LEI Nº 15.069, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2024

DOU 24/12/2024
Institui a Política Nacional de Cuidados.
O Presidente da República
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DA POLÍTICA NACIONAL DE CUIDADOS
Art. 1º Fica instituída a Política Nacional de Cuidados, destinada a garantir o direito ao cuidado, por meio da promoção da corresponsabilização social e entre homens e mulheres pela provisão de cuidados, consideradas as múltiplas desigualdades.
§ 1º Todas as pessoas têm direito ao cuidado.
§ 2º O direito ao cuidado de que trata o caput deste artigo compreende o direito a ser cuidado, a cuidar e ao autocuidado.
Art. 2º A Política Nacional de Cuidados é dever do Estado, compreendidos a União, os Estados, o Distrito Federal e os Munícipios, no âmbito de suas competências e atribuições, em corresponsabilidade com as famílias, o setor privado e a sociedade civil.
Parágrafo único. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir as suas políticas, em conformidade com o disposto nesta Lei.
Art. 3º A Política Nacional de Cuidados será implementada, de forma transversal e intersetorial, por meio do Plano Nacional de Cuidados.
CAPÍTULO II
DOS OBJETIVOS
Art. 4º São objetivos da Política Nacional de Cuidados:
I – garantir o direito ao cuidado, de forma gradual e progressiva, sob a perspectiva integral e integrada de políticas públicas que reconheçam a interdependência da relação entre quem cuida e quem é cuidado;
II – promover políticas públicas que garantam o acesso ao cuidado com qualidade para quem cuida e para quem é cuidado;
III – promover a implementação de ações pelo setor público que possibilitem a compatibilização entre o trabalho remunerado, as necessidades de cuidado e as responsabilidades familiares relacionadas ao cuidado;
IV – incentivar a implementação de ações do setor privado e da sociedade civil, de forma a possibilitar a compatibilização entre o trabalho remunerado, as necessidades de cuidado e as responsabilidades familiares de cuidado;
V – promover o trabalho decente para as trabalhadoras e os trabalhadores remunerados do cuidado, de maneira a enfrentar a precarização e a exploração do trabalho;
VI – promover o reconhecimento, a redução e a redistribuição do trabalho não remunerado do cuidado, realizado primordialmente pelas mulheres;
VII – promover o enfrentamento das múltiplas desigualdades estruturais no acesso ao direito ao cuidado, de modo a reconhecer a diversidade de quem cuida e de quem é cuidado; e
VIII – promover a mudança cultural relacionada à organização social do trabalho de cuidado.
CAPÍTULO III
DAS DEFINIÇÕES
Art. 5º Para fins do disposto nesta Lei, considera-se:
I – cuidado: trabalho cotidiano de produção de bens e serviços necessários à sustentação e à reprodução diária da vida humana, da força de trabalho, da sociedade e da economia e à garantia do bem-estar de todas as pessoas;
II – organização social do cuidado: forma como o Estado, as famílias, o setor privado e a sociedade civil se inter-relacionam para prover cuidado e forma pela qual os domicílios e os seus membros dele se beneficiam;
III – corresponsabilidade social pelos cuidados: compartilhamento de responsabilidades pelos atores sociais que possuem o dever ou a capacidade de prover cuidado, incluídos o Estado, as famílias, o setor privado e a sociedade civil;
IV – corresponsabilidade entre homens e mulheres pelos cuidados: compartilhamento de responsabilidades pelo cuidado, de forma equitativa, entre mulheres e homens;
V – múltiplas desigualdades: desigualdades sociais estruturadas em diversas dimensões de exclusão e de subordinação com base em critérios de classe, sexo, raça, etnia, idade, território e deficiência que operam na estruturação e na reprodução das desigualdades sociais e da experiência de vida das pessoas e dos grupos sociais;
VI – universalismo progressivo e sensível às diferenças: efetivação da garantia do direito ao cuidado, de forma gradual e progressiva, consideradas as desigualdades estruturais; e
VII – trabalhadoras e trabalhadores não remunerados do cuidado: pessoas que exercem o trabalho de cuidado nos domicílios, sem vínculo empregatício e sem obtenção de remuneração.
