Prescrição e Decadência das Contribuições Previdenciárias Patronais nos Regimes Próprios

Bruno Sá Freire Martins – Advogado; Consultor jurídico da ANEPREM e da APREMAT; Pós-graduado em Direito Público e em Direito Previdenciário; Professor de Pós-graduação.

 

RESUMO: O presente artigo aborda o entendimento do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a natureza tributária da contribuição previdenciária patronal destinada ao Regime Próprio de Previdência Social, com as consequentes implicações inerentes à prescrição e decadência do crédito tributário. Bem como discute a necessidade de financiamento destes Regimes com o objetivo de obtenção do equilíbrio financeiro e atuarial.

PALAVRAS CHAVES: CONTRIBUIÇÃO – TRIBUTO – EQUILÍBRIO ATUARIAL E FINANCEIRO.

 

ABSTRACT: This article addresses the understanding of the Federal Supreme Court that recognized the tax nature of the employer’s social security contribution destined to the Special Social Security System, with the consequent implications inherent to the prescription and decay of the tax credit. As well as discusses the need to finance these Regimes with the objective of obtaining financial and actuarial balance.

KEYWORDS: CONTRIBUTION – TAX – ACTUARIAL AND FINANCIAL BALANCE.

 

1 – Introdução

O Regime Próprio de Previdência Social, desde a reforma de 1.998, passou a ser custeado mediante contribuições pagas pelos seus segurados e pelo Ente Federado que o instituiu.

Surgindo aí a chamada contribuição patronal, acerca da qual sempre houve controvérsia quanto a sua natureza de tributo.

Controvérsia essa que impacta diretamente os Regimes Próprios à medida que ao longo dos anos tem se tornado comum, os Entes Federados não promoverem o repasse das mesmas dentro dos prazos fixados em Lei ou mesmo se manterem inadimplentes por longos períodos.

Ensejando a discussão acerca da ocorrência da prescrição do direito de cobrar a referida contribuição por parte do Regime Próprio e até mesmo da decadência do dito crédito, o que caso venha a ser reconhecido traz impactos não só financeiros e atuariais, mas também jurídicos já que poderá vir a afastar penalidades aplicadas administrativamente ao Ente Federado e ao Gestor que deu causa a inadimplência.

Razão pela qual é fundamental o debate do assunto, sendo este o objetivo do presente artigo.

 

2 – A Contribuição Patronal

Com o advento da Emenda Constitucional n.º 20/98 introduziu-se no caput do artigo 40 da Constituição Federal o caráter contributivo como preceito de observância obrigatória pelos Regimes Próprios.

A partir de então como afirma Martins[1] no âmbito dos Regimes Próprios de Previdência o custeio do sistema, por força do que estabelece o caput, do art. 40, da Constituição Federal, é feito de forma bipartite, financiado por intermédio das contribuições vertidas para o regime pelos servidores ativos, inativos e pensionistas e pelo Ente estatal ao qual estes estiverem vinculados.

Tendo restado evidente a necessidade de efetivação de contribuições previdenciárias para o custeio do sistema, regulada pela Lei n.º 9.717/98, na condição de norma geral, nos seguintes termos:

Art. 1º Os regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal deverão ser organizados, baseados em normas gerais de contabilidade e atuária, de modo a garantir o seu equilíbrio financeiro e atuarial, observados os seguintes critérios:

II – financiamento mediante recursos provenientes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das contribuições do pessoal civil e militar, ativo, inativo e dos pensionistas, para os seus respectivos regimes;

III – as contribuições e os recursos vinculados ao Fundo Previdenciário da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e as contribuições do pessoal civil e militar, ativo, inativo, e dos pensionistas, somente poderão ser utilizadas para pagamento de benefícios previdenciários dos respectivos regimes, ressalvadas as despesas administrativas estabelecidas no art. 6º, inciso VIII, desta Lei, observado os limites de gastos estabelecidos em parâmetros gerais;

Posteriormente, a Emenda Constitucional n.º 41/03 introduziu expressamente, a nível de norma fundamental, o dever do Ente Federado contribuir para os Regimes Próprios, ao estabelecer que:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

 

O que vem se mantendo, desde então, no caput do artigo 40 da Carta Magna, apesar das modificações a que este foi submetido desde o ano de 2.003.

