A Migração para a Previdência Complementar e o Direito à Última Remuneração e a Paridade

Bruno Sá Freire Martins –  Servidor público efetivo do Instituto de Previdência do Estado de Mato Grosso – MTPREV; advogado; consultor jurídico da ANEPREM, da APEPREV e da APPEAL; pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; professor de pós-graduação; Coordenador do MBA em Regime Próprio do ICDS – Instituto Connect de Direito Social; membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Prática Previdenciária da Paixão Editores; escreve todas as terças-feiras para a Coluna Previdência do Servidor no Jornal Jurid Digital  e para o site fococidade.com.br, autor dos livros DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, A PENSÃO POR MORTE, REGIME PRÓPRIO – IMPACTOS DA MP n.º 664/14 ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS e MANUAL PRÁTICO DAS APOSENTADORIAS DO SERVIDOR PÚBLICO, todos da editora LTr, do livro A NOVA PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES  PÚBLICOS (editora Alteridade) e de diversos artigos nas áreas de Direito Previdenciário e Direito Administrativo.

 

 

RESUMO: A instituição de previdência complementar no âmbito dos Entes Federados que possuem Regimes Próprios tornou-se obrigatória com a Emenda Constitucional n.º 103/19 e implica na aplicação do limite máximo do salário de benefício do INSS em sede de Regime Próprio, o que alcança também aqueles que optaram por migrar para esse novo regime, não podendo, contudo, afastar a aplicação das regras de concessão de aposentadoria muito menos o direito à última remuneração e paridade daqueles que puderem se inativar por normas que ainda permitem essas benesses.

PALAVRAS CHAVES: PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR – MIGRAÇÃO – PROVENTOS – INTEGRALIDADE – PARIDADE

 1 – Introdução

A reforma da previdência promovida por intermédio da Emenda Constitucional n.º 20/98 facultou aos Entes Federados a instituição de regimes de previdência complementar para os filiados a seus Regimes Próprios de Previdência Social, posteriormente, essa faculdade foi transformada em obrigação com prazo de 2 (dois) anos para seu cumprimento.

Tendo como uma das principais consequências, para os segurados desse Regime, o fato de que a partir da instituição de previdência complementar os proventos de aposentadoria e de pensão daqueles, cujo ingresso venha a se dar após a dita instituição ou daqueles que, mesmo tendo ingressado antes desta, vierem a migrar para o novo regime, estarão limitados ao popularmente conhecido “teto do INSS”.

Ocorre que essa limitação aliada a possibilidade de migração fez com que surgisse dúvida no sentido de que haveria também a modificação das regras de concessão do benefício, do cálculo e do reajuste dos proventos.

Gerando a controvérsia acerca do real alcance da aplicação do limite máximo do salário de benefício do INSS em sede de Regime Próprio e seus possíveis efeitos sobre a metodologia de cálculo e de reajuste dos proventos para aqueles que optarem por migrar para o novo regime.

Sendo este o objeto do presente ensaio.

2 – A Instituição da Previdência Complementar

A instituição de previdência complementar encontra-se regulada na Carta Magna nos §§ 14 a 16 do artigo 40, sendo que, mais especificamente o § 14, até o advento da reforma de 2.019, outorgava aos Entes Federados a faculdade de criar regimes complementares para os segurados de seus Regimes Próprios.

Situação que foi alterada com o advento da Emenda Constitucional n.º 103/19, no sentido de impor a estes o dever de criar regime complementar para os segurados dos Regimes Próprios, fixando, ainda, o prazo de 2 (dois) anos para tanto, como consta do § 6º de seu artigo 9º.

Daí LEAL et al[1] afirmarem:

Nota-se que a redação anterior do dispositivo atribuía aos entes federativos a faculdade de instituir o regime de previdência complementar para servidores titulares de cargos efetivos, sendo essa uma condição colocada para que fossem os benefícios de aposentadoria e pensão dos respectivos regimes próprios limitados ao teto do Regime Geral de Previdência Social. A redação anterior utilizava-se da expressão “poderão” quando tratava da limitação do valor dos benefícios ao teto do Regime Geral de Previdência Social, impondo a condição, caso o ente federativo utilizasse tal faculdade, de criação do regime complementar.

