Institui a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola e o seu Comitê Gestor.
O Presidente da República, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, caput, incisos IV e VI, alínea “a”, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,
DECRETA:
Disposições preliminares
Art. 1º Fica instituída a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola – PNGTAQ.
Parágrafo único. A PNGTAQ destina-se a todas as comunidades quilombolas com trajetória histórica própria, dotadas de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada à resistência à opressão histórica sofrida, observado o disposto no Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003.
Dos objetivos gerais
Art. 2º São objetivos gerais da PNGTAQ:
I – apoiar e promover as práticas de gestão territorial e ambiental desenvolvidas pelas comunidades quilombolas;
II – fomentar a conservação e o uso sustentável da socio-biodiversidade;
III – proteger o patrimônio cultural material e imaterial das comunidades quilombolas;
IV – fortalecer os direitos territoriais e ambientais das comunidades quilombolas;
V – favorecer a implementação de políticas públicas de forma integrada; e
VI – promover o desenvolvimento socioambiental, a melhoria da qualidade de vida, o bem-viver, a paz e a justiça climática, com as condições necessárias para a reprodução física e cultural das atuais e futuras gerações das comunidades quilombolas.
Art. 3º A PNGTAQ será implementada pela União, sem prejuízo das competências concorrentes dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e em cooperação com organizações da sociedade civil e entidades representativas das comunidades quilombolas.
Das diretrizes
Art. 4º São diretrizes da PNGTAQ:
I – reconhecimento dos valores ancestrais, da história, da religiosidade, dos laços de pertencimento, dos usos, dos costumes e das tradições, que conformam a identidade quilombola, os modos de vida e as relações das comunidades com seus territórios, em áreas urbanas e rurais;
II – respeito aos direitos das comunidades quilombolas, especialmente os direitos territoriais e ambientais;
III – proteção e valorização dos conhecimentos e das práticas quilombolas relacionadas à gestão territorial e ambiental, por meio do fortalecimento da educação escolar quilombola e de seus processos educativos próprios, integrando conhecimentos a partir do diálogo horizontal de saberes;
IV – acesso, uso sustentável, proteção, recuperação e conservação dos espaços e dos recursos naturais necessários à reprodução física, social, econômica e cultural das comunidades quilombolas;
V – valorização da contribuição dos territórios quilombolas para a conservação dos biomas, da biodiversidade e dos serviços ambientais desempenhados em tais áreas;
VI – reconhecimento e fortalecimento das coletividades, das formas de organização social e dos mecanismos e dos instrumentos que regulam o manejo e a conservação dos recursos naturais em cada território;
VII – ampliação do acesso de quilombolas às políticas públicas e aos programas relacionados a produção sustentável, linhas de crédito, comercialização e arranjos organizacionais solidários e em rede e simplificação de procedimentos administrativos relativos aos manejos e projetos produtivos realizados pelas comunidades quilombolas;
VIII – incentivo à estruturação e ao fortalecimento de cadeias produtivas da sociobiodiversidade e de outros sistemas produtivos sustentáveis, a partir das potencialidades dos territórios e das aptidões dos biomas, com a integração de conservação ambiental, segurança alimentar e nutricional e geração de renda;
IX – garantia do direito à consulta e ao consentimento livre, prévio, informado e de boa-fé das comunidades quilombolas, nos termos da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, adotados, quando existentes, protocolos autônomos de consulta às comunidades;
X – valorização do protagonismo e da autonomia das comunidades quilombolas nos processos de tomada de decisão sobre seus territórios e na governança de políticas públicas, programas e projetos governamentais relacionados à gestão territorial e ambiental, independentemente dos limites dos Estados e Municípios;
XI – valorização e ampliação da participação de mulheres, crianças, jovens, idosos e LGBTQIAPN+ quilombolas na gestão territorial e ambiental, reconhecendo a importância da equidade de gênero e geracional;
XII – reconhecimento e valorização da importância da pessoa idosa e efetivação de medidas voltadas ao envelhecimento saudável nos territórios quilombolas;
XIII – valorização da diversidade religiosa e enfrentamento da intolerância, da discriminação e do racismo religioso nos territórios quilombolas;
XIV – construção de parcerias com instituições governamentais e organizações da sociedade civil para o fortalecimento da gestão territorial e ambiental, com a integração de políticas públicas de diferentes esferas de Governo, para atender às realidades locais e regionais dos territórios quilombolas;
XV – resguardo à integridade física dos integrantes das comunidades quilombolas nos territórios em situação de conflitos, especialmente as lideranças, as mulheres e as crianças;
XVI – combate ao racismo institucional, ambiental e fundiário, com objetivo de mitigar a iniquidade na distribuição de terras no País;
XVII – articulação institucional para a destinação de florestas públicas para a regularização fundiária de territórios quilombolas, conforme disposto no Decreto nº 10.592, de 24 de dezembro de 2020;