Devendo-se destacar, também, que a Lei n.º 9.717/98 estabelece patamares mínimo e máximo de valor/percentual da contribuição previdenciária patronal, senão vejamos:

Art. 2o A contribuição da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, aos regimes próprios de previdência social a que estejam vinculados seus servidores não poderá ser inferior ao valor da contribuição do servidor ativo, nem superior ao dobro desta contribuição.

Contribuição essa denominada contribuição normal, à medida que tem por destinação o cumprimento da obrigação patronal com relação ao dúplice custeio do sistema e que não pode ser confundida com a contribuição suplementar.

Já que esta tem por escopo dar cumprimento ao dever imposto ao Ente Federado de financiar o passivo atuarial do Regime como se depreende do Anexo da Portaria n.º 464 de 19 de Novembro de 2.018 do Ministério da Fazenda, cujo teor é o seguinte:

  1.  Custo suplementar: o valor correspondente às necessidades de custeio, atuarialmente calculadas, destinado à cobertura do tempo de serviço passado, ao equacionamento de deficit gerados pela ausência ou insuficiência de alíquotas de contribuição, inadequação das bases técnicas ou outras causas que ocasionaram a insuficiência de ativos necessários à cobertura das provisões matemáticas previdenciárias, de responsabilidade de todos os poderes, órgãos e entidades do ente federativo.

Mas que também se constitui em uma obrigação do Ente Federado destinada ao custeio das despesas previdenciárias, no caso, o passivo atuarial.

3 – Natureza Jurídica

A Constituição Federal, em seu artigo 149, impõe aos Entes Federados a instituição de contribuições previdenciárias com o objetivo de custear seus Regimes Próprios, as quais, tomando por base o caput do dito artigo, devem ser consideradas como contribuições sociais.

 

E, nessa condição, revestem-se da natureza jurídica de tributo, pois segundo MACHADO[2] é induvidosa, hoje, a natureza jurídica dessas contribuições. Aliás, a identificação da natureza jurídica de qualquer imposição do Direito só tem sentido prático porque define o seu regime jurídico, vale dizer, define quais são as normas jurídicas aplicáveis. No caso de que se cuida, a Constituição afastou as divergências doutrinárias afirmando serem aplicáveis as contribuições em tela as normas gerais de Direito Tributário e os princípios da legalidade e da anterioridade tributárias, com ressalva, quanto a este, das contribuições de seguridade, às quais se aplica regra própria.

HARADA[3], ao se manifestar sobre as contribuições sociais, afirma que a verdade é que essas contribuições são compulsórias e se enquadram perfeitamente na definição de tributo dada pelo art. 3º do CTN. Sua natureza jurídica específica resulta do fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la a denominação e demais características formais adotadas pela lei, assim como, a destinação legal do produto de sua arrecadação (art. 4º do CTN).

Posicionamento esse adotado pelo Superior Tribunal de Justiça com relação à contribuição previdenciária dos servidores destinadas a seus Regimes Próprios, senão vejamos:

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL DA UNIÃO. CONHECIMENTO PARCIAL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DESCONTADA NA FONTE. SERVIDOR PÚBLICO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRECEDENTES.

