A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) iniciou, nesta terça-feira (13), o julgamento do recurso especial contra a anulação do júri que condenou os quatro acusados pela tragédia da Boate Kiss, em Santa Maria (RS). O incêndio na casa de shows, em janeiro de 2013, causou a morte de 242 pessoas e deixou feridas outras 636. O júri foi anulado no ano passado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).
O relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, votou pelo acolhimento do recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), para restabelecer o júri popular. O julgamento, contudo, foi suspenso em razão de pedidos de vista dos ministros Sebastião Reis Júnior e Antonio Saldanha Palheiro.
Para Schietti, ao apontar supostas ilegalidades no julgamento do júri, as defesas dos réus não demonstraram o prejuízo concreto que teriam sofrido, o que impede – ao contrário do que entendeu o TJRS – o reconhecimento de nulidades. Outras nulidades mencionadas pelos advogados, segundo o ministro, foram atingidas pela preclusão.
De acordo com o ministro, como consequência do restabelecimento da sentença condenatória, também deveria ser restabelecida a decisão na parte em que o magistrado de primeiro grau determinou a prisão imediata dos réus. Ele entendeu ser necessário o retorno dos autos ao TJRS para que, afastadas as nulidades, a corte analise as outras questões levantadas nas apelações. Por causa da anulação do júri, o tribunal gaúcho havia considerado prejudicados alguns dos pontos discutidos pelas partes nos recursos.
TJRS reconheceu quatro nulidades na sessão do júri
Em dezembro de 2021, o tribunal do júri condenou Elissandro Callegaro Spohr a 22 anos e seis meses de reclusão; Mauro Londero Hoffmann a 19 anos e seis meses; e Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão, ambos à pena de 18 anos. O juiz estabeleceu o regime fechado para todos os réus e determinou a execução provisória das penas.
O TJRS, porém, anulou o júri por quatro motivos principais: irregularidades na escolha dos jurados, inclusive com a realização de um sorteio fora do prazo previsto pelo Código de Processo Penal (CPP); a realização, durante a sessão de julgamento, de uma reunião reservada entre o juiz presidente do júri e os jurados, sem a participação das defesas ou do Ministério Público; ilegalidades na elaboração dos quesitos; e a suposta inovação da acusação na fase de réplica.
Nulidades absolutas também exigem comprovação de prejuízo
Ao iniciar o seu voto, o ministro Rogerio Schietti manifestou solidariedade aos familiares, aos amigos e às centenas de vítimas da tragédia. O relator ressaltou a complexidade do processo (que já conta com mais de 68 mil páginas) e elogiou o comportamento de todas as partes, inclusive durante os dez dias de julgamento pelo júri popular.
Exatamente pela magnitude do episódio e pelo caráter dramático do caso, o ministro destacou a necessidade de que o julgamento pelo júri fosse conduzido “com certa flexibilidade, não a ponto de sacrificar os direitos dos acusados, mas na medida certa para não impedir a sua conclusão em tempo e modo devidos”.
Em relação às nulidades no processo penal, Schietti comentou que a divisão clássica entre as relativas – que exigiriam comprovação de prejuízo e estariam sujeitas à preclusão – e as absolutas – as quais, em tese, não estariam sujeitas à preclusão e poderiam ser reconhecidas de ofício pela Justiça – vem sendo objeto de nova interpretação tanto pelo Supremo Tribunal Federal quanto pelo STJ, com a fixação de jurisprudência no sentido de que também as nulidades absolutas dependem da demonstração de efetivo prejuízo e podem ser atingidas pela preclusão.
Preocupação do juiz foi evitar adiamento da sessão
No tocante à escolha dos jurados, Schietti comentou que o juiz presidente fez três sorteios para a escolha de 150 jurados (entre 25 deles seriam sorteados os integrantes do conselho de sentença). Para o TJRS, o número foi excessivo, além de um dos sorteios ter ocorrido em 24 de novembro de 2021, fora do prazo previsto pelo CPP.
Na avaliação do ministro, contudo, a intenção do magistrado foi evitar o chamado “estouro de urna” (quando há impossibilidade de se formar o conselho de sentença pela insuficiência de jurados), em razão das dificuldades para encontrar pessoas aptas a participar do julgamento e por causa da pandemia da Covid-19. Além disso, enfatizou, o juiz definiu a forma de sorteio com o objetivo de evitar o risco de adiamento da sessão, o que levaria não só a grandes prejuízos materiais e problemas operacionais, mas também teria um grave “custo emocional” para aqueles que aguardavam o julgamento.
O relator lembrou ainda que os quatro jurados escolhidos no sorteio fora do prazo legal não participaram do julgamento. “O conselho de sentença não contou com nenhum dos jurados que foram sorteados no dia 24/11/2021, o que evidencia a ausência de prejuízo em razão da realização do último sorteio de jurados extemporaneamente”, disse.
Nulidades ocorridas em sessão plenária devem ser apontadas logo após ocorrência
Já em relação à suposta ilegalidade da reunião reservada entre o juiz e os jurados, Schietti destacou que as nulidades do julgamento em plenário devem ser atacadas logo após sua ocorrência, sob pena de preclusão, nos termos do artigo 571, incisos V e VII, do CPP. Além disso, é indispensável que a alegação de nulidade seja consignada na ata da sessão.
De acordo com Rogerio Schietti, não houve impugnação da reunião reservada na ata, mas apenas no recurso de apelação. “Assim, considerando que não houve impugnação da realização da referida reunião oportunamente em plenário, a matéria está preclusa”, afirmou.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):
REsp 2062459
STJ