Agora, o Constituinte Reformador optou pela expressão “instituirão” ao dispor sobre a criação do regime de previdência complementar, indicando que não se trata de faculdade dos entes federativos, mas de dever constitucional. A limitação das aposentadorias e pensões ao teto do Regime Geral de Previdência Social foi colocada como uma consequência da instituição, obrigatória, repita-se, do regime de previdência complementar.

Instituição essa que é dividida em duas etapas, consistindo a primeira na edição da Lei reguladora do Regime de Previdência Complementar, o que por si só, não permite que se considere instituído o novo Regime.

Isso porque, como o principal intento da instituição de previdência complementar nos Entes Federados que possuem Regime Próprio é a aplicação obrigatória do limite máximo do salário de benefício do INSS aos proventos dos servidores públicos, é preciso que seja proporcionado a estes segurados que possam alcançar valores próximos, iguais e até mesmo maiores do que recebiam quando estavam na ativa.

Ou seja, faz-se necessário que, principalmente naqueles casos onde a remuneração do servidor supera o teto do INSS, seja concedido a ele a possibilidade de contribuir, ainda que com um sistema complementar que lhe proporcione uma dessas situações.

O que só é possível a partir do momento em que é ofertada ao segurado a adesão a um plano de benefícios gerido por uma Entidade de Previdência Complementar.

Razão pela qual o Ministério do Trabalho e Emprego, ao editar a Portaria n.º 1.467/22 estabeleceu que:

Art. 158. Os entes federativos deverão instituir, por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, Regime de Previdência Complementar – RPC para os servidores públicos ocupantes de cargo efetivo e filiados ao RPPS.

§ 1º O RPC terá vigência a partir da autorização do convênio de adesão ao plano de benefício da entidade de previdência complementar pelo órgão fiscalizador de que trata a Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001.

§ 1º-A Para os fins do § 1º, considera-se ocorrida a autorização do convênio de adesão:

I – na data de emissão do protocolo de instrução de requerimento pelo órgão fiscalizador, quando se tratar de licenciamento automático; ou

II – na data de publicação do ato de autorização, nos demais casos.

Portanto, a instituição da previdência complementar só estará concretizada a partir do momento em que o seu plano de benefícios estiver à disposição dos servidores.

E, consequentemente, a partir deste instante sujeitará obrigatoriamente aos regramentos advindos desta apenas àqueles cujo ingresso se der a partir de um dos momentos considerados pela Portaria, em questão, como de vigência do Regime de Previdência Complementar.

Sendo de fundamental importância destacar aqui que o Regime de Previdência Complementar, mesmo após a sua instituição se constitui em sistema previdenciário autônomo, não proporcionando qualquer vinculação dos Regimes Próprios ou de seus filiados.

Salvo, é claro, a questão que envolve a aplicação do limite máximo do salário de benefício do INSS nos proventos dos segurados do Regime Próprio para aqueles que ingressarem no serviço público após a instituição do regime complementar ou para aqueles que mesmo tendo ingressado antes fizerem a opção prevista no § 16 do artigo 40 da Constituição Federal.

Daí BARROSO[2] afirmar que como se vê, não se trata de um regime que visa substituir o RPPS; este continua existindo para as unidades federadas que adotarem o teto de benefício do RGPS.

3 – A Migração

Mais especificamente para os segurados dos Regimes Próprios cujo ingresso tenha se dado em período anterior à instituição da previdência complementar, a aplicação das regras alusivas à nova sistemática pressupõe a manifestação expressa destes nesse sentido, como consta do § 16 do artigo 40 da Carta Magna.

Segundo MARTINS[3] no caso daqueles que ingressaram no serviço público, em cargo efetivo, antes da vigência da previdência complementar a aplicação do limite máximo do salário de benefício fixado para o Regime Geral só tem aplicabilidade quando o servidor optar expressamente pela filiação ao sistema complementar.

Hipótese que vem sendo popularmente denominada migração.