CAPÍTULO IV
DOS PRINCÍPIOS
Art. 6º São princípios da Política Nacional de Cuidados:
I – respeito à dignidade e aos direitos humanos de quem recebe cuidado e de quem cuida;
II – universalismo progressivo e sensível às diferenças;
III – equidade e não discriminação;
IV – promoção da autonomia e da independência das pessoas;
V – corresponsabilidade social entre homens e mulheres;
VI – antirracismo;
VII – anticapacitismo;
VIII – anti-idadismo;
IX – interdependência entre as pessoas e entre quem cuida e quem é cuidado;
X – direito à convivência familiar e comunitária;
XI – parentalidade positiva;
XII – valorização e respeito à vida, à cidadania, às habilidades e aos interesses das pessoas; e
XIII – promoção do cuidado responsivo.
CAPÍTULO V
DAS DIRETRIZES
Art. 7º São diretrizes da Política Nacional de Cuidados:
I – a integralidade do cuidado;
II – a transversalidade, a intersetorialidade, a consideração das múltiplas desigualdades e a interculturalidade das políticas públicas de cuidados;
III – a garantia da participação e do controle social das políticas públicas de cuidados na formulação, na implementação e no acompanhamento de suas ações, programas e projetos;
IV – a atuação permanente, integrada e articulada das políticas públicas de saúde, assistência social, direitos humanos, educação, trabalho e renda, esporte, lazer, cultura, mobilidade, previdência social e demais políticas públicas que possibilitem o acesso ao cuidado ao longo da vida;
V – a simultaneidade na oferta dos serviços para quem cuida e para quem é cuidado, reconhecida a relação de interdependência entre ambos;
VI – a acessibilidade em todas as dimensões;
VII – a territorialização e a descentralização dos serviços públicos ofertados, considerados os interesses de quem cuida e de quem é cuidado;
VIII – a articulação interfederativa;
IX – a formação continuada e permanente nos temas de cuidados para:
a) servidoras e servidores federais, estaduais, distritais e municipais que atuem na gestão e na implementação de políticas públicas;
b) prestadores de serviços que atuem na rede de serviços públicos ou privados; e
c) trabalhadoras e trabalhadores do cuidado remunerados e não remunerados, incluídos os familiares e comunitários; e
X – o reconhecimento e a valorização do trabalho de quem cuida e do cuidado como direito, com a promoção da corresponsabilização social e entre homens e mulheres, respeitada a diversidade cultural dos povos.
Parágrafo único. Para fins do disposto no inciso I do caput deste artigo, a integralidade do cuidado compreende o atendimento das demandas e das necessidades de cuidado das pessoas em todas as dimensões, como receptoras e provedoras do cuidado, considerados os contextos social, econômico, familiar, territorial e cultural em que estão inseridas.
CAPÍTULO VI
DO PÚBLICO PRIORITÁRIO
Art. 8º A Política Nacional de Cuidados terá como público prioritário:
I – crianças e adolescentes, com atenção especial à primeira infância;
II – pessoas idosas que necessitem de assistência, de apoio ou de auxílio para executar as atividades básicas e instrumentais da vida diária;
III – pessoas com deficiência que necessitem de assistência, de apoio ou de auxílio para executar as atividades básicas e instrumentais da vida diária;
IV – trabalhadoras e trabalhadores remunerados do cuidado; e
V – trabalhadoras e trabalhadores não remunerados do cuidado.
§ 1º As múltiplas desigualdades serão consideradas para definir o público prioritário da Política Nacional de Cuidados.
§ 2º A ampliação do público prioritário da Política Nacional de Cuidados poderá ser realizada de forma progressiva, consideradas as necessidades de apoio e de auxílio, as demandas das trabalhadoras e dos trabalhadores remunerados e não remunerados do cuidado e as novas demandas relativas ao cuidado.
CAPÍTULO VII
DO PLANO NACIONAL DE CUIDADOS
Art. 9º O Poder Executivo federal elaborará o Plano Nacional de Cuidados, na forma prevista em regulamento, no qual serão estabelecidos ações, metas, indicadores, instrumentos, período de vigência e de revisão, órgãos e entidades responsáveis.
§ 1º O Plano Nacional de Cuidados buscará a consecução de seus objetivos por meio de ações intersetoriais nas áreas de assistência social, saúde, educação, trabalho e renda, cultura, esportes, mobilidade, previdência social, direitos humanos, políticas para as mulheres, políticas para a igualdade racial, políticas para os povos indígenas e para as comunidades tradicionais, desenvolvimento agrário e agricultura familiar, entre outras.
