Georges Humbert – Advogado, professor, pós-doutor em direito pela Universidade de Coimbra, Doutor e mestre em direito, pela PUC-SP, foi Superintendente de Patrimônio da União no Estado da Bahia.
O Patrimônio Imobiliário da União tem papel essencial na estratégia de desenvolvimento do país na medida em que provê o insumo fundamental – espaço físico – para assentamento das ações e projetos de interesse público. Esse patrimônio, descrito no art. 20 da Constituição Federal, pertence a todos os brasileiros e se submete a normas jurídicas de direito indisponível, além de estabelecer direitos e deveres para além dos meramente individuais e subjetivos, mas também objetivos, coletivos e difusos. Disto decorre que, também em regra, envolvem os atos jurídicos em debate atributos como o da indisponibilidade, impossibilidade de transação, a tutela processual coletiva, publicidade e sujeição a defesa pelas ações constitucionais como a Ação Popular, o Mandado de Injunção e a Ação Civil Pública, por exemplo.
Note-se que o regime jurídico específico dos bens públicos não prever a exclusão da incidência do dever de cumprimento da função social da propriedade, legalidade, devido processo legal, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, boa-fé, entre outros. Portanto, a propriedade pública submete-se à verificação da função social. Estes são os traços, os caracteres peculiares, enfim, o regime jurídico próprio que distinguem as propriedades de pessoas jurídicas de Direito Público daquelas que integram o patrimônio particular. Os bens de domínio da União apresentados pelos incisos III, IV, VI e VII do art. 20 da Constituição Federal de 1988 sob gestão da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União.
Independentemente de qualquer norma jurídica, o PROCESSO ADMINISTRATIVO DE DEMARCAÇÃO DE TERRA PARA COMUNIDADES TRADICIONAIS, como em qualquer órgão, já possui a sua legalidade e legitimidade tuteladas em razão da noção de Administração Pública e dos princípios que a regem, notadamente a supremacia e a indisponibilidade do interesse público. Em razão desses princípios, o Poder Público goza do poder de polícia, que nada mais é do que, em razão do poder-dever de autoridade, ser-lhe atribuído uma série de deveres a cumprir, sendo dotado de prerrogativas de delimitar, condicionar, intervir e adentrar nos direitos individuais e coletivos para, em alguma medida, potencializar esses direitos, considerados coletivamente.
O Poder Público, assim, poderá agir nos atos particulares, não impedindo, mas condicionando e limitando, para permitir que seja sujeito o interesse individual ao interesse público. Em razão dos princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, há, portanto, que se falar no fundamento de validade do PROCESSO ADMINISTRATIVO DE DEMARCAÇÃO, por ser este o instrumento de atuação da administração e exercício da função pública, que permite o controle e fiscalização, por parte do Poder Público.
A atuação do INCRA, FUNDAÇÃO PALMARES, SPU, no âmbito da demarcação, como de todo poder público, se perfaz por um conjunto de procedimentos, de atos, de atribuições que deverão ser realizados pelo Poder Público para controlar e fiscalizar as atividades ou empreendimentos e mesmo o direito de propriedade sobre os bens da União. Para tanto, é convencionado na doutrina, jurisprudência e lei que, sempre que estamos diante de um conjunto de atos concatenados, tendentes à produção de um ato final que expeça a vontade última sobre tal matéria, estamos diante de processo, que pode ser particular (ex.: eleição de síndico de condomínio) ou público (judicial/administrativo).
A natureza da atuação dos servidores do INCRA, FUNDAÇÃO PALMARES E SPU, para a demarcação, portanto, é de processo administrativo e de instrumento da política nacional do meio ambiente (natureza dúplice). A importância desta classificação é transportar todos os princípios do Direito Administrativo/processo administrativo ao licenciamento ambiental (ex.: duração razoável, contraditório, ampla defesa, devido processo legal etc.). Então, na prática, a atuação destas entidades e órgão é por – ou tem natureza jurídica de – processo administrativo. O processo administrativo, qualquer que seja, pode se iniciar de ofício ou a requerimento da parte interessada. Formulado o requerimento, a Administração Pública não pode se recusar a recebê-lo (art. 6º, parágrafo único, da Lei nº 9.784, além do próprio direito constitucional de petição), tendo o dever de proferir uma decisão inicial, verificando se há as condições para a apreciação do requerimento, se é preciso complementar algum documento ou se há necessidade de conversão em diligência para o saneamento de qualquer outro vício identificado no pedido. Esta previsão, além de ser ínsita ao próprio contraditório e devido processo legal, encontra fundamento no art. 26 da Lei de Processo Administrativo (federal).
A Lei n° 9.784/99 regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, direta e indireta (art. 1°, caput). Mas, também se aplica ao Poder Judiciário e ao Poder Legislativo, no desempenho de função administrativa (§1°, art. 1°), ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas.
