Institui o Programa Terra da Gente e dispõe sobre a incorporação de imóveis rurais no âmbito da Política Nacional de Reforma Agrária.
O Presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, na Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, e na Lei nº 13.001, de 20 de junho de 2014,
DECRETA:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º Este Decreto institui o Programa Terra da Gente, coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, e dispõe sobre a incorporação de imóveis rurais no âmbito da Política Nacional de Reforma Agrária, prevista na Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964.
Parágrafo único. O Programa Terra da Gente tem como finalidade dispor sobre as alternativas legais para a aquisição e a disponibilização de terras para a reforma agrária, de forma a promover o acesso à terra, a inclusão produtiva e o aumento da produção de alimentos.
Art. 2º O Programa Terra da Gente destina-se a atender o público beneficiário da Política Nacional de Reforma Agrária, de que trata o art. 19 da Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 9.311, de 15 de março de 2018.
Parágrafo único. Incluem-se como destinatários do Programa Terra da Gente os beneficiários da política pública de regularização fundiária de territórios quilombolas e de outros povos e comunidades tradicionais, observada a legislação específica.
Art. 3º São objetivos do Programa Terra da Gente:
I – obter imóveis rurais para a Política Nacional de Reforma Agrária;
II – promover a integração de ações com o objetivo de disponibilizar imóveis rurais para a Política Nacional de Reforma Agrária;
III – articular as políticas públicas agrárias, fundiárias e territoriais à gestão patrimonial e à arrecadação da Dívida Ativa Tributária e da Dívida Ativa não Tributária da União;
IV – promover ações conjuntas entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA e a Secretaria do Patrimônio da União do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, para a destinação de terras rurais ocupadas por comunidades quilombolas incidentes em terrenos de marinha, marginais de rios, ilhas e lagos, nos termos do disposto no Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003;
V – contribuir para a promoção de paz no campo;
VI – ampliar as ações de destinação de terras públicas federais rurais para o reconhecimento de territórios quilombolas e de outros povos e comunidades tradicionais, observada a legislação específica; e
VII – implementar ações de cooperação federativa para a criação de projetos de assentamentos e o reconhecimento de territórios quilombolas e de outros povos e comunidades tradicionais em terras públicas.
CAPÍTULO II
DAS MODALIDADES DE OBTENÇÃO DE IMÓVEIS RURAIS
Art. 4º São modalidades de obtenção de imóveis rurais, para fins do disposto neste Decreto:
I – desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, nos termos do disposto no art. 184 da Constituição e na Lei nº 8.629, de 1993;
II – desapropriação por interesse social, nos termos do disposto na Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962;
III – doação;
IV – compra e venda;
V – destinação de imóveis rurais objeto de perdimento;
VI – expropriação de imóveis rurais em que forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou exploração de trabalho em condições análogas à escravidão;
VII – arrematação judicial de imóveis rurais penhorados em execuções;
VIII – aquisição mediante autorização judicial de imóveis rurais penhorados em execuções em trâmite na Justiça do Trabalho;
IX – dação em pagamento;
X – adjudicação;
XI – aquisição onerosa de imóveis rurais pertencentes a empresas públicas, sociedades de economia mista e serviços sociais autônomos;
XII – discriminação e arrecadação de terras devolutas da União, nos termos do disposto no art. 188 da Constituição e na Lei nº 6.383, de 7 de dezembro de 1976;
XIII – transferência de domínio, nos termos do disposto na Lei nº 4.504, de 1964;
XIV – arrecadação de bens vagos;
XV – reversão à posse da União de terras rurais de sua propriedade, indevidamente ocupadas e exploradas por terceiros, a qualquer título;
XVI – herança e legado; e
XVII – permuta.
Seção I
Da desapropriação
Art. 5º A incorporação de imóveis rurais à Política Nacional de Reforma Agrária poderá ser realizada por meio da desapropriação, nas seguintes modalidades:
I – por interesse social para fins de reforma agrária, nos termos do disposto na Lei nº 8.629, de 1993, e na Lei Complementar nº 76, de 6 de julho de 1993, quando verificado o descumprimento da função social da propriedade, conforme normas editadas pelo INCRA; e
II – por interesse social para promover a justa distribuição da terra, na forma prevista na Lei nº 4.132, de 1962.
