Decálogo para a Pesquisa Científica em Direito

Rodrigo Caramori Petry – Doutor em Direito Tributário pela USP (Faculdade de Direito do Largo de São Francisco). Mestre em Direito Econômico e Social pela PUC-PR. Advogado e Professor de Direito Tributário. Membro do IBDT.

 

RESUMO: O artigo constrói uma lista de orientações para quem deseja fazer pesquisa científica em Direito, a partir dos problemas mais gerais debatidos nas obras de Epistemologia e Metodologia da Pesquisa Jurídica, demonstrando que os problemas da Ciência do Direito precisam ser encarados com um método diferente do utilizado para as profissões jurídicas mais comuns, como as de advogado, magistrado e promotor de justiça.

Palavras-chave: Pesquisa em Direito. Ciência Jurídica. Metodologia científica jurídica. Monografia jurídica.

 

ABSTRACT: The article builds a list of guidelines for those who wish to carry out scientific research in Law, based on the more general problems discussed in the works of Epistemology and Methodology of Legal Research, demonstrating that the problems of the Science of Law need to be faced with a different method than the one used for the most common legal professions, such as lawyers, judges and prosecutors.

Key-words: Research in Law. Legal Science. Legal scientific methodology. Legal monograph.

 

SUMÁRIO: Introdução – 1. Reconheça e valorize o que é fazer ciência – 2. Respeite a objetividade da ciência: é a pesquisa que “fala” e não o pesquisador – 3. Prefira a autoridade do argumento e não o argumento de autoridade – 4. Tenha honestidade intelectual – 5. Procure se distanciar do objeto para enxergar melhor e vigie suas emoções – 6. Se apoie nos ombros de gigantes para enxergar mais longe – 7. Demonstre o caminho e teste a hipótese: não existem fundamentos óbvios – 8. Seja cuidadoso com a interpretação – 9. Valorize o papel transformador da Ciência – 10. Seja responsável com as fontes e com os resultados de sua pesquisa –  Bibliografia.

 

Introdução

            A palavra “decálogo” originalmente se refere aos dez mandamentos que teriam sido entregues por Deus ao Profeta Moisés escritos em pedra, no alto do Monte Sinai, para orientar a vida e o comportamento dos seres humanos, conforme evento narrado na Bíblia (Antigo Testamento, Êxodo, Capítulo 20, versículos 1-17)[1]. Por extensão, ao longo do tempo a palavra “decálogo” passou a ser usada como sinônimo de qualquer conjunto de dez ideias, orientações ou regras, em alguma área do conhecimento e da vida humana.

No Direito há um decálogo muito conhecido em vários países intitulado os “mandamentos do advogado”, elaborado pelo jurista uruguaio Eduardo Juan Couture, advogado e professor que viveu entre 1904 e 1956. Couture elaborou seu decálogo em 1950, mas o texto hoje ainda está disponível em livro (Os Mandamentos do Advogado, 3ª ed., Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1987). Sucessivamente, outros autores, em profissões jurídicas diversas, escreveram também decálogos, como por exemplo: “Os mandamentos do juiz” (de Juan Carlos Mendonza, publicado em 1965), e “O decálogo do promotor” (de J. A. Cesar Salgado, publicado em 1956).[2]

Na área da Metodologia, Eduardo Bittar oferece um decálogo da ética do pesquisador ao final de seu livro “Metodologia da pesquisa jurídica” (16ª ed., São Paulo: Saraiva, p. 327-328). Porém, sente-se ainda a falta de um decálogo que além da ética aborde mais a técnica, inspirando a atitude mental do estudante que pretende ser um pesquisador na área do Direito. Embora existam muitas outras obras voltadas ao ensino da Epistemologia (teoria do conhecimento científico) e da Metodologia (estudo dos métodos de pesquisa) em Direito que tratam das ideias aqui expostas, um decálogo é recurso didático que pode despertar o interesse e otimizar a compreensão do estudante.