Importante destacar que a Lei n° 9.784/99 não revogou as leis que regulam os processos administrativos específicos em âmbito federal, como reza o seu art. 69 . Assim, por exemplo, os artigos da Lei n° 8.112/90, que regulam o processo administrativo disciplinar (PAD), e o Decreto n° 70.235/72, que disciplina o processo administrativo fiscal, continuam a prevalecer em suas respectivas matérias.
O processo administrativo tem peculiaridades que o distingue do processo jurisdicional (também de aplicação da lei) e do processo legislativo (de elaboração da lei). Dentre elas estão os seus princípios, que lhes são próprios. A doutrina estabelece inúmeros princípios, mas os citados no art. 2° da Lei n° 9.784/99 são os seguintes: a) legalidade: obediência à lei e seus limites, também previsto no art. 37, caput, da CF/88; b) finalidade: correspondente ao princípio da impessoalidade, igualmente previsto no art. 37, caput, da CF/88; c) motivação: sem previsão expressa em texto constitucional, exceto quanto às decisões administrativas dos Tribunais, de acordo com o art. 93, X, da CF/88; d) razoabilidade: construção doutrinaria abraçada pela jurisprudência; e) proporcionalidade: correlato ao princípio da razoabilidade; f) moralidade: previsto no art. 37, caput, da CF/88; g) ampla defesa: previsto no art. 5°, LV, da CF/88; h) contraditório: também previsto no art. 5°, LV, da CF/88; i) segurança jurídica: princípio geral do direito sem previsão expressa no texto constitucional, mas o art. 5°, XXXVI, da CF/88, preconiza algumas de suas aplicações, tais como: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, j) interesse público: supraprincípio do direito administrativo, sem previsão expressa em texto constitucional, k) eficiência: previsto no art. 37, caput, da CF/88.
A doutrina diverge quanto à descrição das fases do processo administrativo, mas, considerando-se a Lei n° 9.784/99, pode-se concluir que o processo administrativo tem cinco fases, são elas: 1) Instauração: o art. 5°, da Lei n° 9.784/99, estabelece que o processo administrativo pode ser instaurado (iniciado) a pedido de parte interessada ou de ofício pela própria Administração. Uma vez iniciado o processo, a Administração fica impedida de atuar sobre o mesmo assunto, interrompe-se o prazo prescricional e entra em atuação o princípio da oficialidade, segundo o qual a Administração deve impulsionar o processo, adotando todas as medidas necessárias à sua adequada instrução; 2) Instrução: momento no qual são colhidas todas as provas e demais elementos necessários ao julgamento do processo, sempre com a participação do interessado; 3) Defesa: em obediência aos princípios da ampla defesa e do contraditório, o interessado tem o direito de apresentar contestação e retorquir de todas as maneiras legais os argumentos ou provas que lhes são apresentados; 4) Relatório: peça informativa e opinativa que serve de subsídio à decisão final, sem efeito vinculante; 5) Julgamento: momento decisório, no qual consta a peça com resumo do processo, fundamentação (sem a qual não será válida a decisão) e dispositivo (parte que contém a decisão)
Produzida a decisão, notifica-se a parte interessada para que complete e cumpra as diligências ou apresente os demais elementos necessários para a instrução dos processos de licenciamento, iniciando a terceira fase (instrução), regulamentada pelos arts.29-43 da Lei de Processo Administrativo Federal.
A instrução é indispensável ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa, pois é nela que se formarão as razões necessárias, com amplo direito de alegação por parte do interessado e do Poder Público quanto à viabilidade ou não do pedido formulado. A instrução deve, inclusive, ser realizada de ofício, ainda que sem requerimento da parte necessária, ao contrário do processo civil.
Na fase de instrução, deverá o interessado juntar os estudos, laudos técnicos e documentos necessários à comprovação da viabilidade da atividade ou requerimento. Outro aspecto da instrução é que a produção do laudo técnico pela Administração Pública é OBRIGATÓRIA. O art. 43 da Lei de Processo Administrativo prevê que, quando o órgão ambiental não produzir o laudo técnico, a autoridade competente para presidir pode solicitar de outros órgãos, inclusive, uma licitação/dispensa de licitação para contratar alguém de fora da Administração Pública, sem prejuízo do processo administrativo disciplinar.
A decisão final pode ser a negativa do pedido, o deferimento ou o deferimento condicionado, na forma de outorga, concessão, autorização, licença, entre outros instrumentos. De todo modo, sem respeitar tais premissas e procedimentos, o ato de demarcação de terras de comunidades tradicionais será viciado e anulável, por dever da própria administração de revisão e autotutela de seus atos ou pelo judiciário.