  1. Recurso especial de Paulo Lemos dos Santos já julgado conforme decisão de fls. 346/354, contra a qual não interposto recurso (fl. 359).
  2. Recurso especial da União que ultrapassa a barreira de admissibilidade recursal, tão-somente no tocante à discussão sobre a natureza do lançamento do tributo, no caso, contribuição previdenciária de servidor público.
  3. Nos termos da jurisprudência da Primeira Seção, a contribuição previdenciária é tributo sujeito a lançamento por homologação, não tendo a simples retenção na fonte o condão de transmudar a natureza do lançamento da exação (de lançamento por homologação para lançamento de ofício). Precedentes: EREsp 1.096.074/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, julgado em 9/6/2010, DJe 16/6/2010; AgRg nos EREsp 216.758/SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, julgado em 22/3/2006, DJ 10/4/2006, p. 111. 4. Recurso especial da União parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (REsp 1224723/SC, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, Rel. p/ Acórdão Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/09/2019, DJe 10/09/2019)

E, pela Corte Suprema, quanto à contribuição previdenciária patronal, nesse sentido:

Ementa: AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. EMISSÃO DE CERTIFICADO DE REGULARIDADE PREVIDENCIÁRIA. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTA DE CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PATRONAL. SUBSUNÇÃO AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – A majoração da alíquota patronal prevista na Lei Estadual 14.258/2007 (resultante da conversão da Medida Provisória 143/2007), do Estado de Santa Catarina, incide apenas após o decurso do prazo relativo à anterioridade nonagesimal (noventena) previsto no art. 195, § 6º, da Constituição. II – Agravo regimental a que se nega provimento. (STF. ACO 1196 AgR, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 30/06/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-171  DIVULG 03-08-2017  PUBLIC 04-08-2017)

Entretanto, não se pode perder de vista o fato de que, a contribuição patronal, como já mencionado, pode se dividir em duas, sendo a primeira e principal a denominada contribuição normal e a segunda a contribuição suplementar que tem como objetivo, como já dito, o financiamento do passivo atuarial do respectivo regime.

Nesse ponto, é bem verdade que, a decisão da Corte Suprema que reconheceu a natureza jurídica de tributo da contribuição patronal não fez distinção quanto a contribuição normal e a suplementar.

O que não poderia ser diferente, já que a Lei estadual n.º 14.258/07, objeto do Recurso Extraordinário onde foi proferida a decisão, não faz qualquer distinção entre ambas, limitando-se apenas a estabelecer o percentual de 22% (vinte e dois por cento) como contribuição previdenciária patronal.

Contudo a Orientação Normativa n.º 002/09 do Ministério da Previdência social sinalizou que os recursos destinados ao custeio do passivo atuarial também são contribuições previdenciárias, como se vê do teor do seu artigo 24 in verbis:

 

Art. 24. O RPPS terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do ente federativo, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.

  • 1º Entende-se por observância do caráter contributivo:

I – a previsão expressa, em texto legal, das alíquotas de contribuição do ente federativo e dos segurados ativos, dos segurados inativos e dos pensionistas;

II – o repasse mensal e integral dos valores das contribuições à unidade gestora do RPPS;

III – a retenção, pela unidade gestora do RPPS, dos valores devidos pelos segurados ativos, dos segurados inativos e dos pensionistas, relativos aos benefícios e remunerações cujo pagamento esteja sob sua responsabilidade; e

IV – o pagamento à unidade gestora do RPPS dos valores relativos a débitos de contribuições parceladas mediante acordo.

  • 2º Os valores devidos ao RPPS, de que tratam os incisos I e IV do § 1º, deverão ser repassados, em cada competência, em moeda corrente, de forma integral, independentemente de disponibilidade financeira do RPPS, sendo vedada a compensação com valores destinados, em competências anteriores, aos seguintes fins:

I – à cobertura do passivo previdenciário ou de insuficiências financeiras; ou

II – ao pagamento de benefícios previdenciários custeados pelo ente por determinação legal.

Conclusão essa decorrente da afirmação acerca da existência de contribuição do Ente Federado, juntamente com a dos servidores (incisos I e II do § 1º) e prevê que estas se destinam ao financiamento do passivo previdenciário (inciso I do § 2º).