§ 1º Na desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, o cumprimento integral da função social da terra rural será verificado de forma simultânea à aferição de produtividade do imóvel rural.
§ 2º Na desapropriação por interesse social para promover a justa distribuição da terra, o valor do imóvel rural será integralmente depositado em dinheiro, quando do ajuizamento da ação, como requisito do pedido de imissão provisória na posse.
§ 3º Caberá ao INCRA regulamentar as hipóteses de encerramento da desapropriação por acordo, na via administrativa, quando obtida a concordância do expropriado, observado o disposto no caput do art. 10 e no § 2º do art. 10-A do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, e no § 4º do art. 5º da Lei nº 8.629, de 1993.
Seção II
Da doação
Art. 6º Para a aplicação e o desenvolvimento de suas políticas públicas agrárias, fundiárias e territoriais, a União e o INCRA poderão receber imóveis rurais por meio de doação de particular ou do Poder Público, incluindo empresas públicas, sociedades de economia mista e serviços sociais autônomos.
Art. 7º Laudo ou estudo técnico deverá indicar a viabilidade do imóvel rural recebido em doação para a política pública à qual será destinado.
Art. 8º A doação de imóvel rural que contenha eventualmente benfeitorias úteis e necessárias de terceiros poderá compreender apenas a terra nua e o pagamento dessas benfeitorias deverá observar o disposto na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.
Art. 9º A incorporação de imóveis por doação independe da aferição do cumprimento da função social da terra no imóvel rural a ser adquirido.
Seção III
Da compra e venda
Art. 10. Para a aplicação e o desenvolvimento de suas políticas públicas agrárias, fundiárias e territoriais, a União e o INCRA poderão adquirir imóveis rurais por meio de compra e venda.
Art. 11. O pagamento da terra nua e das benfeitorias realizadas no imóvel rural a ser adquirido poderá ser efetuado em moeda corrente ou em títulos da dívida agrária.
Art. 12. Laudo ou estudo técnico deverá indicar a viabilidade do imóvel para a política pública à qual será destinado.
Art. 13. A aquisição por compra e venda independe da aferição do cumprimento da função social da terra no imóvel rural a ser adquirido.
Art. 14. Tendo como referência dados de valor da terra disponibilizados pelo INCRA, a autarquia agrária ou a União deverá emitir laudo ou estudo técnico que indique a compatibilidade do preço a ser pago e o valor de mercado do bem.
Art. 15. Em caso de oferta espontânea advinda do proprietário interessado em alienar imóvel, a União e o INCRA poderão instaurar processo administrativo de compra e venda de imóvel rural e solicitar ao ofertante a documentação pessoal e do imóvel a ser definida em normativos internos.
Art. 16. A União e o INCRA poderão publicar editais de chamamento público de proprietários rurais interessados em alienar imóveis por meio de compra e venda.
Art. 17. Mediante acordo com o proprietário, a União e o INCRA poderão iniciar estudos e trabalhos de implantação da política pública antes de efetuado o pagamento do preço.
Art. 18. O pagamento do preço contratado somente será efetuado após o registro da escritura pública no registro de imóveis competente.
Seção IV
Da arrematação judicial em processo de execução
Art. 19. A União e o INCRA poderão arrematar judicialmente imóveis rurais penhorados em processos de execução para a aplicação e o desenvolvimento de suas políticas públicas agrárias, fundiárias e territoriais.
§ 1º A arrematação prevista no caput independe da aferição do cumprimento da função social do imóvel rural.
§ 2º Poderão ser solicitadas informações ao Poder Judiciário, aos leiloeiros públicos ou a outros órgãos federais ou estaduais sobre imóveis rurais ofertados em leilão.
Art. 20. Para fins de arrematação judicial, a União ou o INCRA deverá emitir laudo ou estudo técnico para indicar:
I – a viabilidade do imóvel rural a ser adquirido para fins de implementação da política pública a que se destina; e
II – a compatibilidade entre os lances a serem ofertados e o valor de mercado do imóvel rural, a partir dos dados de valor da terra disponibilizados pelo INCRA e do edital público do leilão.
