“O réu se defende dos fatos, e não da capitulação jurídica, a qual pode ser corrigida por ocasião da prolação da sentença, nos termos do artigo 383 do Código de Processo Penal (CPP). Nada obstante, quando eventual excesso acusatório for empecilho a benefícios processuais, imperativo que a adequação típica seja antecipada.”
Com esse entendimento, seguindo o voto do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu parcial provimento ao recurso em habeas corpus de um ex-diretor jurídico do Banco Máxima (antigo nome do Banco Master), acusado de crimes contra o sistema financeiro nacional. O colegiado reconheceu excesso acusatório na denúncia e decidiu, por maioria, limitar a ação penal ao crime de gestão fraudulenta de instituição financeira.
Vários gestores do banco foram denunciados por supostos crimes cometidos entre 2014 e 2016. Além da imputação de gestão fraudulenta, o Ministério Público Federal (MPF) acusou o ex-diretor jurídico de inserir informações falsas em documentos contábeis apresentados ao Banco Central e de manter em erro a administração pública quanto à situação financeira da instituição. Esses crimes estão previstos nos artigos 4º, 6º e 10 da Lei 7.492/1986.
Recebida a denúncia pela 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, a defesa do ex-diretor entrou com habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) pleiteando o trancamento da ação, alegando que a denúncia seria inepta, sem justa causa e com excesso de acusação. Após o pedido ser negado em segunda instância, a defesa recorreu ao STJ.
Adequação típica deve ser antecipada para evitar prejuízos ao réu
Após examinar os fatos relatados na denúncia, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca observou que a fraude que teria configurado o crime do artigo 4º da Lei 7.492/1986 “é a prática dos tipos penais descritos nos artigos 6º e 10 do mesmo diploma legal”. Segundo o magistrado, apenas com o exame mais aprofundado das provas será possível apurar se as condutas dos artigos 6º e 10 da lei tipificam o crime de gestão fraudulenta, ficando absorvidas por este – ou se, não tipificando o crime do artigo 4º, configuram tipos autônomos subsidiários.
Ocorre que, como apontado pelo ministro, as penas mínimas dos crimes imputados ao ex-diretor, somadas, totalizam seis anos, o que torna inviável a eventual proposição do acordo de não persecução penal (ANPP), previsto no artigo 28-A do CPP – razão pela qual é necessário antecipar a adequação típica, como admitido pela jurisprudência do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Reynaldo Soares da Fonseca considerou que não seria possível trancar a ação penal com relação ao crime de gestão fraudulenta, pois é imprescindível levar adiante a instrução do processo para averiguar o que realmente aconteceu. “Diante da impossibilidade de se punir o recorrente, simultaneamente, pelos crimes-meios e pelo crime-fim, deve prevalecer neste momento processual apenas a imputação pelo crime do artigo 4º da Lei 7.492/1986, ressalvando-se a possibilidade de punição pelos crimes dos artigos 6º e 10 da mencionada lei, apenas em caso de não comprovação da gestão fraudulenta, procedendo-se à emendatio libelli”, arrematou.
Leia o acórdão no RHC 188.922.
STJ