Justiça cearense condena banco por falha na política de acolhimento à pessoa trans

A 2ª Turma Recursal do Fórum Professor Dolor Barreira manteve a condenação imposta ao Banco Pan de pagar R$ 3 mil pelos danos morais causados em razão de falha no acolhimento a um homem trans, que não teve o novo nome grafado em cartões de crédito e débito. A decisão, dessa quinta-feira (29/02), teve como relator o juiz Roberto Viana Diniz de Freitas.
Segundo o processo (nº 3001080-55.2023.8.06.0015), o homem teve a Certidão de Nascimento retificada com o nome e o gênero masculino no dia 30 de junho de 2022 e, em 5 de agosto do mesmo ano, de posse do registro de identidade civil, pediu à instituição financeira a mudança nos cadastros e produtos bancários. Ainda de acordo com as informações da ação judicial, a alteração dos dados na chave Pix ocorreu no dia 4 de agosto de 2022. No entanto, dois cartões (crédito/débito), postados em 4 de julho do ano passado e 22 de setembro de 2023, trouxeram o nome anterior do correntista.
O homem recorreu ao Judiciário com pedido de pagamento de danos morais e para que o Pan alterasse o nome dele nos cadastros. Em defesa, o Banco alegou “ausência de falha na prestação dos seus serviços, afirmando que não restou provado nos autos que o cartão foi emitido após a solicitação de atualização dos dados no sistema interno da empresa”.
Decisão do 2º Juizado Especial Cível de Fortaleza condenou a instituição financeira a atualizar os dados do cliente, emitir cartão com o novo nome e a pagar R$ 3 mil como reparação moral. Segundo o juiz Carlos Henrique Garcia de Oliveira, “a possibilidade de retificação do nome e gênero das pessoas trans em seus documentos pessoais é uma grande conquista para a promoção de políticas de inclusão e para o combate à discriminação. Dessa forma, à medida em que o autor [cliente] teve seu direito desrespeitado pelo promovido [banco], é de rigor a condenação”, principalmente “considerando que a demanda não foi solucionada apesar dos sucessivos contatos e reclamações” do cidadão.
A instituição financeira recorreu da decisão ao Fórum das Turmas Recursais, alegando ter “comprovado a inexistência de ato ilícito, tendo promovido a retificação tempestiva do gênero e do nome do autor [cliente], não havendo que falar em falha na prestação do serviço”. Ao julgar o recurso, a 2ª Turma Recursal manteve a sentença do Juizado.
Para o relator, “a identidade de gênero é questão muito sensível do ponto de vista psicobiológico, se constituindo na sensação interna de ser homem, mulher ou gênero diferente, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído a um indivíduo ao nascer ou às suas características sexuais”. O juiz destacou que, “apesar deste olhar diferente (necessário), o âmago do julgamento não muda, ou seja, os fatos alegados pelas partes devem ser contrastados à luz da prova que produziram para aferir suas consequências legais”, ou seja, que o cliente comprovou o problema.
“A falha na prestação do serviço consistente no atuar desidioso, moroso e negligente, de passar um ano sem alterar os dados cadastrais do autor [cliente] para o seu nome e gênero retificados, se mostra patente e, uma vez demonstrada, é possível presumir o dano moral”, salientou o magistrado Roberto Viana Diniz de Freitas.
Ainda conforme o juiz, “não se trata de uma situação trivial e do cotidiano; se trata de questão da mais alta relevância social e, do ponto de vista individual, de crucial e central importância para seu desenvolvimento psicossocial e laboral e sua integração (sem discriminações) na comunidade em que vivem. A ausência de aceitação e reconhecimento pela sociedade da essência daquela pessoa, no tocante à identidade de gênero, gera violência, invisibilização e exclusão social e familiar e esses fatores, se não forem bem tratados com a atenção e o cuidado devidos, podem sim gerar angústia ou sofrimento desmedido no indivíduo, sendo agora obrigação do Estado e da sociedade civil desenvolver mecanismos de reconhecimento, acolhimento e conduta adequada para com essas pessoas, não sendo mais favor algum o respeito à identidade de gênero das pessoas trans”.
As causas cíveis com pedidos de até R$ 40 salários-mínimos podem ser ingressadas em Juizado Especial, cujo juiz ou juíza decide por meio de uma sentença. A parte pode recorrer às Turmas Recursais, que são formadas por colegiados de magistrados(as). As decisões são tomadas em sessão de julgamento e o resultado vem por meio de acórdão. Esse tipo de processo do Juizado para as Turmas Recursais é recurso inominado cível.
https://www.tjce.jus.br/noticias/justica-cearense-condena-banco-por-falha-na-politica-de-acolhimento-a-pessoa-trans/
TJCE

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