Isso justifica o propósito de criar neste artigo um decálogo do pesquisador em Direito. Aqui não se tem a pretensão de esgotar as recomendações possíveis, mas houve critério na escolha das ideias do decálogo: a importância e a recorrência delas em obras de metodologia e epistemologia.[3]

Ensinar o modo de “pensar como pesquisador” em Direito é especialmente importante, já que o propósito do pesquisador (produzir novos conhecimentos) é diferente daquele dos advogados, juízes e promotores de justiça. O trabalho de pesquisa científica não se confunde com petições, sentenças ou pareceres. Por essas e outras razões é útil construir um novo decálogo na área do Direito, agora para orientar aqueles que se iniciam em trabalhos de pesquisa científica jurídica.

 

1. Reconheça e valorize o que é fazer ciência

A palavra “ciência” designa um processo de conhecimento sofisticado, ou seja, uma forma de o sujeito humano proceder no esforço de investigação de um determinado objeto, para determinar o que é, para que serve, como funciona, quais impactos gera na realidade, e assim atingir aspirações ou necessidades humanas, explicando e resolvendo problemas teóricos ou práticos.

Ao mesmo tempo, “ciência” também significa o resultado desse processo: a ciência é o conjunto de conhecimentos obtidos mediante métodos adequados, cujas conclusões podem ser testadas empiricamente pela experimentação ou pela lógica, que confirmam suas hipóteses (no caso da Física usam-se até cálculos matemáticos, probabilísticos, que confirmem a teoria).

O objetivo de se fazer ciência é produzir um conhecimento que possa ser considerado o mais próximo da verdade, e que possa ser testado por outros cientistas. Para atingir esse resultado, se realiza ciência com a utilização de métodos qualificados como científicos (e que variam de acordo com a área do conhecimento). A metodologia adequada permite assim ao sujeito cognoscente[4] trabalhar com seu pensamento racional na busca do conhecimento sobre um objeto cognoscível[5].

O uso de métodos e conceitos baseados em fatos e não em opiniões, crenças ou interesses, é o que diferencia o conhecimento científico de outros conhecimentos menos precisos e, por vezes, enganosos. Ciência é muito diferente do chamado “senso comum” que se baseia em sentimentos e impressões superficiais, sem verificação fática (dados), e que abre espaço a inúmeros equívocos. [6]

O senso comum pode confundir como iguais duas coisas que são diferentes, assim como entender como diferentes duas coisas que são essencialmente iguais. O senso comum tem grande potencial gerador de dúvida, insegurança, medo e conflito. Já para a ciência só interessam fatos demonstrados, e não as vontades, sensações, interesses ou preconceitos da pessoa cognoscente.

A ciência é uma forma de conhecimento que deve ser valorizada para inspirar a vida das pessoas, já que traz desenvolvimento, qualidade de vida, liberdade e inclusive proteção contra o perigo da manipulação político-ideológica nas notícias e narrativas falsas e sensacionalistas que apelam para sentimentos grosseiros, como o ódio, medo e preconceito, e cujo radicalismo e ideias plantadas só interessam aos manipuladores que delas se beneficiam, confundindo para dominar.

 

 2. Respeite a objetividade da ciência: é a pesquisa que “fala” e não o pesquisador

A ciência é construída com objetividade (foco no objeto), inclusive na linguagem usada para sua fundamentação e demonstração: o texto científico deve ser escrito de maneira impessoal, usando-se gramaticalmente a terceira pessoa do singular (é ela, a pesquisa, que fala).

Siga a objetividade mencionando que as conclusões científicas são da pesquisa feita, e não conclusões pessoais carregadas de subjetivismo do autor da pesquisa.

Há outros espaços e formas, inclusive textos jornalísticos, didáticos ou de opinião, que admitem manifestações pessoais sobre o Direito, quando se usa a 1ª pessoa do singular (“eu penso assim”), mas, nos trabalhos científicos na pesquisa formal universitária, preserve a objetividade.