Tendo, ainda, por intermédio da Portaria n.º 464 de 19 de Novembro de 2.018 do Ministério da Fazenda, dispensado tratamento igualitário entre a contribuição normal e a suplementar como se depreende de seu teor:

Art. 6º Na hipótese de instituição de RPPS, para fins do cumprimento do equilíbrio financeiro e atuarial:

III – a alíquota de contribuição a cargo do ente federativo, correspondente à soma do custo normal e suplementar do RPPS, não poderá ser inferior àquela prevista no inciso I do art. 22 da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991, para o Regime Geral de Previdência Social – RGPS, até a amortização integral de eventual deficit atuarial do RPPS.

O que permite, por intermédio da conjugação dos dois dispositivos, concluir que, na visão da União, ambas tem a mesma natureza jurídica.

O Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás, no Acórdão n.º 00015/19, lançado nos autos n.º 17680/18, do qual foi Relator o Conselheiro Substituto Vasco C. A. Jambo afirma que ambas tem a mesma natureza, senão vejamos:

 

EMENTA: CONSULTA. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE ATENDIDOS. RPPS. PLANO DE AMORTIZAÇÃO. APORTE PERÍODO DE RECURSOS. CONTRIBUIÇÃO SUPLEMENTAR. REPERCUSSÃO NAS DESPESAS COM PESSOAL. Os portes periódicos realizados pelo município, para equacionar o déficit atuarial do RPPS, devem ser aplicados por pelo menos cinco anos e tem natureza de “outras despesas correntes”, não sendo incluídos nas despesas com pessoal e nem repercutindo no limite fiscal estabelecido no art. 19 da LC 101/2000. Os recursos dos aportes periódicos, quando utilizados antes de completados cinco anos de sua realização, passam a integrar o total das despesas com pessoal e repercutem no limite fiscal. A contribuição previdenciária suplementar realizada pelo município, para equacionar o déficit atuarial do RPPS, tem natureza idêntica à da contribuição patronal principal, compondo o total das despesas com pessoal, estabelecida no art. 18 da LC 101/2000.

Na mesma toada caminhou o parecer n.º 18.790/21 emitido pela Dr.ª GEORGINE SIMÕES VISENTINI nos processos administrativos eletrônicos n.ºs 20/0801-0002152-0, 21/1400-0000622-0 e 21/1400-0001165-7, senão vejamos o teor da sua Ementa:

FUNDO DE MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA E DE VALORIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO (FUNDEB). EMENDA CONSTITUCIONAL 108/20. LEI 14.113/20. LEI 9.394/96 (LDB). CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA DAS DESPESAS EFETUADAS. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ENCARGOS SOCIAIS QUE CONSUBSTANCIAM DESPESA TRIBUTÁRIA. UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS EM CONSONÂNCIA COM A LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. NÃO INCURSÃO NAS HIPÓTESES VEDADAS PARA CÔMPUTO ENTRE AS DESPESAS DE MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO (ART. 71 DA LDB).

