O Município de Sete Lagoas terá que tomar uma série de medidas para combater o trabalho infantil na cidade. Os integrantes da Terceira Turma do TRT-MG mantiveram como válidas todas as 11 obrigações determinadas pelo juízo da 2ª Vara do Trabalho de Sete Lagoas para a erradicação do trabalho infantil naquela região. Os julgadores confirmaram também o valor da indenização por danos morais coletivos de R$ 250 mil, fixado na sentença.
Para o desembargador relator Milton Vasques Thibau de Almeida, as medidas adotadas até então pelo município, para combater o trabalho infantil, encontram-se em estágio embrionário. Segundo o julgador, “não há sequer a conclusão do diagnóstico que poderá nortear a concretização de políticas públicas capazes de suprimir o abominado trabalho infantil nesta municipalidade”. A decisão unânime da Terceira Turma do TRT-MG foi proferida em consequência do julgamento do recurso contra a sentença exarada no processo de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho em face do Município de Sete Lagoas. No caso, a juíza sentenciante entendeu que houve inércia do município devido à inexistência de políticas públicas eficazes à prevenção e erradicação do trabalho infantil. Ela analisou depoimentos e documentos juntados ao processo, que revelaram situações preocupantes de evasão escolar e de crianças e adolescentes envolvidos em trabalho doméstico, entre outras irregularidades. A condenação do município incluiu o cumprimento de algumas obrigações, além de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 250 mil.
Entre as 11 obrigações impostas, o município terá que “garantir, no próximo Orçamento Municipal, e nos que lhe sucederem, verbas suficientes para implementação do programa municipal de erradicação do trabalho infantil e regularização do trabalho do adolescente no município, adotando as medidas necessárias para a inclusão no Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual do Município”.
Terá também que “elaborar, no prazo de 90 dias, diagnóstico do trabalho infantil no município, identificando todas as crianças e adolescentes encontrados em situação de trabalho proibido”. Outra determinação diz respeito à “promoção, periodicamente, pelo menos três vezes por ano, de campanhas de conscientização da população em geral sobre o tema em escolas, feiras, mercados públicos e comércio em geral, por meio de faixas, outdoors, palestras, seminários, audiências públicas”.
O município será ainda responsável por “proceder, imediata e constantemente, resgate/cadastro das crianças e adolescentes encontrados em situação de trabalho, e de suas famílias, para efeito de inclusão em programas sociais do município e cadastramento no cadastro único do Governo Federal”. Além disso, terá que “oferecer e assegurar o acesso a atividades esportivas, culturais, lúdicas, de convivência e/ou de reforço escolar no contraturno para, no mínimo, 10% dos alunos regularmente matriculados nas escolas municipais”.
As medidas deferidas devem ser cumpridas, sob pena de pagamento de multa no valor de R$ 2 mil, por obrigação descumprida, a cada mês em que a omissão for mantida, renovável a cada nova constatação. O valor será reversível a projetos, órgãos públicos ou entidades beneficentes dedicadas às crianças e aos adolescentes da região abrangida pela circunscrição da 2ª Vara do Trabalho de Sete Lagoas.
Recurso
Ao ser condenado pelo juízo da 2ª Vara do Trabalho de Sete Lagoas, o município interpôs recurso, alegando “desacertos na decisão e afirmando que o autor da ação adotou um posicionamento imediatista, frio e opressor”. Afirmou que houve ingerência indevida do Poder Judiciário no Poder Executivo, enquanto administrador público. E apontou incoerência da decisão ao utilizar, para fundamentar a possibilidade de ingerência do Judiciário, precedentes relacionados a abrigos para pessoas em situação de rua, questões ambientais e melhoria no ensino público, temas nada afetos ao discutido na ação.
Além disso, argumentou que a Justiça do Trabalho era incompetente para julgar o processo, porque o pedido do autor foi muito amplo, com a criação de políticas públicas e sem esbarrar em questões de relações trabalhistas concretas.
Decisão
Ao apreciar o recurso e votar, o relator manteve a decisão proferida em primeiro grau. Segundo ele, embora haja a discricionariedade do Poder Executivo como administrador público, ela não é absoluta.