XVIII – promoção da atuação integrada dos órgãos governamentais envolvidos na regularização fundiária e ambiental para a efetivação de políticas públicas para as comunidades quilombolas, observado o disposto na legislação;
XIX – fomento à integração dos territórios quilombolas a conjuntos de áreas protegidas nos termos do Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas, instituído pelo Decreto nº 5.758, de 13 de abril de 2006;
XX – fortalecimento da participação dos movimentos quilombolas nas instâncias de governança territorial e ambiental, especialmente conselhos gestores de unidades de conservação, e na tomada de decisões administrativas que afetem as comunidades e os seus territórios, incluídos os processos de elaboração e revisão de planos de manejo de unidades de conservação; e
XXI – compatibilização das práticas quilombolas de uso do solo e dos recursos naturais com a conservação da natureza, na hipótese de sobreposição entre territórios quilombolas e unidades de conservação.
Dos objetivos específicos
Art. 5º A PNGTAQ está estruturada em cinco eixos:
I – Eixo 1 – integridade territorial, usos, manejo e conservação ambiental;
II – Eixo 2 – produção sustentável e geração de renda, soberania alimentar e segurança nutricional;
III – Eixo 3 – ancestralidade, identidade e patrimônio cultural;
IV – Eixo 4 – educação e formação voltadas à gestão territorial e ambiental; e
V – Eixo 5 – organização social para a gestão territorial e ambiental.
Eixo 1 – integridade territorial, usos, manejo e conservação ambiental
Art. 6º São objetivos específicos do Eixo 1:
I – subsidiar, no que couber, a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação dos territórios quilombolas, com instrumentos de gestão territorial e ambiental, nos termos do disposto no Decreto nº 4.887, de 2003;
II – apoiar estratégias de mediação e conciliação para resolução de conflitos decorrentes do processo de titulação, observadas as competências de atuação do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários e da Comissão Nacional de Enfrentamento à Violência no Campo do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, sem prejuízo da atuação de outras instâncias;
III – apoiar a implementação de um plano de ação integrado e articulado junto às secretarias estaduais de segurança pública, para prevenção à violência e proteção das comunidades e territórios quilombolas, com participação dos Poderes Executivo e Judiciário;
IV – estimular ações para recuperar áreas degradadas, nos termos do disposto na Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e na Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, especialmente as áreas de preservação permanente e outras essenciais às comunidades quilombolas, priorizadas as áreas sobrepostas entre os territórios quilombolas e as unidades de conservação;
V – propor mecanismos de financiamento de ações voltadas à conservação e ao uso sustentável da natureza e programas de recuperação ambiental em territórios quilombolas, inclusive para as áreas degradadas por terceiros;
VI – estimular a elaboração e a implementação de programas que fomentem a pesquisa e o combate às espécies invasoras, com a participação de quilombolas;
VII – fomentar técnicas inovadoras de saneamento básico e de gestão de resíduos sólidos nos territórios quilombolas;
VIII – estimular e viabilizar a formação e a capacitação de brigadas quilombolas ou outras estratégias para atuar na prevenção e no combate a incêndios florestais nos territórios quilombolas e em seu entorno;
IX – apoiar a criação de estratégias e a implementação de mecanismos de proteção, fiscalização e monitoramento dos territórios quilombolas, com acesso a tecnologias, processos de formação e demais condições necessárias à sua operação, respeitando o protagonismo e primando pela segurança das comunidades e organizações quilombolas;
X – fortalecer o protagonismo das associações quilombolas para o acesso e a gestão dos instrumentos de regularização ambiental, respeitando o território coletivo e os modos de vida de quilombolas;
XI – estimular a participação das comunidades quilombolas nos processos de zoneamento ecológico-econômico;
XII – realizar ações de informação e sensibilização sobre impactos da emergência climática, justiça climática e racismo ambiental nos territórios quilombolas e em seu entorno e promover a criação de sistemas participativos de diagnóstico e monitoramento dos impactos da emergência climática, com vistas à elaboração de estratégias preventivas e ações de mitigação e adaptação nos territórios quilombolas;
XIII – estimular a formação antirracista de gestores de unidades de conservação e de agentes de fiscalização ambiental e sanitária;
XIV – promover ações, em articulação com as esferas competentes, com vistas à simplificação e à agilidade de emissão de autorizações para realização de atividades de baixo impacto ambiental em áreas de preservação permanente de que trata o inciso X do caput do art. 3º da Lei nº 12.651, de 2012; e
XV – estabelecer, por meio dos órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente, procedimentos simplificados de elaboração, análise e aprovação dos planos de manejo florestal sustentável, para fins de manejo florestal na pequena propriedade ou posse rural familiar em territórios quilombolas, conforme as previsões legais, observadas as suas especificidades.