  1. As disposições contidas nos artigos 70 e 71 da Lei 9.394/96 (LDB), na Lei 14.113/20, e as alterações introduzidas no texto constitucional pela EC 108/20, máxime a vedação inserta no § 7º do artigo 212 da CF/88, devem ser examinados na perspectiva dos conceitos de despesa previdenciária e de despesa tributária, sendo possível afirmar que a vedação para efetuar pagamento de despesa tributária, com recursos do FUNDEB, volta-se apenas a despesas dessa espécie referentes a exercícios anteriores.
  2. A matéria demanda sopesamento dos aspectos históricos e das peculiaridades de cada ente federado. No Estado do Rio Grande do Sul, a contribuição patronal com inativos da área da educação e a contribuição patronal suplementar do Estado ao RPPS (encargo legal instituído para cobertura do déficit com pensionistas e inativos da área da educação derivado da ausência de liquidação das contribuições patronais de exercícios anteriores) configuram, respectivamente, contribuição previdenciária ordinária e suplementar, detendo, portanto, natureza jurídica de tributo, enquadrando-se na categoria de ‘encargos sociais’. Constituem, para efeito financeiro e orçamentário, despesa tributária com os profissionais da área da educação e não despesa previdenciária.
  3. >O artigo 71 da LDB não inclui os encargos sociais entre as despesas cujo cômputo em manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) é vedado. Por sua vez, a Lei n.º 14.113/20 inclui os encargos sociais no conceito de remuneração para fins de aplicação dos recursos do FUNDEB e cômputo em MDE.
  4. O termo ‘remuneração’, na redação atual do inciso IX do artigo 37 da CF/88, atrai idêntico tratamento jurídico em relação ao termo ‘proventos’, e significado equivalente a ‘proventos integrais’. A atual redação do § 2º do artigo 40 da CF/88 também igualou ‘proventos’ a ‘remuneração’, para os servidores aposentados pelo Sistema de Repartição Simples do RPPS, no período anterior à EC 103/20, e para todos aqueles que vierem a se inativar com fundamento no artigo 20, § 2º, I, da EC 103/20. As normas constitucionais que disciplinam a ‘remuneração’ dos servidores públicos e os ‘proventos’ de aposentadoria dos servidores com direito à paridade e integralidade não mais permitem a distinção de significado ou diferenciação de tratamento jurídico entre tais expressões. Entendimento que deve ser aplicado em relação à aplicação dos recursos do FUNDEB, de modo que eventual limitação decorrente da interpretação do artigo 26 da Lei 14.113/20 somente se justificaria em relação a encargos sociais dos servidores da área da Educação inativados pelo Regime de Repartição Simples sem direito à integralidade e à paridade de vencimentos com os servidores ativos.
  5. As modificações normativas veiculadas pela LC 173/20 e pela LC 178/21, que alteraram, dentre outros diplomas, a LC 101/00 (LRF), a LC 156/16 e a LC 159/17 (RRF) corroboram a diferenciação aqui estabelecida entre despesas previdenciárias e despesas tributárias. Eventual guinada de orientação, que ocorreria na hipótese aventada pela Informação SAIPAG n.º 17/2020, não pode deixar de considerar a aplicação do disposto no artigo 23 da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB). O regime de transição, nesse contexto, deverá observar, no mínimo, o mesmo prazo de 10 anos fixado no art. 15 da LC 178/21, a contar do exercício de 2023, face à novidade e à especialidade das medidas de reforço da responsabilidade fiscal ali estabelecidas pelo legislador.
  6. Os órgãos administrativos envolvidos na aplicação dos recursos do FUNDEB devem atentar para as delimitações traçadas na Lei 14.113/20, no que concerne à ampliação do rol dos profissionais da educação básica (art. 26, II), cuja remuneração deverá absorver não menos de 70% daqueles valores, e ao conjunto de outras despesas, para as quais podem ser direcionados o percentual remanescente de até 30% do FUNDEB e os gastos com MDE.

De forma que há de se concluir que a contribuição previdenciária patronal suplementar também possui natureza tributária e como tal está sujeita a todas as limitações ao poder de tributar e também a outros preceitos atinentes à legislação tributária.

 

4 – A Prescrição e a Decadência Tributárias e seus Efeitos

Segundo MAZZA[4] a prescrição e a decadência são institutos que decorrem do princípio da segurança jurídica, atuando como mecanismos de estabilização de conflitos e consecução da paz social. Decadência tributária é a perda do direito de constituir o crédito tributário que ocorre se o Fisco não exercê-lo dentro do prazo legal.

Já a prescrição tributária consiste no prazo para que a Fazenda Pública ingresse em Juízo com o objetivo de promover a cobrança do crédito tributário devidamente constituído.

Partindo dos conceitos dos dois institutos é possível afirmar que a primeira extingue o direito ao crédito propriamente dito, enquanto que a segunda impede apenas a sua cobrança judicial.

Uma diferença sútil, mas significativa, é que, em tese, a primeira afasta a existência da dívida propriamente dita, enquanto que a segunda impede apenas a cobrança, mas não se constitui em óbice para o pagamento voluntário da mesma.

