A juíza Isabella Luiza Alonso Bittencourt, titular da 1ª Vara Judicial de Cidade Ocidental, decretou o divórcio de casal cujo marido alegou ter contraído matrimônio sem saber que a esposa tinha problemas psiquiátricos. O homem havia requerido anulação do casamento, que ocorreu em meados de 2024, mas a magistrada negou o pleito sob o entendimento de que não foram comprovados, por ele, os requisitos estabelecidos pelo Código Civil para a concessão de anulação.
Na Ação de Anulação de Casamento, o homem relatou que se sentiu enganado pela companheira vez que ela se mostrava lúcida, sem problemas de saúde, no entanto, duas semanas após a cerimônia de união, a vida do novo casal tornou-se insuportável porque ela começou a apresentar atitudes suspeitas. Segundo ele, só então descobriu que ela sofria de distúrbios mentais com episódios maníacos, agitação psicomotora, disforia, irritabilidade, agressividade, conflitos interpessoais, gastos irresponsáveis e delírios.
O marido afirmou, ainda, que, em determinado dia, sua esposa entrou em surto psicótico durante a madrugada e chegou a agredir uma vizinha. Em seguida, ela teria jogado no lixo todos os itens da casa na cor vermelha, afirmando que ouviu vozes que a proibiram de ter coisas daquela cor.
Erro essencial
Ele solicitou a anulação do casamento alegando que houve, no caso, o chamado “erro essencial”, uma das condições em que o Código Civil (CC) a autoriza. Ao analisar o pleito, Isabella Luiz Alongo Bittencourt pontuou que artigo 1.150 do CC autoriza a anulação de casamento, entre outras situações, naquelas em que se comprovar “vício de vontade”. Este, por sua vez é definido pelo artigo 1.556 do mesmo diploma legal como, entre outras situações, nas quais um dos cônjuges tenha se casado desconhecendo que o companheiro tem algum defeito físico irremediável que não caracterize deficiência ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do companheiro ou de seus descendentes.
Ao negar a anulação do casamento, a juíza ponderou que no caso não est =A3o presentes as condições exigidas pelo Código Civil para sua concessão. É que nos autos, diversos depoimentos, inclusive do próprio marido, deixaram evidente que a relação das famílias do casal era antiga e que ele era, inclusive, compadre da mãe de sua esposa. Ele admitiu que sabia que ela usava medicamentos, mas que desconhecia a finalidade deles. Testemunhas, contudo, relataram que frequentemente o casal ia junto buscar o medicamento dela.
Diante das provas, a magistrada considerou estar visível no processo que o marido possuía, sim, ciência de que a companheira fazia tratamento médico periódico, o que demonstra não ser verdade que ele só descobriu a doença dela após o casamento, circunstância exigida pelo Código Civil para a anulação.
Perspectiva de gênero
“Ressalte-se a necessidade de se analisar o feito com base no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, uma vez que tal óptica oferece um olhar crítico sobre as desigualdades sociais e jurídicas, destacando o impacto desproporcional sobre as mulheres”, destacou Isabella Alonso, ao acrescentar que, no âmbito jurídico, a aplicação do protocolo em questão busca promover decisões mais equitativas, considerando não apenas a igualdade formal, mas também as barreiras estruturais que perpetuam desigualdades.
Padrões idealizados
A magistrada frisou, ainda: “Sabe-se que, historicamente, muitos homens foram criados para buscar mulheres que se encaixassem em padrões idealizados, tais como beleza impecável, submissão, habilidades domésticas e maternas, caráter irrepreensível, de modo que, com a convivência, ao se depararem com mulheres ‘reais’ com desejos, limitações e personalidade própria, poderiam se sentir enganados ou decepcionados, gerando, em algumas oportunidades, pedidos como a presente demanda”
Machismo estrutural
Apesar de reconhecer avanços sobre tal situação ao longo dos anos, com notórias repercussões no âmbito jurídico, Isabella Luiz Alonso arrematou: “É inequívoco que o machismo estrutural continua presente em nosso ordenamento jurídico, sendo essencial que a concepção do casamento se transforme em um modelo mais inclusivo e humano, fundamentado na igualdade, no respeito, deixando para trás ideais ultrapassados e excludentes, mormente considerando que a mulher não deve ser vista como um objeto nas relações e também que seu valor não deve ser medido com base em sua capacidade de atender as necessidades do marido”.
TJGO