Eixo 2 – produção sustentável e geração de renda, soberania alimentar e segurança nutricional
Art. 7º São objetivos específicos do Eixo 2:
I – fomentar o reconhecimento e a manutenção dos sistemas agrícolas tradicionais quilombolas e a conservação e o uso sustentável da sociobiodiversidade, com valorização dos saberes e das práticas existentes nos territórios;
II – fomentar sistemas de produção sustentável, agroecológico e tradicional, para a geração de trabalho e renda, a partir da integração e do fortalecimento dos componentes agrícola, pecuário, pesqueiro e extrativista específicos a cada realidade;
III – apoiar sistemas agrícolas sustentáveis nos territórios quilombolas e apoiar estratégias de redução do uso de agrotóxicos e de organismos geneticamente modificados;
IV – fomentar a criação e a manutenção de bancos de sementes tradicionais nos territórios, com vistas a promover o acesso autônomo de quilombolas aos recursos genéticos de boa qualidade, à conservação da socio-biodiversidade e à soberania alimentar e segurança nutricional;
V – fomentar e fortalecer estratégias de recuperação de áreas degradadas que envolvam a dimensão produtiva, respeitada a diversidade de espécies;
VI – fomentar as estratégias de turismo de base comunitária que respeitem as potencialidades do território, de sua cultura e seu bioma, a serem construídas e implementadas de forma autônoma pelas comunidades quilombolas, com vistas à geração de emprego e renda e à manutenção e recuperação dos recursos naturais;
VII – incentivar e fortalecer atividades produtivas desenvolvidas por jovens, mulheres e pessoas LGBTQIAPN+, a fim de promover equidade de gênero e geracional nas estratégias de geração de renda nos territórios quilombolas;
VIII – promover editais específicos de assistência técnica e extensão rural para comunidades quilombolas;
IX – apoiar a comercialização dos produtos oriundos de comunidades quilombolas nos mercados públicos e privados, preferencialmente de economia solidária;
X – incentivar os processos de reconhecimento dos produtos oriundos de comunidades quilombolas por meio de certificação de origem, selos ou outras formas de identificação e valorização, para favorecer o acesso a mercados justos e solidários;
XI – contribuir para o fortalecimento de políticas e programas de acesso à água para produção e consumo compatível com as necessidades das comunidades quilombolas, como poços artesianos, cisternas, métodos de captação de água de chuva, entre outros;
XII – fomentar a instalação de infraestrutura e logística para produção, beneficiamento, armazenamento, distribuição e comercialização dos produtos oriundos de comunidades quilombolas que sejam compatíveis com a gestão territorial e ambiental quilombola; e XIII – articular e estimular a compra dos produtos oriundos de comunidades quilombolas para a alimentação escolar e na modalidade compra institucional.
