Um motorista de aplicativo da cidade de Caldas Novas (GO) acionou a Justiça do Trabalho para obter o reconhecimento da relação de emprego com a plataforma que intermediava as corridas. O trabalhador alegou que estavam presentes todos os requisitos legais da relação de trabalho, requereu a declaração de existência de vínculo e a condenação da empresa ao pagamento das verbas trabalhistas. Para o motorista, a prestação de serviços era integralmente monitorada, gerida e controlada por meios eletrônicos.
O aplicativo, por sua vez, alegou relação de parceria comercial e apontou ausência de subordinação, onerosidade, pessoalidade e habitualidade. A empresa explicou que o motorista escolhia onde, quando e como utilizaria o aplicativo e nunca houve a prestação de serviço do motorista à plataforma, mas ao contrário, a empresa teria sido contratada por ele.
Outro ponto alegado pelo aplicativo é que nunca houve a exigência de prestação pessoal do motorista. Segundo a empresa, o condutor do veículo poderia ser substituído por qualquer outro motorista habilitado sem conhecimento da empresa, inclusive com possibilidade de compartilhar o veículo com vários condutores.
Para a empresa, também não haveria onerosidade, pois foi o motorista que teria pago ao aplicativo pelo uso da plataforma no Brasil. O requisito da habitualidade também foi contestado, dado que o autor atendia viagens em dias variáveis, sem rotina ou previsibilidade.
E quanto à subordinação, a empresa alegou não ter o poder de gerir e controle sobre o motorista parceiro.
Sentença
Para o juiz da Vara do Trabalho de Caldas Novas, a caracterização da relação jurídica de emprego requer o atendimento concomitante dos elementos normativos elencados na CLT, quais sejam: pessoalidade, habitualidade (ou não eventualidade), dependência (ou subordinação), onerosidade e alteridade, ou seja, que os riscos da atividade desempenhada sejam assumidos por quem admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
O magistrado pontuou que o elemento “subordinação” significa, na visão do trabalhador, estar sob ordens daquele que detém o do tomador do seu trabalho. Do ponto de vista da empresa, é a faculdade de utilizar a força de trabalho do empregado, no interesse do empreendimento econômico cujos riscos assumiu. Além disso, a subordinação é fonte de direitos para ambos contratantes, conferindo ao empregador os poderes de direção, de controle, fiscalizatório e disciplinar.
O juiz explicou que o motorista de aplicativo pode iniciar e terminar a prestação de serviços quando bem entender e não justificar a ausência de uso da plataforma. Para ele, inexistindo a subordinação, não há meio de se aplicar as regras da CLT. Ele afirma que não ignora que os avanços tecnológicos acarretam inovações nas relações humanas, dentre elas, as relações contratuais, mas isso por si só não pode conduzir ao entendimento de que toda prestação de serviços por uma pessoa humana necessariamente deva ser configurada como vínculo de emprego, nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT.
O juiz baseou seu entendimento na análise feita em outro processo contra a mesma empresa. Para ele, na relação dos motoristas de aplicativo com a plataforma digital, há pessoalidade na medida em que é exigido o encaminhamento e checagem dos dados pessoais dos motoristas.
Quanto ao salário ou onerosidade, o magistrado entende que o propósito do trabalhador é se vincular a título retributivo, ou seja, com a intenção de perceber uma contraprestação pelo trabalho desempenhado. Nesse sentido, o trabalhador tem a expectativa de ser remunerado pelo serviço prestado.
Para o juiz, não procede a tese de que o pagamento não seria feito pela plataforma e sim pelo usuário, pois, na maior parte dos casos, o pagamento é feito pela empresa que gerencia o aplicativo, diretamente ao motorista, em certa data previamente ajustada, eis que grande parte das corridas é paga mediante uso de cartão de crédito ou de débito. O magistrado aponta que mesmo quando o serviço é pago em dinheiro, parte dele acaba revertida ao aplicativo, tal como se passaria, em uma relação de trabalho tradicional.
Falta de subordinação
No último requisito analisado, o juiz citou a autonomia que o motorista tinha para prestar serviços, sendo indicativo claro de que não havia subordinação jurídica. Ele alega que o motorista tinha plena liberdade para definir quando e onde trabalharia, fator inconciliável com a noção de subordinação ou dependência. Ou seja, era o motorista que definia quando trabalhava.
O magistrado avaliou se em uma relação de emprego poderia o empregado livremente decidir quando empreender uma viagem, sem dar qualquer satisfação à empresa. Para ele, não é possível que assim seja feito. Nesse sentido, negou o vínculo empregatício entre o motorista e a plataforma de transporte.
Cabe recurso da decisão judicial.
Processo 0010982-83.2022.5.18.0161
JA/CG/FV
TRT18