 

3. Prefira a autoridade do argumento e não o argumento de autoridade

Na linguagem para citação de autores de obras utilizadas para fundamentar a pesquisa, o pesquisador deve indicar o nome do autor citado sem qualificá-lo ou elogiá-lo como autoridade. Isso porque o que interessa na pesquisa científica em Direito é a autoridade do argumento, e não o argumento de autoridade (que seria um argumento baseado apenas na citação de que uma ideia vem de um autor já reconhecido, mas, sem a respectiva fundamentação que lhe daria base).

Ter atitude científica requer coragem para abrir caminhos e expor os resultados de seu trabalho. Dedique-se seriamente à pesquisa para dominar o assunto e estar seguro dos resultados, e assim tenha “orgulho científico” no sentido dado por Umberto Eco, evitando escrever frases cheias de insegurança, como “não estamos à altura de tal assunto, mas arriscaremos a hipótese de…”.[7]

Prepare-se bem para se dedicar a uma pesquisa que traga inovações ou questione o conhecimento já estabelecido. Não se limite a reproduzir o conhecimento de autoridades científicas nem se permita ficar preso à “satelitização da inteligência” (José Souto Maior Borges)[8]. Busque criar novas ideias e contribuir na construção coletiva do enorme edifício do conhecimento.

 

4. Tenha honestidade intelectual

            Respeite os direitos autorais, citando os trabalhos e autores que descobriram coisas antes de você e nas quais você se apoia, com dignidade e gratidão.

Não omita informações ou argumentos que podem derrubar sua hipótese de pesquisa ou que contrariem suas preferências pessoais, políticas ou ideológicas. Seja justo e imparcial com os dados, ainda que se admita na comunidade científica que a neutralidade total é impossível de ser atingida. Deixe claras as suas motivações, para permitir o controle por outros pesquisadores.

Demonstre suas fontes de pesquisa e as deixe acessíveis de forma que outros pesquisadores possam testar a hipótese da sua pesquisa, para comprová-la ou refutá-la.

Seja honesto no seu projeto, não prometendo resultados de pesquisa que não pode cumprir. Lembre-se do perigo de tentar fazer uma “tese panorâmica” (Umberto Eco)[9]. Escolha um tema bem delimitado que esteja dentro do alcance da sua força de trabalho. Só assim você poderá entregar nas conclusões da pesquisa aquilo que prometeu no início. Isso implica em ter humildade científica.

Também o ensino da pesquisa em Direito deve ser inspirado pelo rigor e honestidade nas avaliações e bancas: não se deve ter complacência com trabalhos mal feitos ou insuficientes.

Para um professor que avalia trabalhos científicos, ser rigoroso exige muito mais trabalho do que ser complacente e acrítico, e implica em justificar a correção e explicar falhas da pesquisa. Mas o rigor da avaliação fortalece o estudante-pesquisador e o progresso científico. A natureza ensina que o caminho para baixo é mais fácil do que o para cima, e alçar voo exige mais do que rastejar, mas é justamente o esforço da borboleta para se libertar do casulo o que lhe dá as forças para voar.

O progresso científico é um compromisso da comunidade acadêmica. O avaliador científico não pode permitir que a amizade, o interesse pessoal, a “autoridade” do pesquisador avaliando, ou o simples conforto de se omitir e ter uma postura benevolente contaminem a sua avaliação científica: o compromisso do pesquisador-avaliador é com a Ciência, e com mais ninguém.

 

 5. Procure se distanciar do objeto para enxergar melhor e vigie suas emoções

O cientista deve conduzir sua pesquisa de forma que a sua vontade e interesse não interfiram na produção do conhecimento. Essa diretriz ganha especial relevo na Ciência Jurídica, já que cientistas do Direito muitas vezes são também profissionais dedicados à defesa de interesses de pessoas, órgãos ou empresas, como p. ex. advogados, procuradores da Fazenda e auditores fiscais.

