A Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT-10) garantiu a um jornalista anistiado da Empresa Brasil de Comunicação S/A (EBC) o direito de permanecer atuando em trabalho remoto até sua aposentadoria, para garantir a permanência da unidade familiar, tendo em vista os cuidados necessários com sua saúde e de sua esposa, que precisa de acompanhamento médico regular. De acordo com o relator do caso, desembargador José Leone Cordeiro Leite, a proteção à família é um direito consagrado na Constituição Federal de 1988 e as empresas têm uma importante função social que decorre exatamente dos princípios fundamentais da República.
O jornalista conta na ação que entrou na empresa em 1982, prestando serviço no estado de Minas Gerais. Em 1990 foi demitido e, em 1994, reintegrado ao cargo. Após novo afastamento, ajuizou ação ordinária que foi julgada procedente, com determinação de seu retorno à Radiobras. Em maio de 2021 ele diz que voltou à EBC, trabalhando de forma remota. Ele afirma que desde sua contratação em 1982, sempre atuou no estado de Minas, inclusive nos períodos em que esteve afastado da empresa. Diz que fixou residência no estado, abriu empresa e constituiu família em Minas. Em razão de sua idade avançada – 68 anos – e visando manter a unidade familiar, até em razão de doença de sua esposa, que está com 71 anos, pediu à empresa que não o transferisse para Brasília, garantindo sua permanência em trabalho remoto.
A EBC negou o pedido, alegando que, com o fim da situação de emergência em saúde pública por conta da pandemia de covid-19, voltou a ser estabelecida como regra geral, no âmbito da empresa, o trabalho presencial integral. Afirmou, ainda, que a EBC não tem escritório ou interesse em ter correspondente na capital mineira.
O jornalista acionou a Justiça do Trabalho pedindo para continuar em trabalho remoto, mas o pedido foi negado pelo juiz de primeiro grau, para quem a apontada inconveniência do deslocamento do trabalhador para Brasília não decorre de arbitrariedade da EBC, mas de implementação de política administrativa da empresa, aparentemente aplicada de forma impessoal. O jornalista recorreu ao TRT-10 contra a sentença.
Direitos relevantes
Ao votar pelo provimento do recurso, o relator salientou que mesmo que a empresa não tenha mais posto de trabalho em Minas Gerais e que exista disciplina empresarial regulamentando o teletrabalho, “o caso dos autos evidencia a existência de outros direitos de significativa relevância a serem ponderados”.
O indeferimento do pedido de manutenção do regime de teletrabalho até que o trabalhador se aposente, salientou o desembargador José Leone, pode causar risco grave e irreversível para sua família, incluindo prejuízos à sua saúde e de sua esposa, frisou o relator. Nesse sentido, apontou que tanto o jornalista quanto sua esposa apresentam histórico de comorbidades que acarretam a necessidade de acompanhamento médico regular, havendo inclusive laudo do médico da esposa afirmando não ser recomendável a sua transferência para Brasília acompanhando o marido.
Além disso, lembrou o relator, o jornalista foi admitido, originariamente, na antiga Empresa Brasileira de Notícias (EBN) – que foi posteriormente incorporada pela Radiobrás e, depois, pela EBC – para o cargo de jornalista, com lotação justamente em Minas Gerais, local onde residiu durante toda a sua vida e onde constituiu seu núcleo familiar. “Assim, eventual suspensão do regime de teletrabalho, obrigando que o autor se transfira de Minas Gerais, onde residiu ao longo da sua vida profissional, para localidade diversa do domicílio de sua família, resulta em prejuízo imediato à estrutura familiar”, frisou, lembrando que a família deve ter especial proteção do Estado, conforme preceitua o artigo 226 da Constituição Federal de 1988.
A Constituição também afirma que a empresa tem uma função social decorrente dos princípios fundamentais da República Brasileira, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV, da CF) e esse mandamento não deve ser esquecido nesse momento difícil da vida do empregado, emendou o relator.
Apesar de não ter posto de trabalho em Minas Gerais, a empresa tem institucionalizado o teletrabalho, mesmo que de forma mais restrita na atualidade. Assim, diante do fato de que desde a sua readmissão nos quadros da empresa o jornalista vem exercendo seu labor em teletrabalho, fica evidente que a manutenção do referido regime, até a sua aposentadoria, não causará prejuízo sensível à empresa, principalmente quando confrontado com a proteção à família e à saúde do trabalhador, concluiu.
A decisão aconteceu por maioria de votos.
Processo n. 0000498-02.2022.5.10.0009
TRT10