Parágrafo único. O valor indenizável referente a eventuais benfeitorias úteis e necessárias estará englobado no valor da avaliação do imóvel rural indicado no edital público do leilão.
Art. 21. O pagamento do valor após a arrematação será efetuado em moeda corrente ou em TDA, observada a legislação aplicável ao caso e de acordo com a determinação judicial.
Art. 22. Expedida a carta de arrematação pelo juízo competente, a União ou o INCRA providenciará o registro do imóvel rural, com a anotação de aquisição originária.
Parágrafo único. A imissão na posse do imóvel rural arrematado poderá ocorrer mediante deferimento do juízo competente, com sua afetação às políticas públicas agrárias, fundiárias e territoriais.
Seção V
Da adjudicação em processo de execução
Art. 23. Para a aplicação e o desenvolvimento de suas políticas públicas agrárias, fundiárias e territoriais, a União e o INCRA poderão adjudicar imóveis rurais em execuções relativas a débitos federais tributários ou não tributários.
Art. 24. Obtidas as autorizações administrativas competentes, a adjudicação prescindirá de empenho e transferência financeira entre a União e o INCRA e a entidade credora no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI.
Art. 25. Laudo ou estudo técnico deverá indicar a viabilidade do imóvel rural adjudicado para a política pública à qual será destinado.
Art. 26. A adjudicação independe da aferição do cumprimento da função social da terra no imóvel rural a ser adquirido.
Art. 27. Tendo como referência dados de valor da terra disponibilizados pelo INCRA, a autarquia agrária ou a União deverá emitir laudo ou estudo técnico que indique a compatibilidade do valor da adjudicação e o valor de mercado do bem.
Art. 28. Expedida a carta de adjudicação pelo juízo competente, a União ou o INCRA providenciará o registro do imóvel rural, com a anotação de aquisição originária.
Art. 29. A União e o INCRA poderão solicitar informações ao Poder Judiciário, aos leiloeiros públicos ou a outros órgãos públicos sobre imóveis rurais penhorados em execuções fiscais relativas a débitos federais tributários ou não tributários.
Art. 30. Mediante solicitação ao juízo competente, poderão a União e o INCRA imitir-se na posse do imóvel rural adjudicado, afetando-o à política pública.
Art. 31. O auto de adjudicação poderá compreender apenas a terra nua e poderá a União ou o Incra efetuar o pagamento das benfeitorias úteis e necessárias na forma estabelecida na legislação civil.
Seção VI
Da aquisição onerosa de imóveis rurais de empresas públicas, sociedades de economia mista e serviços sociais autônomos
Art. 32. Para a aplicação e o desenvolvimento de suas políticas públicas agrárias, fundiárias e territoriais, a União e o INCRA poderão efetuar aquisição onerosa de bens pertencentes a empresas públicas, sociedades de economia mista e serviços sociais autônomos, observado o disposto no inciso XVI do caput do art. 29 da Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016.
Art. 33. O pagamento da terra nua e das benfeitorias do imóvel rural a ser adquirido poderá ser efetuado, a critério do Ministério da Fazenda e mediante consentimento da empresa estatal, por meio de compensações de obrigações de empresas estatais perante a União, na condição de seu acionista controlador.
Art. 34. Laudo ou estudo técnico deverá indicar a viabilidade do imóvel rural adquirido onerosamente para a política pública à qual será destinado.
Art. 35. A aquisição onerosa de bens pertencentes a empresas públicas, sociedades de economia mista e serviços sociais autônomos independe da aferição do cumprimento da função social da terra no imóvel rural a ser adquirido.
Art. 36. Tendo como referência dados de valor da terra disponibilizados pelo INCRA, a autarquia agrária ou a União deverá emitir laudo ou estudo técnico que indique o valor de mercado do bem.
Art. 37. Efetuadas as compensações previstas no art. 33, a União ou o INCRA providenciará o registro do imóvel rural em seu nome.