Alerte-se também que o resultado de uma pesquisa científica no campo do Direito (tese ou proposição), ao determinar qual é o sentido e alcance de normas, pode indicar quem ganhará e quem perderá um litígio envolvendo dinheiro, patrimônio, negócios, sentimentos e até a liberdade. Por isso, quem faz Ciência Jurídica deve utilizar métodos adequados, indicados pela Ciência dos métodos: a Metodologia Científica para a elaboração e apresentação de pesquisas.

Contingências profissionais ou pessoais (inclusive necessidades ou pressões financeiras) não devem interferir na elaboração da Ciência Jurídica, sob pena de se produzir um conhecimento parcial e interessado, que não é ciência, e sim a defesa de teses sem demonstração suficiente, focadas apenas na intenção do convencimento, e não do conhecimento.

Outro cuidado que o pesquisador deve ter ao redigir seu trabalho investigativo em Direito é o de não tentar incluir a sua vontade (inclinação pessoal) dentro do texto da lei, como se a única interpretação correta fosse aquela que ele deseja. Mesmo que o resultado da pesquisa dê uma outra solução jurídica que não lhe agrade ou lhe favoreça pessoalmente, o pesquisador deve fidelidade aos seus métodos e aos limites da interpretação.

O Direito não é aquilo que você deseja que ele seja, e sim aquilo que é, simplesmente. Se quiser criticar e propor mudanças, faça-o, mas não inclua na lei aquilo que só existe na sua vontade.

 

6. Se apoie nos ombros de gigantes para enxergar mais longe

A formulação de uma pesquisa deve partir de pressupostos determinados que permitam à investigação se concentrar apenas na apresentação, fundamentação e comprovação da hipótese proposta como ponto de partida. Desse modo a pesquisa faz com que a hipótese se torne uma tese.

Isso implica na necessária obediência aos limites da investigação, o que exige que se façam recortes metodológicos no objeto de estudo. Em virtude disso, se devem considerar superados de antemão certos questionamentos paralelos sobre o tema, já que não é possível reconstruir todo o conhecimento humano sobre os aspectos adjacentes, antes de passar a abordar a questão-problema objeto da investigação. É necessário apoiar-se em fatos já conhecidos e teorias já sustentadas, em construções científicas estabelecidas por outros autores, que assim podem servir de marco teórico.

Portanto, é preciso valorizar o aforismo que prega a humildade ao cientista diante da descoberta de algo novo, e que faz a todos refletir sobre aquela antiga frase, em estilo metafórico, usada por Newton: “se enxerguei mais longe, foi porque me apoiei sobre o ombro de gigantes”.[10]

Um trabalho científico de tese precisa partir da análise de todos os melhores trabalhos de pesquisa já escritos sobre o tema, para que a nova pesquisa possa identificar os possíveis avanços a serem dados. Com a revisão da literatura sobre um tema de pesquisa é possível identificar a utilidade do que se está fazendo: preencher uma lacuna naquele conhecimento.

O marco teórico ou esquema lógico utilizado como base de partida para o desenvolvimento da pesquisa deve ser exposto pelo pesquisador, reconhecendo que “nada se faz do nada”. Ainda que se trate de pesquisa inovadora, ela sempre se inicia em algo já estudado ou pensado.

 

7. Demonstre o caminho e teste a hipótese: não existem fundamentos óbvios

“Teses prontas” não possuem fundamentação ou demonstração porque são baseadas em “fundamentos óbvios”[11], que assim são adotados como pressupostos, como se já tivessem sido demonstrados pelo pesquisador, mas não o foram.

A pesquisa em Direito não pode ser feita com a escolha prévia de um resultado determinado. Parte-se apenas de hipóteses, que deverão ou não ser confirmadas e demonstradas na pesquisa. Pesquisa não é defesa de um resultado escolhido a priori, e o pesquisador tem o dever de resistir à “tentação de defender a hipótese ao invés de testá-la” (Daniel Nicory do Prado)[12].