Eixo 3 – ancestralidade, identidade e patrimônio cultural
Art. 8º São objetivos específicos do Eixo 3:
I – promover a proteção dos locais sagrados e a sustentabilidade ambiental das práticas religiosas, reconhecendo-as como elementos da gestão territorial e ambiental;
II – contribuir para o fortalecimento das práticas tradicionais de cuidado em saúde, por meio da valorização de mestras e mestres quilombolas detentoras e detentores de saberes associados às plantas medicinais;
III – incentivar práticas tradicionais de cuidado em saúde por profissionais da área de saúde, quilombolas ou não quilombolas, que atuam nos territórios quilombolas;
IV – salvaguardar e promover o patrimônio cultural material e imaterial quilombola, por meio de ações de identificação, reconhecimento e transmissão de conhecimentos e práticas tradicionais associadas à gestão territorial e ambiental;
V – incentivar a realização de pesquisas relacionadas ao patrimônio cultural das comunidades quilombolas, com anuência e participação efetiva de seus integrantes, garantida a participação de griôs, mestras, mestres e demais detentoras e detentores desses conhecimentos;
VI – promover a elaboração de materiais para a comunicação e a difusão de conhecimentos e práticas da cultura tradicional quilombola associadas à gestão territorial e ambiental dentro e fora das comunidades;
VII – proteger e promover o conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, preservando os direitos das comunidades quilombolas na repartição de benefícios;
VIII – promover a mobilização e o engajamento da juventude em ações educativas de fortalecimento do patrimônio cultural, material e imaterial, e da identidade quilombola;
IX – fomentar ações que integrem a oralidade e as práticas tradicionais às novas tecnologias de registro e difusão de conteúdos culturais relacionados ao território quilombola; e
X – apoiar, no que couber, os processos de certificação da autodefinição da identidade coletiva das comunidades quilombolas.
Eixo 4 – educação e formação voltadas à gestão territorial e ambiental
Art. 9º São objetivos específicos do Eixo 4:
I – valorizar os conhecimentos e as práticas quilombolas relativos à gestão territorial e ambiental, utilizando-os nos espaços de educação formal e nos processos educativos próprios, garantida a transmissão intergeracional de saberes por meio do envolvimento de guardiãs e guardiões desses conhecimentos;
II – articular, em parceria com o sistema educacional e com os órgãos de meio ambiente, ações de sensibilização e de educação ambiental nas comunidades quilombolas e no entorno dos territórios;
III – estimular a incorporação da temática da gestão territorial e ambiental nos projetos político-pedagógicos elaborados por escolas situadas em territórios quilombolas ou que atendam estudantes de comunidades quilombolas, nos termos da legislação;
IV – articular a produção e a publicação de materiais didáticos, paradidáticos e de apoio pedagógico que abordem temas e conteúdos relacionados à gestão territorial e ambiental quilombola, baseados no diálogo de saberes e na valorização dos conhecimentos e das práticas tradicionais de territórios quilombolas, nos termos da legislação;
V – estimular o desenvolvimento de pesquisas e a geração de conhecimentos em temas relacionados à gestão territorial e ambiental quilombola, com consulta e consentimento da comunidade, observado o diálogo de saberes, com utilização de estratégias e métodos que promovam o protagonismo e a participação das comunidades;
VI – incentivar processos de formação de quilombolas sobre os aspectos econômicos, ambientais, sociais, culturais, políticos e jurídicos da gestão territorial e ambiental, com vistas ao fortalecimento de sua atuação dentro e fora dos territórios;
VII – estimular e apoiar os diálogos entre a educação escolar quilombola, os processos formativos locais e a educação ambiental; e
VIII – incentivar o ensino, a pesquisa e a extensão em temas relacionados à produção, à comercialização e à geração de renda nos territórios quilombolas, com base no diálogo de saberes.
Eixo 5 – organização social para a gestão territorial e ambiental
Art. 10. São objetivos específicos do Eixo 5:
I – promover ações de fortalecimento da organização social nos territórios quilombolas, com reconhecimento e valorização da diversidade de arranjos organizacionais e do sentido de coletividade na gestão territorial e ambiental, pautadas no protagonismo e na autonomia de quilombolas;
II – promover e apoiar a construção participativa de protocolos de consulta livre, prévia e informada nas comunidades quilombolas;
III – apoiar o fortalecimento institucional e jurídico das organizações quilombolas, por meio de processos formativos sobre associativismo, cooperativismo, captação de recursos e gestão financeira; e
IV – apoiar e incentivar intercâmbios e práticas pedagógicas relacionadas às múltiplas experiências de gestão territorial e ambiental quilombola no País e nas Américas.
Dos instrumentos de implementação
Art. 11. A PNGTAQ será prioritariamente implementada por meio de planos locais de gestão territorial e ambiental, que consistem em projetos territoriais e ambientais específicos, formulados, aprovados, geridos e monitorados pelas próprias comunidades quilombolas, conforme os usos, os costumes e as tradições de cada território.