Art. 38. A União e o INCRA poderão solicitar a empresas públicas, sociedades de economia mista e serviços sociais autônomos informações sobre imóveis rurais que possam ser objeto de aquisição onerosa.
Art. 39. Mediante acordo com a empresa pública, a sociedade de economia mista ou o serviço social autônomo, a União e o INCRA poderão iniciar estudos e trabalhos de implementação da política pública antes de efetuado o pagamento ou a compensação de valores.
Art. 40. O termo de alienação poderá compreender apenas a terra nua e poderá a União ou o INCRA, quando necessário, efetuar o pagamento das benfeitorias úteis e necessárias na forma estabelecida na legislação civil.
CAPÍTULO III
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 41. Caberá ao INCRA regulamentar os procedimentos administrativos de obtenção dos imóveis rurais no âmbito do Programa Terra da Gente para a Política Nacional de Reforma Agrária, por meio de:
I – arrecadação de bens vagos;
II – permuta;
III – herança e legado;
IV – dação em pagamento;
V – expropriação de imóveis rurais em que forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou exploração de trabalho em condições análogas à escravidão; e
VI – aquisição mediante autorização judicial de imóveis rurais penhorados em execuções em trâmite na Justiça do Trabalho.
Art. 42. Ato conjunto do Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e do Ministro de Estado da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos regulamentará:
I – os procedimentos necessários para destinação e incorporação de imóveis rurais à União para fins do Programa Terra da Gente;
II – o instrumento de transferência de gestão dos imóveis rurais entre os órgãos;
III – o cadastro dos imóveis rurais em sistemas patrimoniais; e
IV – outros trâmites necessários ao alcance dos objetivos do Programa Terra da Gente.
Art. 43. O Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e o Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública poderão editar ato conjunto com o objetivo de disciplinar a destinação de imóveis rurais objeto de perdimento para políticas públicas agrárias, fundiárias e territoriais.
Art. 44. O Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar poderá atuar na aquisição de imóveis rurais por meio do Programa Nacional de Crédito Fundiário – PNCF, financiado com recursos oriundos do Fundo de Terras e da Reforma Agrária destinados ao acesso à terra e aos investimentos básicos, de forma complementar à reforma agrária.
Art. 45. O Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e o INCRA poderão firmar:
I – acordos de cooperação com órgãos e entidades federais, estaduais, distritais e municipais com o objetivo de operacionalizar o Programa Terra da Gente; e
II – acordos de cooperação técnica e outras parcerias com:
a) órgãos e entidades federais, estaduais, distritais e municipais para possibilitar a troca de informações sobre trabalho análogo a de escravo, descumprimento de legislação trabalhista, danos ambientais e conflitos agrários, com vistas à instrução de processos de desapropriação por descumprimento da função social da terra; e
b) os Estados, o Distrito Federal e os Municípios para obtenção de apoio na adjudicação e na dação em pagamento de imóveis rurais passíveis de aplicação nas políticas públicas agrárias, fundiárias e territoriais, no âmbito de execuções de dívidas tributárias e não tributárias de titularidade dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Art. 46. Ato conjunto do Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e do Ministro de Estado da Fazenda:
I – definirá, para cada exercício fiscal, o quantitativo de adjudicações a serem efetuadas; e
II – disciplinará o disposto no art. 33.
Art. 47. No âmbito da execução do Programa Terra da Gente, os Estados e o Distrito Federal, a critério do Ministério da Fazenda, poderão efetuar a transferência de imóveis rurais à União, a fim de pagar:
I – créditos relativos aos contratos de refinanciamento de que trata a Lei nº 9.496, de 11 de setembro de 1997; ou
II – créditos tributários inscritos em Dívida Ativa da União, nos termos do disposto no art. 4º da Lei nº 13.259, de 16 de março de 2016.
Art. 48. As despesas decorrentes do disposto neste Decreto correrão à conta das dotações orçamentárias anualmente consignadas aos órgãos e às entidades envolvidos em sua implementação, observados os limites de movimentação, empenho e pagamento da programação orçamentária e financeira anual.
Art. 49. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 15 de abril de 2024; 203º da Independência e 136º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Luiz Paulo Teixeira Ferreira
Esther Dweck