Entretanto, o artigo 156 do Código Tributário é claro ao prever que tanto a decadência quanto a prescrição são causas de extinção do crédito tributário senão vejamos:

Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

V – a prescrição e a decadência;

Parágrafo único. A lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observado o disposto nos artigos 144 e 149.

Razão pela qual a jurisprudência já se posicionou no sentido de que o pagamento de dívida tributária prescrita enseja a repetição de indébito, senão vejamos:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. IPTU. ARTIGOS 156, INCISO V, E 165, INCISO I, DO CTN. INTERPRETAÇÃO CONJUNTA. PAGAMENTO DE DÉBITO PRESCRITO. RESTITUIÇÃO DEVIDA.

  1. A partir de uma interpretação conjunta dos artigos 156, inciso V, (que considera a prescrição como uma das formas de extinção do crédito tributário) e 165, inciso I, (que trata a respeito da restituição de tributo) do CTN, há o direito do contribuinte à repetição do indébito, uma vez que o montante pago foi em razão de um crédito tributário prescrito, ou seja, inexistente. Precedentes:

(REsp 1004747/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 18/06/2008; REsp 636.495/RS, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 02/08/2007) 2. Recurso especial provido. (STJ. REsp 646.328/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/06/2009, DJe 23/06/2009)

TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO. DIREITO À REPETIÇÃO DO INDÉBITO NO CASO DE PAGAMENTO DE DÉBITO TRIBUTÁRIO PRESCRITO. POSSIBILIDADE. 1. Nos termos do art. 156, inciso V, do CTN, a prescrição é uma das causas que extinguem o crédito tributário, de modo que o pagamento de crédito prescrito enseja o reconhecimento de indébito. 2. Ainda que a parte autora tenha pago o crédito tributário para extinguir processo de execução fiscal, tem direito à repetição dos débitos eventualmente prescritos. 3. Recurso parcialmente provido. (5026324-76.2018.4.04.7108, QUINTA TURMA RECURSAL DO RS, Relator ANDREI PITTEN VELLOSO, julgado em 27/06/2019)

APELAÇÃO – AÇÃO ORDINÁRIA – REPETIÇÃO DE INDÉBITO – IPVA – PAGAMENTO DE DÉBITO PRESCRITO. Sentença de improcedência. MÉRITO – Comprovação do pagamento do tributo prescrito – Restituição dos valores cobrados indevidamente e pagos pela autora que é devida – Inteligência dos artigos 156, inciso V, e 165, inciso I, do CTN – Precedentes desta C. 8ª Câmara. Sentença reformada. Recurso provido. (TJSP;  Apelação Cível 1021649-15.2018.8.26.0053; Relator (a): Leonel Costa; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 13ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 31/07/2020; Data de Registro: 31/07/2020)

Assim, é possível afirmar que, uma vez ocorrida a decadência e/ou a prescrição dos créditos decorrentes da contribuição previdenciária patronal não paga dentro do prazo legal, o Ente Federado não será mais obrigado ao pagamento das mesmas.

Incluindo-se nessa conclusão tanto a contribuição patronal normal quanto a suplementar, à medida que ambas possuem a mesma natureza jurídica.

 

5 – Dever de Financiar as Insuficiências do Regime Próprio

Ocorre que a União emitiu o parecer n.º 00007/2021/CONSUNIAO/CGU/AGU, assim ementado:

EMENTA: Parecer. Contribuição previdenciária patronal. Administração Pública. Mesmo extinta a obrigação tributária pela confusão, remanesce a obrigação financeira de o ente público repassar os valores devidos ao fundo previdenciário. P a r e c e r PGFN/CAT nº 5/2019. arecer SEI nº 135/2019/CAF/PGACFFS/PGFN-ME. Parecer SEI nº 8870/2021/ME. Parecer SEI nº 10345/2021/ME. Parecer nº 00021/2019/CONSUNIAO/CGU/AGU.