Parágrafo único. Os planos de que trata o caput identificam, caracterizam, disciplinam e projetam os usos de recursos naturais, as atividades produtivas, as formas de ocupação dos territórios e a implementação de políticas públicas, de acordo com as necessidades das comunidades e as visões de futuro dos territórios, com vistas ao etnodesenvolvimento e ao bem-viver.
Art. 12. Os planos locais de gestão territorial e ambiental poderão ser construídos utilizando as ferramentas de gestão pré-existentes, incluindo, entre outros, planos de vida, regimentos, diagnósticos, mapeamentos e demais ferramentas de ordenamento territorial, garantida a possibilidade de desenvolvimento e adaptação de outros instrumentos e ferramentas elaborados de forma autônoma pelas comunidades e que contemplem as especificidades territoriais quilombolas.
Art. 13. A PNGTAQ poderá contar, para fins de sua implementação, com sistemas interoperáveis voltados para a qualificação e a integração de informações fundiárias, ambientais e sociais das comunidades e dos territórios quilombolas, oriundos de bancos e plataformas de dados oficiais correlatos.
Art. 14. A PNGTAQ será implementada, ainda, por meio de ações de formação e educação sobre gestão territorial e ambiental quilombola voltadas para as comunidades quilombolas, para servidores e servidoras públicas e para os demais atores envolvidos na implementação, com ênfase no respeito à identidade, à história, à luta, aos direitos e à gestão territorial e ambiental já estabelecida pelas comunidades quilombolas.
Da governança
Art. 15. Fica instituído o Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola.
Art. 16. Compete ao Comitê Gestor:
I – planejar, coordenar, articular, monitorar e avaliar a execução da PNGTAQ;
II – propor ações, planos, programas e recursos necessários à implementação da PNGTAQ no âmbito do Plano Plurianual, das diretrizes orçamentárias, do orçamento anual e de outras fontes de financiamento;
III – assegurar a realização de consulta livre, prévia e informada às comunidades quilombolas no âmbito de iniciativas governamentais e legislativas que as afetem, observada a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais e os protocolos de consulta existentes; e
IV – aprovar o seu regimento interno, por maioria simples de votos.
Art. 17. O Comitê Gestor, observada a paridade entre o Poder Executivo federal e as representações quilombolas, será composto por:
I – um representante do Ministério da Cultura;
II – um representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar;
III – um representante do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome;
IV – um representante do Ministério da Educação;
V – um representante do Ministério da Igualdade Racial;
VI – um representante do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima;
VII – um representante das organizações quilombolas de cada uma das regiões geográficas do País; e
VIII – um representante de entidade quilombola de atuação de âmbito nacional.
§ 1º Cada membro do Comitê Gestor terá até dois suplentes, que o substituirão em suas ausências e seus impedimentos.
§ 2º O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar garantirão a participação no Comitê Gestor de, respectivamente, um representante do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e um representante do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra.
§ 3º O Ministério da Cultura garantirá a participação de representantes da Fundação Cultural Palmares e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Comitê Gestor.
§ 4º Os membros do Comitê Gestor de que tratam os incisos I a VI do caput e os respectivos suplentes serão indicados pelos titulares dos órgãos que representam e designados em ato do Ministro de Estado da Igualdade Racial.
§ 5º Os Ministros de Estado da Igualdade Racial, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar editarão ato próprio para definição das organizações quilombolas de que trata o inciso VII do caput e dos critérios e procedimentos da referida definição, no prazo de noventa dias, contado da data de entrada em vigor deste Decreto, prorrogável por igual período.
Art. 18. O mandato dos representantes de que tratam os incisos I a VII do caput do art. 17 será de dois anos.
Art. 19. A Coordenação do Comitê Gestor será desempenhada de forma conjunta pelos Ministérios da Igualdade Racial, do Meio Ambiente e Mudança do Clima e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.
Art. 20. A Secretaria-Executiva do Comitê Gestor será exercida pelo Ministério da Igualdade Racial.
Art. 21. Compete ao Ministério da Igualdade Racial garantir as condições para o funcionamento do Comitê Gestor e articular as ações para a execução da PNGTAQ.
Art. 22. O Comitê Gestor se reunirá:
I – em caráter ordinário:
a) bimestralmente, no primeiro ano de implementação da PNGTAQ; e
b) quadrimestralmente, nos anos seguintes; e
II – em caráter extraordinário, mediante convocação pela Coordenação do Comitê Gestor, por meio de ofício, ou por solicitação da maioria absoluta de seus membros.
