A 5ª Vara Federal de Caxias do Sul (RS) condenou 25 pessoas pelos crimes de tráfico internacional e/ou associação para o tráfico de drogas. Entre eles, estão três líderes da organização “Os Manos”, que receberam penas de mais de 33 anos de reclusão. A denúncia foi baseada na operação policial Teiniaguá. A sentença foi publicada no dia 1/10.
Autor da ação, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou 18 homens e nove mulheres narrando que eles, do início até dezembro de 2020, associaram-se de forma estável e permanente para adquirir entorpecentes de traficantes radicados no Paraguai. Após a compra, eles internalizavam e distribuíam as drogas em território nacional, principalmente em Caxias do Sul, mas também em outros municípios gaúchos.
Segundo o MPF, a liderança era exercida por três integrantes do alto escalão da facção denominada de “Os Manos”, sendo que dois deles eram responsáveis pela organização do armazenamento, preparo e distribuição, na serra gaúcha, das drogas adquiridas, além da coordenação das operações financeiras das atividades nessa região. Ao outro chefe competiria centralizar, na região de Porto Alegre, as operações financeiras destinadas à aquisição dos entorpecentes paraguaios, em colaboração direta com os outros dois líderes regionais que lhes transmitiam as encomendas da droga necessária para abastecer a serra gaúcha. Este chefe também coordenava a descentralização das drogas para as zonas de influência de seus colaboradores, bem como a realização de depósitos destinados a contas bancárias administradas por casa de câmbio paraguaia para que os valores fossem revertidos aos traficantes paraguaios.
De acordo com o autor, outros denunciados faziam parte do núcleo operacional da serra gaúcha. Eles eram os responsáveis por toda logística necessária na guarda, preparo e distribuição dos entorpecentes, além da coleta dos valores e movimentação financeira. Outros dois homens fariam parte do núcleo operacional externo a serra gaúcha atuando no abastecimento das regiões dominadas pelo grupo, um deles operava na região do Vale dos Sinos. Outros indiciados eram traficantes situados em Ponta Porã (MS), eles internalizavam em solo nacional a droga encomendada pelos líderes regionais.
Os réus, em suas defesas, teceram diversas argumentações sustentando que não participaram dos fatos narrados pelo MPF. Entre elas, estão a ausência de provas e que as acusações baseiam-se em meras ilações.
Organizações criminosas
Ao analisar o conjunto probatório anexado aos autos, a 5ª Vara Federal de Caxias do Sul pontuou que, no âmbito das organizações criminosas, “é uma constante que seus integrantes, sobretudo as lideranças, busquem meios dissimular e ocultar sua participação nas atividades ilícitas. Isso porque a probabilidade de prisão e condenação é tanto maior quanto maior for a proximidade física com o entorpecente, o que faz com que aliciem terceiros para exercerem atividades operacionais. Uma prisão em flagrante tem um efeito probante muito claro e imediato, ao passo que o envolvimento indireto precisa ser comprovado por um complexo esforço de inteligência investigativa”.
“Nesse cenário, em que qualquer informação relevante tende a ser ocultada ou dissimulada pelos infratores, há que ser atribuído maior valor a elementos eventualmente colhidos, ainda que indiretos, quando se prestam a comprovar a autoria delitiva. Os indícios passam a assumir especial importância, desde que concatenados e harmônicos com o conjunto das provas, quando então podem ser levados em conta para fundamentar eventual condenação penal”.
A sentença destacou as nuances necessárias no momento de avaliação das provas, já que os “investigados, evidentemente, jamais farão referências claras e expressas à natureza, à quantidade ou aos pagamentos pela aquisição de tóxicos, até pela possibilidade de vigilância e acesso a estas comunicações pelas autoridades investigativas. Por esta razão, a linguagem destas comunicações passa a ser velada, não podendo ser interpretadas literalmente, razão pela qual faz-se necessário identificar sua verdadeira carga semântica”.
Além dessa estratégia empregada pelas organizações criminosas, o juízo também ressaltou o emprego de contas de dados e contatos com nomes falsos, alcunhas ou abreviaturas, para a realização das movimentações financeiras, conhecidos como laranjas. Ele pontuou que, transpondo essas barreiras, é possível delimitar a eventual participação de cada investigado nos crimes imputados.
Julgamento
Na sentença, pode-se perceber o exame atento e detalhado sobre a prova colhida com a identificação das práticas criminosas, autoria e dolo. Ficou comprovado que os dois réus exerciam “papel de liderança regional na organização criminosa “Os Manos”. Trata-se de facção criminosa conhecida pelo emprego de violência extrema e intensa atuação no tráfico de drogas e de armas ilícitas”. Pontuou-se que a autoridade policial estimou que, de julho a setembro de 2020, esta organização tenha movimento R$ 13 milhões e cerca de 500kg de cocaína.
Um destes líderes possui extensa ficha criminal, com condenações por tentativa de homicídio, roubos e latrocínio. Ele encontra-se recolhido ao sistema prisional e, em janeiro de 2021, já registrava pena total imposta de mais de 39 anos de reclusão, restando ainda cumprir mais de 25 anos. Mesmo preso, foi indiciado em, pelo menos, quatro inquéritos pelos crimes de corrupção ativa, trafico de drogas e homicídios, nos quais teria autuado como mandante, na região da serra gaúcha.
“A facção em tela domina e conduz ações criminosas externas inclusive de dentro das próprias galerias dos presídios estaduais, incapazes de fazer frente a esse tipo de criminalidade”, afirma-se na sentença.
O juízo condenou os três líderes da organização “Os Manos” por tráfico internacional e associação para o tráfico de drogas a pena de reclusão de 33 anos e 10 meses em regime fechado. Outras 22 pessoas também foram condenadas por crimes relacionados ao tráfico de entorpecentes a penas de reclusão que vão de quatro anos e oito meses a 14 anos e seis meses.
Um dos réus foi absolvido por insuficiência de provas e um das mulheres faleceu ao longo da tramitação do processo. Dos condenados, 13 não poderão recolher em liberdade, entre eles, os líderes.
TRF4 | JFRS