Onde afirma-se, categoricamente, que:

  1. Por todo o exposto, opina-se pela remessa deste Parecer ao Senhor Consultor-Geral da União para que atualize a conclusão do Parecer nº 00021/2019/CONSUNIAO/CGU/AGU, no sentido de que seja esclarecido que remanesce a obrigação financeira do ente federativo de repassar os valores devidos em face do não recolhimento das contribuições previdenciárias patronais, observando-se a destinação da verba ao fundo previdenciário, uma vez que a respectiva verba serve para o equilíbrio atuarial do regime de previdência.

Conclusão essa que se baseia na Lei n.º 9.717/98, onde está previsto que:

Art. 2º …

  • 1oA União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são responsáveis pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras do respectivo regime próprio, decorrentes do pagamento de benefícios previdenciários.

Previsão cuja compreensão fica mais clara quando analisada em conjunto com o teor do § 1º do artigo 9º da Emenda Constitucional n.º 103/19 cuja redação é a seguinte:

Art. 9º Até que entre em vigor lei complementar que discipline o § 22 do art. 40 da Constituição Federal, aplicam-se aos regimes próprios de previdência social o disposto na Lei nº 9.717, de 27 de novembro de 1998, e o disposto neste artigo.

  • 1º O equilíbrio financeiro e atuarial do regime próprio de previdência social deverá ser comprovado por meio de garantia de equivalência, a valor presente, entre o fluxo das receitas estimadas e das despesas projetadas, apuradas atuarialmente, que, juntamente com os bens, direitos e ativos vinculados, comparados às obrigações assumidas, evidenciem a solvência e a liquidez do plano de benefícios.

Acerca do dispositivo MARTINS[5] afirma que:

O primeiro parágrafo unifica o que até então era tido pela dou[1]trina como princípios distintos, fazendo com que passe a existir apenas e tão somente a necessidade de observância de equilíbrio financeiro e atuarial, conclusão essa que decorre do fato de este contar com definição única para ambos.

A definição está mais afeta ao equilíbrio atuarial, já que até a Emenda Constitucional n. 103/2019 se considerava equilíbrio financeiro o recebimento de receitas suficientes para os pagamentos da folha de benefícios em determinado período, o que, pelo novo ordenamento constitucional, conforme se vê do parágrafo em comento, deixou de ser uma imposição para os Regimes Próprios.

Isso porque, com a redação do parágrafo, o conceito de equilíbrio financeiro e atuarial, elevado à condição de norma constitucional, impõe a necessidade de que se faça a projeção de receitas e despesas, atuarialmente, incluindo-se ainda bens, direitos e ativos vinculados ao Regime Próprio e devendo-se ao final evidenciar a existência de solvência e liquidez do plano de financiamento do passivo atuarial adota[1]do pelo Regime Próprio.

E NÓBREGA e BENEDITO[6] ressaltam que o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial deve, pois, ser observado por todos os entes federativos que instituíram RPPS para seus servidores, que deverão seguir os preceitos, diretrizes e parâmetros previstos na CR/88, na Lei Geral dos RPPSs e nos normativos expedidos pela SEPRT/ME.

Obrigatoriedade essa que decorre da sua natureza de princípio básico do sistema, como já se posicionou o Supremo Tribunal Federal, senão vejamos:

Ementa: AGRAVOS REGIMENTAIS NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. REGIME PREVIDENCIÁRIO PRÓPRIO. BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS CUSTEADOS PELO ERÁRIO MUNICIPAL. PERÍODO ANTERIOR AO REGIME CONTRIBUTIVO DA EMENDA CONSTITUCIONAL 20/98. EXCLUSÃO DO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. FIXAÇÃO. 1. O regime previdenciário do servidor público, com o advento da EC nº 20/98, tornou-se eminentemente contributivo, que erigiu o equilíbrio financeiro e atuarial à condição de princípio básico do sistema. 2. In casu, trata-se de execução de contribuições previdenciárias relativas ao período de agosto de 1993 a agosto de 1995, antes, portanto, da instituição do regime previdenciário de cuja natureza se poderia deduzir a obrigatoriedade de contribuição dos servidores segurados. 3. É cediço que: a) o sistema previdenciário próprio exclui a aplicabilidade do regime geral, quando instituída pelo Município a contribuição dos segurados; b) o parágrafo único do art. 149 da Constituição (redação originária) previa uma faculdade de instituição de contribuição previdenciária dos servidores, e não uma imposição aos entes federados. (Precedente: ADI 2.024, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 22/06/07). 4. Agravo regimental interposto pelo Município de Paranavaí. Fixação do ônus da sucumbência. 4.1. A Fazenda Púbica, quando vencida, não impede a aplicação do disposto no artigo 20, § 4º, combinado com o § 3º, alíneas “a”, “b” e “c”, do Código de Processo Civil, fixando-se os ônus da sucumbência com base no valor da causa. 5. In casu, o Juízo Federal de Primeira Instância condenou a municipalidade no pagamento do ônus da sucumbência no montante de R$ 300,00 (trezentos reais), em face do valor dado à causa – R$ 2.000,00 (dois mil reais) – tendo em conta o disposto no artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil 6. Desprovejo o agravo regimental interposto pelo INSS e dou provimento ao agravo regimental formalizado pela municipalidade, quanto à fixação do ônus da sucumbência. (RE 590714 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 25/06/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-159  DIVULG 14-08-2013  PUBLIC 15-08-2013)

De forma que a obrigação imposta pelo § 1o do artigo 2º da Lei n.º 9.717/98 de os Entes Federados custearem as insuficiências financeiras de seus Regimes Próprios, a partir da Emenda Constitucional n.º 103/19 abarca tanto as déficits financeiros na folha de pagamentos quanto o passivo atuarial.

Motivo pelo qual, mesmo que ocorra a prescrição e/ou decadência dos créditos tributários oriundos da contribuição patronal normal e/ou suplementar, persiste o dever legal dos Entes financiarem o Regime Próprio na busca de seu equilíbrio financeiro e atuarial.

Assim sendo, estes continuam a ter a obrigação de proporcionar aos Regimes Próprios os recursos necessários ao financiamento tanto das insuficiências financeiras que existirem na folha de pagamentos quanto do passivo atuarial do Regime, persistindo, portanto, o dever legal e constitucional de custear tais encargos financeiros.

Por outro lado, naqueles casos onde restar evidenciado a inexistência de déficit financeiro e passivo atuarial há de se reconhecer a extinção do crédito tributário decorrente das contribuições patronais prescritas ou que foram atingidas pela decadência, ante a inexistência de insuficiência a ser suportada pelo Ente Federado.

 

6 – Conclusão

Assim, há de se concluir que ainda que ocorra a decadência ou prescrição das contribuições patronais, subsiste o dever do Ente Federado de promover o aporte de recursos com o objetivo de proporcionar o equilíbrio atuarial e financeiro de seu Regime Próprio, salvo naqueles casos onde não haja passivo atuarial ou déficit financeiro na folha de pagamento dos benefícios.

 

Notas:

[1] MARTINS, Bruno Sá Freire. DIREITO CONSTITUCIONAL PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, editora LTr, página 34.

[2] MACHADO, Hugo de Brito. CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO. 23ª edição,  editora Malheiros, página 387.

[3] HARADA, Kiyoshi. DIREITO FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO. 27ª edição, editora Atlas, página 391.

[4] MAZZA, Alexandre. MANUAL DE DIREITO TRIBUTÁRIO. 5ª edição, editora Saraivajur, página 985.

[5] MARTINS, Bruno Sá Freire. A NOVA PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS, editora Alteridade, página 346.

[6] NÓBREGA,  Tatiana de Lima e BENEDITO, Maurício Roberto de Souza. O REGIME PREVIDENCIÁRIO DO SERVIDOR PÚBLICO, editora FOCO, página 43

 

 

 

 

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