§ 1º O quórum de reunião do Comitê Gestor é de maioria absoluta e o quórum de aprovação é de maioria simples.
§ 2º Na hipótese de empate, além do voto ordinário, a Coordenação do Comitê Gestor terá o voto de qualidade.
Art. 23. Os membros do Comitê Gestor se reunirão ordinariamente de forma presencial, e, excepcionalmente, por videoconferência.
Art. 24. O Comitê Gestor poderá criar grupos de trabalho temáticos, com a finalidade de atender a demandas específicas e de recomendar a adoção de medidas necessárias à implementação de suas proposições.
Art. 25. O Comitê Gestor poderá convidar representantes de órgãos e entidades da administração pública federal, estadual, distrital e municipal, representantes de entidades da sociedade civil organizada, especialistas, universidades e pessoas com notório saber para participar das reuniões, sem direito a voto, para planejar e implementar as ações da PNGTAQ.
Art. 26. A participação no Comitê Gestor será considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada.
Art. 27. O Comitê Gestor deverá estimular o alinhamento dos entes federativos à PNGTAQ.
Art. 28. Os Governos estaduais, distrital e municipais poderão criar instâncias participativas e paritárias entre representações governamentais e quilombolas para implementar a PNGTAQ.
Art. 29. O Comitê Gestor elaborará e divulgará amplamente relatório anual sobre a implementação da PNGTAQ.
Do financiamento
Art. 30. Os órgãos e as entidades públicas federais, estaduais, distritais e municipais poderão aportar recursos para a implementação da PNGTAQ.
§ 1º Os órgãos e as entidades de que trata o caput poderão, no âmbito de seus orçamentos próprios, criar outros mecanismos de financiamento da PNGTAQ, dentro de seus regimes fiscais e limites orçamentários.
§ 2º Os órgãos e as entidades de que trata o caput poderão criar mecanismos de captação de recursos privados para financiamento da PNGTAQ, de acordo com regulamentação específica.
Art. 31. Os planos locais de gestão territorial e ambiental poderão orientar a aplicação dos recursos decorrentes das diferentes fontes.
Art. 32. As despesas com a execução das ações da PNGTAQ serão custeadas por meio de dotações orçamentárias consignadas anualmente aos órgãos e às entidades responsáveis por sua implementação, observados os limites de movimentação, empenho e pagamento da programação orçamentária e financeira anual.
Disposições finais
Art. 33. Para a execução da PNGTAQ, poderão ser firmados convênios, parcerias, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres entre órgãos e entidades da administração pública federal, estadual, distrital e municipal e com entidades privadas e organismos internacionais.
Art. 34. Os órgãos e as entidades públicas responsáveis pela implementação da PNGTAQ desenvolverão ações voltadas às comunidades quilombolas para divulgação da política e dos conhecimentos desenvolvidos no seu âmbito, respeitadas suas dotações orçamentárias anuais.
Art. 35. A ausência de inscrição no Cadastro Ambiental Rural – CAR não impedirá o acesso das comunidades quilombolas a políticas públicas, ressalvadas hipóteses específicas previstas na legislação.
Art. 36. No que tange aos direitos reais sobre territórios, aplica-se a PNGTAQ às áreas ocupadas por comunidades quilombolas que tenham Relatório Técnico de Identificação e Delimitação publicado em Diário Oficial dos Estados ou da União, resguardados eventuais direitos de terceiros.
Art. 37. A implementação da PNGTAQ observará o disposto na legislação pertinente, especialmente, mas não apenas:
I – na Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente;
II – na Lei nº 9.985, de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza;
III – na Lei nº 12.651, de 2012, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa;
IV – na Lei nº 11.428, de 22 de dezembro de 2006, que dispõe sobre a utilização e a proteção da vegetação nativa do bioma Mata Atlântica;
V – na Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos;
VI – na Lei nº 11.460, de 21 de março de 2007, que dispõe sobre o plantio de organismos geneticamente modificados em unidades de conservação; e
VII – no Decreto nº 5.758, de 2006, que institui o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas.
Art. 38. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 20 de novembro de 2023; 202º da Independência e 135º da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Luiz Paulo Teixeira Ferreira
Anielle Francisco da Silva
Maria Osmarina Marina da Silva Vaz de Lima