O trabalho científico apresenta o caminho sistematizado pelo qual seu resultado (tese) pode ser verificado por outros pesquisadores que consultem as mesmas fontes, já que “a ciência é um saber metodicamente fundado, demonstrado e sistematizado” (Maria Helena Diniz).[13]

É preciso lembrar que o pesquisador não está sozinho: ele faz parte de uma comunidade científica que também pode se dedicar a criticar e refutar a pesquisa. Assim evolui a ciência.

 

8. Seja cuidadoso com a interpretação

O objetivo da Ciência Jurídica é, ao mesmo tempo, o de descobrir a “vontade do legislador” (visão subjetiva e histórica) e a “vontade da lei” (visão objetiva do texto).[14] A vontade do legislador não pode ser ignorada já que traduz, ainda que imperfeitamente, a vontade popular (todo o poder emana do povo).[15] Mas isso não significa que o texto legal deixe de ter objetividade e relativa autonomia, porque depois de editado o texto ganha em parte vida própria, por sua generalidade, abstração e interação com as demais normas do sistema jurídico.

Ao fazer pesquisa em Direito use cuidadosamente os diversos métodos de interpretação estruturados pela Ciência Hermenêutica Jurídica, que estuda as ferramentas adequadas para interpretar os textos normativos.[16] Fazer ciência exige interpretar a realidade jurídica:

I) o uso do método literal (ou gramatical) indicará o ponto de partida, já que a escolha das palavras pelo legislador não é e não pode ser aleatória (embora até possa ser equivocada), e as palavras e seus significados indicam possibilidades de sentido e alcance das normas;

II) o uso do método lógico permitirá que se escolha, dentre as interpretações possíveis, aquela que use um raciocínio bem estruturado, ajustado às regras da lógica formal e material, garantindo que o pensamento é coerente, organizado, não-contraditório, traz argumento com prova eficaz, é bem fundamentado, e previna o intérprete contra falácias (aqueles raciocínios que parecem estar corretos, mas são errados)[17];

III) o uso do método histórico indicará as circunstâncias históricas, o contexto da sociedade, da política, da economia e do Direito de cada época em que se situar uma norma ou conjunto de normas, apontando as razões pelas quais a redação de uma norma foi feita de uma forma e não de outra, ajudando a pensar sobre as motivações do legislador da época;

IV) o uso do método finalístico (ou teleológico) indicará quais são os fins aos quais se destina a norma interpretada, o que auxiliará na escolha da interpretação que realize essas finalidades da lei e do Direito como um todo;

V) o uso do método sistemático indicará ao pesquisador qual é a interpretação que mais se coaduna com o conjunto das demais normas do ordenamento jurídico, e auxiliará na antevisão das implicações sistêmicas da interpretação escolhida, ou seja, o relacionamento da norma interpretada com as demais normas, buscando compatibilizá-las no sistema.

A Ciência Jurídica possui função em parte descritiva e em parte construtiva do ordenamento. O intérprete pode descobrir implicações normativas da lei que não foram pensadas pelo legislador, mas que resultam do somatório sistemático das normas e valores, no tempo, em certo ordenamento. Na visão correta de Humberto Ávila, o intérprete não pode ver o Direito como algo previamente dado a ser apenas descrito simplesmente, mas, também, como algo que depende de uma prática reconstrutiva e situativa de sentidos, forma de raciocínio que chama de “semântico-argumentativa”.[18]

O uso rigoroso, coerente e sistemático dos métodos oferecidos pela Hermenêutica Jurídica serve para que a investigação traga os melhores resultados na missão de descobrir a intenção do legislador da Constituição, das leis e outros atos normativos, assim como construir as implicações normativas sistêmicas não imaginadas pelo legislador.