4 – Efeitos da Migração nas Regras de Aposentadoria

E ao se analisar a redação dos §§ 14 a 16 do artigo 40 da Carta Magna in verbis:

§ 14. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, regime de previdência complementar para servidores públicos ocupantes de cargo efetivo, observado o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social para o valor das aposentadorias e das pensões em regime próprio de previdência social, ressalvado o disposto no § 16.

§ 15. O regime de previdência complementar de que trata o § 14 oferecerá plano de benefícios somente na modalidade contribuição definida, observará o disposto no art. 202 e será efetivado por intermédio de entidade fechada de previdência complementar ou de entidade aberta de previdência complementar.

§ 16 – Somente mediante sua prévia e expressa opção, o disposto nos § § 14 e 15 poderá ser aplicado ao servidor que tiver ingressado no serviço público até a data da publicação do ato de instituição do correspondente regime de previdência complementar.

É possível afirmar que a instituição da previdência complementar em sede de Entes Federados que possuem Regimes Próprios não provoca nenhuma alteração nas regras de aposentadoria a serem observadas na concessão do benefício em favor de seus filiados que tenham optado pela migração.

Uma vez que, como se depreende das regras constitucionais em questão, há determinação expressa no sentido de que a opção pela aplicação do disposto nos §§ 14 e 15 se limita a sujeição ao teto do INSS (§ 14) e a possibilidade de adesão ao plano de benefícios oferecido pela entidade complementar (§ 15).

Plano este que não pode ser confundido com as regras de aposentadoria estabelecidas pelo respectivo Regime Próprio, à medida que estas tem previsão, no caso da União e daqueles regimes onde não houve reforma, na Constituição Federal.

Enquanto que, nas hipóteses de Entes Federados que tenham realizado reforma previdenciária local, estarão previstas na norma estadual ou municipal.

Fundando-se, consequentemente, em um arcabouço legal que pode, inclusive, ser denominado como um regime jurídico previdenciário.

Não fazendo, parte, portanto, dos regramentos que norteiam a concessão dos benefícios em sede de previdência complementar, uma vez que no Regime Próprio este tem fundamento em um ato administrativo da entidade gestora e enquanto que naquela esta se funda em uma relação contratual.

Assim sendo, os segurados dos Regimes Próprios, mesmo tendo feito a migração, continuam a poder se aposentar por regras que lhe autorizam a concessão de proventos com última remuneração do cargo efetivo e paridade previstas no artigo 6º da Emenda Constitucional n.º 41/03, no artigo 3º da Emenda Constitucional n.º 47/05, na Emenda Constitucional n.º 70/12.

Bem como, no caso do servidor federal, que ainda poderá se inativar com base nas regras previstas nos artigos 4º e 20 da Emenda Constitucional n.º 103/19 e, para os Ente Federado que fizeram sua reforma previdenciária, pelas regras locais que assim o estabeleçam.

Pois como afirmam categoricamente NÓBREGA e BENEDITO[4] o RPC tem por finalidade proporcionar ao segurado proteção previdenciária adicional à oferecida pelo RGPS ou pelo RPPS, estes dois últimos regimes, consoante já visto, pertencentes à previdência pública, para a qual as contribuições dos trabalhadores e servidores públicos são obrigatórias.

5 – Os Cálculos e o Reajuste de Proventos

Na mesma esteira, pode-se dizer, caminham as regras de cálculo e reajuste dos proventos concedidos pelos Regimes Próprios uma vez que também são reguladas nos próprios artigos que disciplinam as aposentadorias.

Tanto que no caso dos artigos 6º da Emenda Constitucional n.º 41/03, 3º da Emenda Constitucional n.º 47/05, 6º-A da Emenda Constitucional n.º 41/03, nela introduzido pela na Emenda Constitucional n.º 70/12, o texto é categórico ao afirmar que os proventos das aposentadorias concedidas com fundamento nestes artigos corresponderão à última remuneração e serão reajustados pela regra da paridade.

O que, alcança também a reforma de 2.019, com relação aos servidores federais como se vê dos §§ 6º e 7º do artigo 4º e §§ 2º e 3º do artigo 20 ambos da Emenda Constitucional n.º 103/19.