“Ao invocar a chamada reserva do possível, citando ausência de repasses financeiros, o réu contraria o entendimento do E. STF, no sentido de ser impossível a alegação de reserva do possível para esquivar-se de garantir o mínimo existencial, que é um dos vetores do princípio da dignidade humana. Em se tratando de Direito do Trabalho, é claro que o trabalho infantil é uma das principais mazelas sociais a serem sanadas. O E. STF, no tema 689 da Repercussão Geral, fixou a tese: A intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas voltadas à realização de direitos fundamentais, em caso de ausência ou deficiência grave do serviço, não viola o princípio da separação dos poderes”, ressaltou o julgador.
O magistrado verificou ainda que, apesar de apontar uma série de medidas adotadas, o município não se desincumbiu, de forma satisfatória, do ônus de provar que tais ações sejam de fato articuladas, desenvolvidas e aptas a prevenir e erradicar a realidade do trabalho infantil na localidade. “A prova oral acabou por comprovar o contrário, tais medidas são incipientes”, reconheceu o magistrado.
O relator reputou, então, correto o entendimento adotado na origem, no sentido de que a “implementação de medidas voltadas à erradicação do trabalho infantil no município se encontra em estágio embrionário”, o que dificulta a adoção e a concretização de políticas públicas capazes de eliminar o trabalho infantil na cidade.
Quanto à questão da incompetência da Justiça do Trabalho para julgar o caso, o magistrado rejeitou a argumentação do município. Ele reforçou que “a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) reiterou a competência da Justiça do Trabalho para julgar pedidos do Ministério Público do Trabalho (MPT) para levar municípios brasileiros a elaborar e implementar políticas públicas de combate e erradicação do trabalho infantil”. Atualmente, o processo aguarda decisão de admissibilidade do recurso de revista.
Dia Mundial de Erradicação do Trabalho Infantil
Hoje, 12 de junho, é o Dia Mundial de Erradicação do Trabalho Infantil, uma data instituída pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2002. O objetivo da data especial é conscientizar as pessoas sobre os efeitos prejudiciais do trabalho infantil no desenvolvimento físico e emocional das crianças e adolescentes, e sobre as ações e esforços necessários para eliminá-lo. As ações incluem a promoção de políticas públicas de proteção social, a garantia de acesso à educação de qualidade, a criação de programas de apoio às famílias e o fortalecimento da legislação trabalhista. A legislação brasileira protege crianças e adolescentes, mas a Justiça do Trabalho ainda registra casos relevantes relacionados ao trabalho infantil, que precisa ser combatido.
No voto condutor, o desembargador mencionou exemplos de iniciativas de engajamento do Poder Judiciário em relação ao tema do trabalho infantil. Ele citou o Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem, instituído pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho, no ato nº 419/CSJT, de 11/11/2013, que considera o dever da proteção integral e prioritária à criança e ao adolescente (artigo 227, caput e parágrafo 3º, da Constituição Federal), além da concretização da dignidade da pessoa e dos valores sociais do trabalho, fundamentos do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, III e IV, da CRFB), amparando-se, ainda, nas Convenções 138 e 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificadas pelo Brasil.
Com relação ao TRT-MG, ele citou como exemplo as recentes ações voltadas à execução do programa: evento de conscientização na Escola Estadual Júlio César Reis Oliveira, de Sete Lagoas, em 26/4/2023, com representantes da Justiça do Trabalho. O magistrado enfatizou também a abertura do mês das crianças, no edifício-sede do TRT-MG, em evento organizado pelo Programa de Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem, em parceria com o Centro de Memória/Escola Judicial, que recebeu alunos da Escola Municipal Hebert José de Sousa para atividades educativas relacionadas à literatura e História.
Ainda há muito a ser feito para garantir que todas as crianças tenham uma infância livre de exploração e cheia de oportunidades. A celebração do Dia Mundial de Erradicação do Trabalho Infantil é um momento para refletir sobre os avanços alcançados e os desafios que persistem. Neste dia, é importante lembrar que cada ação conta. Governos, empresas, organizações não governamentais e cidadãos comuns têm um papel fundamental na erradicação do trabalho infantil. Investir na educação, promover a conscientização, apoiar políticas públicas e denunciar práticas abusivas são passos essenciais para garantir que crianças e adolescentes possam crescer em um ambiente seguro e saudável, onde possam desenvolver todo o seu potencial.
PROCESSO PJe: 0010752-67.2021.5.03.0040 (ROT)
TRT3