 

9. Valorize o papel transformador da Ciência

A Ciência Jurídica se dedica a descobrir e construir os sentidos e alcances normativos, demonstrando o conteúdo e efeitos das normas jurídicas, ao mesmo tempo em que pode servir para orientar o legislador na criação de novas leis e aperfeiçoar seus efeitos jurídicos e práticos.[19]

O pesquisador, ao fazer ciência jurídica não deve se restringir a indicar as possíveis interpretações normativas, mas, também fixar a orientação para decisões corretas e fundamentadas, para que a Ciência do Direito seja um instrumento para a pacificação social e o desenvolvimento.[20]

 

10. Seja responsável com as fontes e com os resultados de sua pesquisa

A pesquisa em Direito exige um intenso trabalho de busca, reunião, seleção e análise de documentos que formalizam as regras, princípios e valores do Direito (pesquisa teórica), ou também outros documentos ou relatórios sobre fatos da realidade que se pretende estudar, inclusive por pesquisas no campo social, econômico, político, judicial, etc. (pesquisa prática ou empírica).

Sempre interessam para a Ciência Jurídica os textos normativos (legislação), os julgamentos dos tribunais (jurisprudência), textos complementares (ex.: discussões parlamentares), e textos de doutrina elaborados por juristas, mesmo que a pesquisa (em sendo prática) se concentre na análise de dados empíricos, coletados diretamente ou hauridos em autores de outras pesquisas práticas.

É preciso ter responsabilidade com o uso do tripé do qual parte a pesquisa em Direito (legislação, jurisprudência e doutrina). Da mesma forma deve o pesquisador ser responsável com a busca/produção de dados do mundo real em pesquisas empíricas.

As conclusões da pesquisa jurídica podem chegar a influenciar a implementação de políticas públicas. Por isso o pesquisador deve ter o mesmo tipo de cuidado que os juízes das cortes superiores devem ter quando lidam com decisões: agir como se estivesse a manusear explosivos.

            Seja também responsável com os resultados de sua pesquisa, pensando-a de forma que ela possa contribuir para o progresso do Direito, para a justiça e para o desenvolvimento do País. A pesquisa deve ser ferramenta de aperfeiçoamento do sistema jurídico, facilitadora da pacificação de conflitos, orientadora das decisões, em suma: uma fonte de soluções para os problemas do mundo.

 

Bibliografia

ÁVILA, Humberto. A doutrina e o direito tributário. In Fundamentos do direito tributário. Organizador Humberto Ávila. São Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 221-245.

AZAMBUJA, Ruy Rodrigo Brasileiro de. Os mandamentos. Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, dez. 1981. Disponível: <https://revistas.ufpr.br/direito/article/view/8856/6166>. Acesso: 1º/01/2022.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3ª ed., São Paulo: Lejus, 1998.

BITTAR, Eduardo C. B. Metodologia da pesquisa jurídica. 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019.

BORGES, José Souto Maior. Ciência feliz. 3ª ed., São Paulo: Quartier Latin.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à Ciência do Direito. 18ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006.

ECO, Umberto. Como se faz uma tese. 25ª ed., São Paulo: Perspectiva, 2014.

MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de metodologia da pesquisa no Direito. 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 2019.

PRADO, Daniel Nicory do. Temas de metodologia da pesquisa em direito. Salvador: Faculdade Baiana de Direito, 2011.

 

Notas

[1] Note-se que o número de 10 mandamentos resultou do agrupamento organizado das regras descritas nos versículos 1-17, e existem diversas versões, cada qual adotada por uma igreja (Igreja Católica, Igreja Ortodoxa, Igreja Luterana, etc.).

[2] Para ler tais decálogos: AZAMBUJA, Ruy Rodrigo Brasileiro de. Os mandamentos. Revista da Faculdade de Direito UFPR, Curitiba, dez. 1981. Disponível em: <https://revistas.ufpr.br/direito/article/view/8856/6166>. Acesso: 1º/01/2022.