Razão pela qual a tentativa de separá-los, mediante a aplicação da regra de concessão estabelecida por tais artigos com a metodologia de cálculo e de reajuste estabelecidas para as novas regras gerais de aposentadoria caracteriza regime híbrido que é vedado pela Corte Suprema.

Nesse sentido:

EMENTA: AGRAVO INTERNO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. EXCLUSÃO DE VANTAGEM ECONÔMICA RECONHECIDA POR DECISÃO JUDICIAL COM TRÂNSITO EM JULGADO. URP/1989. 26,05%. IPC/1987. 20%. PLANOS ECONÔMICOS. REBUS SIC STANTIBUS. ALTERAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS FÁTICOS E JURÍDICOS QUE DERAM SUPORTE AO DECISUM JUDICIAL DEFINITIVO. REESTRUTURAÇÃO NA CARREIRA DO SERVIDOR. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA. SEGURANÇA DENEGADA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. A garantia fundamental da coisa julgada (CRFB/88, art. 5º, XXXVI) não resta violada nas hipóteses em que ocorrem modificações no contexto fático-jurídico em que produzida, como as inúmeras leis que fixam novos regimes jurídicos de remuneração. Precedentes: MS 31.642, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 23/9/2014; MS 27.580-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 7/10/2013; MS 26.980-AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, 2ª Turma, DJe 8/5/2014. 2. As vantagens remuneratórias pagas aos servidores inserem-se no âmbito de uma relação jurídica continuativa, e, assim, a sentença referente a esta relação produz seus efeitos enquanto subsistir a situação fática e jurídica que lhe deu causa. A modificação da estrutura remuneratória ou a criação de parcelas posteriormente à sentença são fatos novos, não abrangidos pelos eventuais provimentos judiciais anteriores. 3. O ato de aposentadoria de agentes públicos é complexo e somente se aperfeiçoa após o seu registro junto ao Tribunal de Contas da União. A partir desse momento é que começa a correr o prazo decadencial estabelecido pelo art. 54 da Lei 9.784/1999. Precedentes: MS 27.722 AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe 22/06/2016; MS 27.628 AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe 06/11/2015; MS 28.604 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe 21/02/2013; MS 25.697, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 12/03/2010. 4. In casu, o ato impugnado está alinhado a reiterados entendimentos do Plenário desta Corte, no sentido de que (i) não há direito adquirido a regime jurídico, não sendo possível a criação de um sistema híbrido, com a junção de vantagens de dois regimes – RE 587.371 RG, Rel. Min. Teori Zavascki, Plenário, DJe 24/06/2014, (ii) a irredutibilidade da remuneração do agente público, nas hipóteses de alteração por lei do regramento anterior, alcança somente a soma total antes recebida – RE 563.965 RG, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 20/03/2009 e (iii) “a sentença que reconhece ao trabalhador ou servidor o direito a determinado percentual de acréscimo remuneratório deixa de ter eficácia a partir da superveniente incorporação definitiva do referido percentual” – RE 596.663 RG, Relator Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão Min. Teori Zavascki, DJe 26/11/2014. 5. Agravo interno a que se NEGA PROVIMENTO. (MS 35483 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 15/06/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127  DIVULG 26-06-2018  PUBLIC 27-06-2018)

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVENTUÁRIOS DE OFÍCIOS EXTRAJUDCIAIS. APOSENTADORIA. SISTEMA HÍBRIDO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. O Supremo Tribunal Federal assentou a impossibilidade de, uma vez afastada a aplicação da aposentadoria compulsória a serventuário, reconhecer-se direito a benefícios do regime próprio dos servidores públicos. Precedentes. 2. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC/2015, uma vez que não é cabível, na hipótese, condenação em honorários advocatícios (art. 25 da Lei nº 12.016/2009 e Súmula 512/STF). 3. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015. (RE 1235354 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 29/11/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-277  DIVULG 12-12-2019  PUBLIC 13-12-2019)

6 – Eficácia da Norma Constitucional

Motivo pelo qual, não se pode confundir o mandamento constitucional que impõe a aplicação do limite remuneratório do INSS para os segurados do Regime Próprio, com a aplicação das regras de concessão da aposentadoria e de cálculo dos respectivos proventos.

