordado é proporcional ao trabalho realizado.
No recurso, a advogada ré sustenta que a decisão de 1ª instância teria se baseado unicamente na ausência e requisitos previstos no Código Civil e desconsiderou outras circunstâncias que evidenciariam o integral conhecimento e assentimento do autor aos termos do negócio, como o fato de a carteira de identidade ou qualquer outro documento pessoal não conter a indicação de que ele seria pessoa não alfabetizada. Conclui que seria um comportamento oportunista do autor.
Ao analisar o caso, a Desembargadora relatora ressaltou que a ré não cuidou de contestar diretamente a alegação do autor. Além disso, a julgadora ponderou que, no curso da relação contratual mantida com o cliente (supostamente iniciada em 2017), tinha plenas condições de identificar sua condição e adotar as providências e cautelas necessárias à prevenção de qualquer irregularidade. “Esse é um dos deveres atribuídos ao advogado pelo Código de Ética da OAB”.
Reforçou ainda a necessidade de cumprimento de formalidade adicional, em contratos envolvendo pessoas não alfabetizadas, conforme previsto no Código Civil. “Quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas”, explicou a magistrada.
Segundo a relatora, não observar esses requisitos tem como consequência a nulidade do negócio jurídico. Assim, constatado o descumprimento da exigência legal, a Turma manteve a sentença e decretou a nulidade do contrato.
PJe2 processo: 0733374-59.2021.8.07.0001
TJDFT