[3] As ideias expostas no decálogo são importantes porque sem obedecer a elas o pesquisador não consegue produzir um trabalho científico, e a recorrência dessas ideias na doutrina demonstra que são valorizadas pela comunidade científica.

[4] Pessoa que busca o conhecimento, que estuda, que possui condições de conhecer (opõem-se ao ignorante).

[5] Objeto que pode ser conhecido, que é objeto de estudo por um sujeito.

[6] “Senso comum é um tipo de conhecimento que está ao alcance das pessoas comuns, justamente por não serem especialistas como o filósofo, o cientista ou o teólogo […] que se baseia naquela nossa experiência do dia a dia.” (MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de metodologia da pesquisa no Direito. 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 2019, p. 55).

[7] ECO, Umberto. Como se faz uma tese. 25ª ed., São Paulo: Perspectiva, 2014, p. 175.

[8] “[…] na vida literária, há pessoas que se contentam em gravitar ao redor de um pensador ou escritor de talento, atraídas pelo seu brilho.” (BORGES, José Souto Maior. Ciência feliz. 3ª ed., São Paulo: Quartier Latin, p. 32).

[9] ECO, Umberto. Como se faz uma tese. 25ª ed., São Paulo: Perspectiva, p. 09-11.

[10] A frase foi usada em uma carta de comunicação científica escrita pelo cientista inglês Isaac Newton ao seu colega Robert Hooke em 1675: “if I have seen further, it is by standing on the shoulders of giants.” (cópia da carta está disponível em: <https://digitallibrary.hsp.org/index.php/Detail/objects/9792>, acesso: 04/01/2022), embora tenha sido essa frase reproduzida, antes e depois, em diversas formulações ao longo dos séculos, também por outros pesquisadores, tornando-se hoje quase um lugar-comum no discurso da comunidade científica.

[11] Veja-se também: BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3ª ed., São Paulo: Lejus, 1998, p. 11-12.

[12] PRADO, Daniel Nicory do. Temas de metodologia da pesquisa em direito. Salvador: Faculdade Baiana de Direito, 2011, p. 39-40.

[13] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à Ciência do Direito. 18ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 18.

[14] Portanto, aqui não se adota apenas um critério hermenêutico, seja o totalmente subjetivo (busca da mens legislatoris) ou o totalmente objetivo (busca da mens legis), pois há um sincretismo que é denunciado como necessário pelos próprios métodos de interpretação (literal, lógico, histórico, finalístico e sistemático).

[15] “Art. 1º […] Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

[16] Não se propõe aqui a contaminação dos conceitos das ciências pré-jurídicas dentro da Ciência Jurídica, o que a tornaria manipulável pelos interesses dos intérpretes, como adverte Alfredo Augusto Becker (Op. Cit., p. 40), e sim um diálogo informativo da interpretação das normas jurídicas, já que as normas jurídicas são propostas e nascem a partir da experiência humana no campo social, histórico, político, etc.

[17] Falácias podem ser: i) sofismas (feitos de má-fé, para manipular); ii) paralogismos (feitos de boa-fé, só por ignorância).

[18] ÁVILA, Humberto. A doutrina e o direito tributário. In Fundamentos do direito tributário. Organizador Humberto Ávila. São Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 237.

[19] É nesse sentido que “a ciência tem na exegese, na interpretação, sua finalidade.” (BITTAR, Eduardo C. B. Metodologia da pesquisa jurídica. 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019, p. 83).

[20] “A doutrina deve fornecer critérios claros e operacionais que possibilitem a passagem dos grandes valores às decisões individuais. Um modelo hermenêutico só serve de modelo se for minimamente operacional.” (ÁVILA, Humberto. A doutrina e o direito tributário. In Fundamentos do direito tributário. Org. Humberto Ávila. São Paulo: Marcial Pons, p. 232).

 

 

 

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