Primeiro porque, em nenhum momento a redação dos §§ 14 a 16 do artigo 40 da Constituição Federal trouxe previsão nesse sentido, tendo, como já dito, limitado-se a prever que no caso de opção seria observado o limite do INSS.

O que, pode-se dizer, guarda identidade com o regramento contido no inciso IX do artigo 37, norma que regula a aplicação do limite remuneratório do serviço público também aos proventos de aposentadoria.

E que ao ser alterado pela Emenda Constitucional n.º 41/03 não impôs a sujeição daqueles que haviam ingressado no serviço público antes da mesma a nova metodologia de cálculo de proventos instituídas pela mesma reforma.

Pelo contrário, a dita modificação constitucional trouxe sim novas regras de aposentadoria para os ingressantes no sistema anterior, onde restou assegurada a mesma metodologia de cálculo, como se vê, por exemplo, de seu artigo 6º anteriormente citado.

Estando estes apenas sujeitos ao limite remuneratório do serviço público.

Segundo, porque a interpretação constitucional, como salienta FERNANDES[5], ao destacar os ensinamentos de Konrad Hesse, apoia-se na concordância prática (harmonização) que defende a inexistência de prevalência de um bem constitucional sobre outro, de modo que, quando identificado um suposto conflito (corretamente: tensão) ou concorrência entre ambos, devem receber uma leitura compatível, que garanta a realidade.

E, por último, pelo fato de que o próprio Constituinte reformador, demonstrou não ser essa a melhor interpretação para o dispositivo a partir do momento em que manteve a possibilidade de aposentadoria com base na última remuneração do cargo efetivo e paridade para os segurados do Regime Próprio da União que ingressaram em cargo efetivo antes de 31/12/2003 (artigos 4º e 20).

Como se vê dos §§ 6º e 7º do artigo 4º e §§ 2º e 3º do artigo 20 ambos da Emenda Constitucional n.º 103/19 que, em momento algum, alteram a regra de cálculo dos proventos ou mesmo afastam a aplicação da paridade em decorrência da adesão ao regime complementar.

Limitando-se, apenas, no caso específico do § 2º do artigo 20 ambos da Emenda Constitucional n.º 103/19, a afirmar que a última remuneração do cargo efetivo deve observar o disposto no § 16 do artigo 40 da Constituição Federal, ou seja, não pode ser superior ao limite máximo do salário de benefício do INSS.

De forma que a interpretação no sentido de que a migração para o regime complementar enseja o afastamento do direito às regras de aposentadoria e/ou de cálculo de proventos anteriores, implica em ofensa direta ao princípio da igualdade.

À medida que ensejaria a aplicação de regramentos diversos para servidores que se encontram na mesma condição, já que ambos teriam ingressado antes da instituição da previdência complementar e teriam feito a migração.

Sendo que para aqueles que o fizeram antes da Emenda Constitucional n.º 103/19 acarretaria a perda do direito aos proventos correspondentes à última remuneração e à paridade, enquanto que para aqueles que migraram após o advento da dita reforma não haveria essa implicação.

E, nesse aspecto, é preciso salientar que, como ensina MORAES[6]:

O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social.

A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas.

Não se admitindo, portanto, que as normas introduzidas por Emendas Constitucionais venham a violar a igualdade constitucional que, na condição de direito fundamental, integra as chamadas cláusulas pétreas que, podem ensejar, inclusive, a ocorrência de inconstitucionalidade de normas introduzidas na Carta Magna por emendas.

