RESOLUÇÃO CNLGBTQIA+ Nº 1, DE 19 DE SETEMBRO DE 2023

Estabelece os parâmetros para a inclusão dos itens ‘orientação sexual’, ‘identidade de gênero’, ‘expressões de gênero’, ‘intersexo’, ‘nome social’ e tipificação adequada, nos termos da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26 e Mandado de Injunção 4.733, nos boletins de ocorrência, inclusive nos digitais, emitidos pelas autoridades policiais no Brasil.

O CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DAS PESSOAS LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS, TRAVESTIS, TRANSEXUAIS, QUEERS, INTERSEXOS, ASSEXUAIS E OUTRAS – CNLGBTQIA+, no uso das atribuições que lhe confere o artigo 2º do Decreto nº 11.471, de 6 de abril de 2023,

Considerando o Art. 5º da Constituição Federal, que dispõe que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros, brasileiras e aos estrangeiros e estrangeiras residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade;

Considerando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Organização das Nações Unidas, em 1948, que afirma que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que cada pessoa tem a capacidade para gozar os direitos e as liberdades existentes nesse instrumento sem qualquer distinção de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional, nascimento ou qualquer outra condição;

Considerando o Artigo II da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, adotada pela Organização dos Estados Americanos, em 1948, que dispõe que ‘todas as pessoas são iguais perante a lei e têm os direitos e deveres consagrados nesta declaração, sem distinção de raça, língua, crença, ou qualquer outra forma de discriminação’;

Considerando o disposto na Resolução da Organização das Nações Unidas ‘Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero’, aprovada em 17 de junho de 2011;

Considerando o contido no Art. 9º da Resolução da Organização dos Estados Americanos – AG/RES-2435(XXXVIII-O/08) ‘Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero’;

Considerando o Decreto de 4 de junho de 2010, que institui o dia 17 de maio como o Dia Nacional de Combate à Homofobia;

Considerando o exposto no Decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016, que ‘dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional’;

Considerando os dados de LGBTQIA+fobia constantes no ‘Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil: Ano de 2012’, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que apontam cerca de 27 violações de direitos humanos de caráter LGBTQIA+fóbico por dia;

Considerando o aumento de 35,2% de crimes de lesão corporal, 7,2% de homicídios, 88,4% de estupro contra a população LGBTQIA+, de acordo com o ‘Anuário Brasileiro de Segurança Pública’ publicado em 2022 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública;

Considerando a Portaria nº 766, de 3 de julho de 2013, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, que institui o Sistema Nacional de Promoção de Direitos e Enfrentamento à Violência contra Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – LGBT;

Considerando a Diretriz 10, Objetivo Estratégico V, Ação Programática A, G, I e H do Programa Nacional de Direitos Humanos 3 – PNDH3, que trata sobre a garantia do respeito à livre orientação sexual e identidade de gênero aprovado pelo Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, assim como as diretrizes aprovadas na II Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT;

Considerando os Princípios de Yogyakarta (Princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero), em especial o Princípio 5, ‘Direito à Segurança Pessoal’, publicados em novembro de 2006, como resultado de uma reunião internacional de grupos de direitos humanos na cidade Yogyakarta, Indonésia, e atualizado em 2017;

Considerando a decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26 e Mandado de Injunção 4.733, em 13 de junho de 2019, que reconheceu a LGBTQIA+fobia como crime;

Considerando a necessidade de dar visibilidade e criar indicadores e dados oficiais para os crimes praticados contra pessoas LGBTQIA+ e em razão de ‘orientação sexual’, ‘identidade de gênero’ ou ‘expressão de gênero’; resolve:

Art. 1º Estabelecer os parâmetros para incluir os itens ‘orientação sexual’, ‘identidade de gênero’, ‘intersexo’ e ‘nome social nos boletins de ocorrência emitidos pelas autoridades policiais em todas as unidades da federação brasileira.

§ 1º Para efeitos desta Resolução, considera-se, de acordo com os Princípios da Yogyakarta e normativas vigentes:

I – sexo: as características biológicas da pessoa, devendo ser incluído neste campo a opção intersexo, entendendo-se pessoas que nascem com características sexuais, físicas ou biológicas como anatomia sexual, os órgãos reprodutivos, os padrões hormonais e/ou cromossômicos que não se encaixam nas definições típicas de feminino e masculino, conforme definição dada pelo Conselho Nacional de Justiça, na Resolução nº 348, de 9 de outubro de 2020;

II – identidade de gênero: a profundamente sentida experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismos;

III – expressão de gênero: a forma em que cada pessoa apresenta o seu gênero através da sua aparência física – incluindo a forma de vestir, o penteado, os acessórios, a maquiagem – o gestual, a fala, o comportamento, os nomes e as referências pessoais, e recordando, além disso, que a expressão de gênero pode ou não coincidir com a identidade de gênero da pessoa;

IV – orientação sexual: referência à capacidade de cada pessoa de ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas.

§ 2º Para efeitos desta Resolução, considera-se nome social aquele pelo qual travestis, mulheres e homens transexuais, pessoas transmasculinas e não binárias se identificam e reconhecem socialmente, independente do constante em sua documentação. Não deve ser confundido com apelido/alcunha, visto que o nome social guarda relação direta com a identidade de gênero da pessoa, geralmente em contraposição ao gênero designado no nascimento.

Art. 2º No registro do Boletim de Ocorrência, a informação sobre a orientação sexual e/ou identidade de gênero do/da noticiante deve ser questionada pela autoridade policial, ressalvado o direito de autodeclaração ou recusa desta pela pessoa.

§ 1º Para registro da informação sobre a identidade de gênero, é necessário referir a autodeclaração de travestis, mulheres e homens transexuais, pessoas transmasculinas, não binárias ou outras.

§ 2º O registro de Boletim de Ocorrência digital deve seguir todos os parâmetros da presente Resolução.

Art. 3º Os sistemas deverão contar ainda com opções de tipificação que levem em consideração a motivação do crime em razão da ‘orientação sexual’, ‘identidade ou expressão de gênero’.

Art. 4º À delegacia de polícia, ou à unidade de polícia competente, recomenda se fixar em local público e visível a definição de ‘orientação sexual’, ‘identidade de gênero’, ‘expressão de gênero’, ‘intersexo’, e ‘nome social’ para esclarecimento dos/das noticiantes.

Art. 5º Revoga-se a Resolução nº 11, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – CNCD, de 18 de dezembro de 2014.

Art. 6º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

JANAÍNA BARBOSA DE OLIVEIRA

Presidenta do Conselho

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