§ 2º O Plano Nacional de Cuidados disporá, no mínimo, sobre:
I – garantia de direitos e promoção de políticas públicas para a pessoa que necessita de cuidados e para as trabalhadoras e os trabalhadores não remunerados do cuidado, incluídos a criação, a ampliação, a qualificação e a integração de serviços de cuidado, os benefícios, a regulamentação e a fiscalização de serviços públicos e privados;
II – estruturação de iniciativas de formação e de qualificação para as trabalhadoras e os trabalhadores não remunerados do cuidado, inclusive estratégias de apoio ao exercício da parentalidade positiva;
III – fomento à adoção, pelos setores público e privado, de medidas que promovam a compatibilização entre o trabalho remunerado e as necessidades pessoais e familiares de cuidados;
IV – promoção do trabalho decente para as trabalhadoras e os trabalhadores remunerados do cuidado, incluídos a garantia de direitos trabalhistas e de proteção social, o enfrentamento da precarização do trabalho e a estruturação de programas de formação e de qualificação profissional para essas trabalhadoras e esses trabalhadores;
V – estruturação de medidas para redução da sobrecarga de trabalho não remunerado que recai sobre as famílias, em especial sobre as mulheres, com a promoção da corresponsabilidade social e entre homens e mulheres;
VI – políticas públicas para a transformação cultural, relativas à divisão racial, social e entre homens e mulheres do trabalho, para o reconhecimento e a valorização de quem cuida e do cuidado como trabalho e direito, com a promoção da corresponsabilização social e entre homens e mulheres;
VII – estruturação de iniciativas de formação destinadas a servidoras e servidores públicos, a prestadores de serviços de cuidados e à sociedade; e
VIII – aprimoramento contínuo de dados provenientes de estatísticas e de registros administrativos sobre o tema para subsidiar a gestão da Política Nacional de Cuidados e para reconhecer e mensurar o valor econômico e social do trabalho de cuidado não remunerado.
§ 3º O Plano Nacional de Cuidados será implementado por meio da atuação intersetorial, da articulação interfederativa e da integração entre as redes pública e privada de serviços, programas, projetos, ações, benefícios e equipamentos destinados à garantia do direito ao cuidado.
Art. 10. A União buscará a adesão dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios à abordagem multissetorial e intersetorial no atendimento dos direitos das pessoas que recebem e exercem o cuidado e oferecerá assistência técnica na elaboração de planos estaduais, distrital e municipais de cuidados que articulem os diferentes setores.
CAPÍTULO VIII
DA ESTRUTURA DE GOVERNANÇA
Art. 11. O Poder Executivo federal disporá sobre a estrutura de governança do Plano Nacional de Cuidados, suas competências, seu funcionamento e sua composição, por meio de regulamento, observada a intersetorialidade, a articulação interfederativa, a participação e o controle social.
Parágrafo único. O Plano Nacional de Cuidados deverá ser implementado de forma descentralizada e articulada entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
Art. 12. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão celebrar convênios ou instrumentos congêneres com entidades públicas e privadas, sem fins lucrativos, para o desenvolvimento e a execução de projetos que beneficiem as pessoas que precisam de cuidado.
Parágrafo único. As entidades públicas e privadas deverão atuar em estrita observância aos princípios, às diretrizes e aos objetivos que orientam a Política Nacional de Cuidados.
CAPÍTULO IX
DO FINANCIAMENTO
Art. 13. A Política Nacional de Cuidados será custeada por:
I – dotações orçamentárias do orçamento geral da União consignadas aos órgãos e às entidades da administração pública federal participantes do Plano Nacional de Cuidados, observada a disponibilidade financeira e orçamentária;
II – fontes de recursos destinadas por órgãos e entidades da administração pública estadual, distrital ou municipal, observada a disponibilidade financeira e orçamentária;
III – recursos provenientes de doações, de qualquer natureza, feitas por pessoas físicas ou jurídicas, do País ou do exterior; e
IV – outras fontes de recursos nacionais ou internacionais, compatíveis com o disposto na legislação.
Art. 14. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 23 de dezembro de 2024; 203º da Independência e 136º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
José Wellington Barroso de Araujo Dias
Macaé Maria Evaristo dos Santos
Esther Dweck
Aparecida Gonçalves
Simone Nassar Tebet
Swedenberger do Nascimento Barbosa
Luiz Marinho

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