O que foi destacado pela Corte Suprema por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 466, senão vejamos:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL – INSTITUIÇÃO DA PENA DE MORTE MEDIANTE PRÉVIA CONSULTA PLEBISCITÁRIA – LIMITAÇÃO MATERIAL EXPLÍCITA DO PODER REFORMADOR DO CONGRESSO NACIONAL (ART. 60, § 4º, IV) – INEXISTÊNCIA DE CONTROLE PREVENTIVO ABSTRATO (EM TESE) NO DIREITO BRASILEIRO – AUSÊNCIA DE ATO NORMATIVO – NÃO-CONHECIMENTO DA AÇÃO DIRETA. – O direito constitucional positivo brasileiro, ao longo de sua evolução histórica, jamais autorizou – como a nova Constituição promulgada em 1988 também não o admite – o sistema de controle jurisdicional preventivo de constitucionalidade, em abstrato. Inexiste, desse modo, em nosso sistema jurídico, a possibilidade de fiscalização abstrata preventiva da legitimidade constitucional de meras proposições normativas pelo Supremo Tribunal Federal. Atos normativos “in fieri”, ainda em fase de formação, com tramitação procedimental não concluída, não ensejam e nem dão margem ao controle concentrado ou em tese de constitucionalidade, que supõe – ressalvadas as situações configuradoras de omissão juridicamente relevante – a existência de espécies normativas definitivas, perfeitas e acabadas. Ao contrário do ato normativo – que existe e que pode dispor de eficácia jurídica imediata, constituindo, por isso mesmo, uma realidade inovadora da ordem positiva -, a mera proposição legislativa nada mais encerra do que simples proposta de direito novo, a ser submetida à apreciação do órgão competente, para que de sua eventual aprovação, possa derivar, então, a sua introdução formal no universo jurídico. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem refletido claramente essa posição em tema de controle normativo abstrato, exigindo, nos termos do que prescreve o próprio texto constitucional – e ressalvada a hipótese de inconstitucionalidade por omissão – que a ação direta tenha, e só possa ter, como objeto juridicamente idôneo, apenas leis e atos normativos, federais ou estaduais, já promulgados, editados e publicados. – A impossibilidade jurídica de controle abstrato preventivo de meras propostas de emenda não obsta a sua fiscalização em tese quando transformadas em emendas à Constituição. Estas – que não são normas constitucionais originárias – não estão excluídas, por isso mesmo, do âmbito do controle sucessivo ou repressivo de constitucionalidade. O Congresso Nacional, no exercício de sua atividade constituinte derivada e no desempenho de sua função reformadora, está juridicamente subordinado à decisão do poder constituinte originário que, a par de restrições de ordem circunstancial, inibitórias do poder reformador (CF, art. 60, § 1º), identificou, em nosso sistema constitucional, um núcleo temático intangível e imune à ação revisora da instituição parlamentar. As limitações materiais explícitas, definidas no § 4º do art. 60 da Constituição da República, incidem diretamente sobre o poder de reforma conferido ao Poder Legislativo da União, inibindo-lhe o exercício nos pontos ali discriminados. A irreformabilidade desse núcleo temático, acaso desrespeitada, pode legitimar o controle normativo abstrato, e mesmo a fiscalização jurisdicional concreta, de constitucionalidade. (ADI 466 MC, Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 03/04/1991, DJ 10-05-1991 PP-05929  EMENT VOL-01619-01 PP-00055)

 7 – Conclusão

Assim, é possível concluir que a migração para o regime de previdência complementar não afasta o direito às regras de aposentadoria anteriores à sua instituição e muito menos aos proventos correspondentes à última remuneração do cargo efetivo e reajustados com base na paridade, impondo, apenas, a observância do teto do INSS no valor que vier a ser recebido pelo servidor junto a seu Regime Próprio.

Notas:

[1] LEAL, Bruno Bianco; PORTELA, Felipe Mêmolo; MAIA, Maurício e KAUAM, Miguel Cabrera. REFORMA PREVIDENCIÁRIA. Editora Revista dos Tribunais, página 42

[2] CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito de. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL DOS SERVIDORES PÚBLICOS, 4ª edição, editora Juruá, página 379.

[3] MARTINS, Bruno Sá Freire. DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO. 3ª edição, editora LTr, página 199.

[4] NÓBREGA, Tatiana de Lima e BENEDITO, Maurício Roberto de Souza. O REGIME PREVIDENCIÁIRO DO SERVIDOR PÚBLICO, editora FOCO, página 283.

[5] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL. 9[ edição, editora JUSPODIVM, páginas 184 e 185.

[6] MORAES, Alexandre. DIREITO CONSTITUCIONAL, 33ª edição, editora Atlas, página 48.

 

 

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