Um marco importante para a valorização da liberdade econômica no Brasil foi a publicação da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, que ficou conhecida como lei da liberdade econômica. Esta lei dispõe em seu artigo 2º que são princípios da liberdade econômica, os quais devem nortear todas as disposições presentes em seu bojo: I – a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas; II – a boa-fé do particular perante o poder público; III – a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; e IV – o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado[1].
A intervenção do Estado no desenvolvimento de atividades econômicas deve acontecer de modo que se possa acompanhar, com eficiência, a instalação e operação das mesmas, especialmente no que diz respeito ao controle e fiscalização que possam evitar o surgimento de danos ambientais significativos. Sabe-se que as atividades econômicas, pela sua característica transformadora de elementos ambientais, apresentam sempre riscos de danos ao ambiente, podendo tais danos serem classificados como elevados, médios ou baixos, a depender do tipo de exploração.
Sendo assim, o Estado precisa estar atento às etapas de instalação e à operação do empreendimento, de modo que em suas ações de polícia administrativa possa identificar eventuais afastamentos em relação ao cumprimento da legislação ambiental.
O artigo 170 da Constituição de 1988 tem uma importância singular para o estabelecimento de uma ordem econômica sustentável. O país precisa de condições para o exercício das liberdades proclamadas ao longo de todo o seu texto constitucional. Qualquer empreendedor, em qualquer lugar do mundo, não apenas valoriza, mas depende de um fator chamado segurança jurídica. Tal segurança jurídica decorre de regulações claras, precisas e justas. Este último fator pode ser um tanto vago, pois justiça não é uma definição precisa, sendo, portanto, uma ideia relativa. No entanto, o status de justiça que todo empreendedor espera encontrar se traduz em uma ordem com regras clara, de modo que a segurança jurídica, ínsita às relações, seja uma realidade perceptível e robusta.
Flexibilidade, estabilidade e segurança jurídica são fatores que todos os investidores têm em mente e em seus quadros de análises sempre que precisam tomar decisões para a expansão de seus negócios. Sendo assim, o Estado precisa oferecer, além de regras claras e estáveis, uma estrutura estatal que emane eficiência, transparência e boa-fé. Eis o “ecossistema” ideal para negócios sustentáveis. Existe um “mínimo existencial” a ser garantido em termos de regulações e estratégias de controle e fiscalização, os quais precisam ser protegidos contra proposições legislativas que visem esvaziar políticas, instrumentos e alguns status de proteção. Neste sentido, o Estado não pode, em nome de uma maior eficiência administrativa, abrir mão do exercício do seu poder de polícia, mas pode melhorar processos, trâmites, ampliar formas de acesso a sistemas eletrônicos, enfim, realizar uma atuação administrativa muito mais ágil, eficaz e produtiva. Com essas medidas, todos ganham, sociedade e empreendedores.
De acordo com o Índice de Liberdade Econômica (Index of Economic Freedom), o qual foi criado em 1995 através de uma parceria entre o The Wall Street Journal e o think tank norte-americano conhecido como Heritage Foundation e que avalia o grau de liberdade econômica de 186 países, o Brasil ocupa a posição de número 153, sendo classificado como Estado majoritariamente não-livre, com pontuação de 51,4 (de um máximo de 100 pontos). A pontuação é obtiva através de cálculos, os quais tomam como base, fatores tais como: a) Estado de Direito – que avalia os seguintes aspectos: Direitos de Propriedade, Integridade de Governo, Eficiência Judicial; b) Tamanho do governo – que avalia os seguintes aspectos: Gastos do Governo, Carga Tributária, Saúde Fiscal; c) Eficiência Regulatória – que avalia os seguintes aspectos: Liberdade Comercial, Liberdade de Trabalho, Liberdade Monetária; e d) Mercados Abertos – que avalia aspectos como: Liberdade de Comércio Exterior, Liberdade de Investimento, Liberdade Financeira.
Segundo entende o próprio governo federal do Brasil, a liberdade econômica é o direito que as pessoas possuem de desenvolver atividades econômicas, trabalhar, gerar reservas e investir sem muita interferência do Estado, aliviando o peso da burocracia sobre o empreendedor. Segundo essa compreensão, um cidadão pode colocar em prática uma ideia de empreendimento com total autonomia, criando não só uma atividade, mas também gerando empregos e contribuindo para o desenvolvimento econômico de um jeito mais rápido e simples.
A liberdade econômica para o desenvolvimento de quaisquer atividades é fundamental. No entanto, os empreendedores precisam ter a consciência de que precisam agir de forma responsável e que, portanto, precisam cumprir toda a legislação ambiental aplicável à sua atividade. O que não se pode admitir é que os órgãos ambientais estejam agindo com abuso de autoridade, constrangendo ou intimidando ilegalmente o empreendedor com ações fiscalizatórias desproporcionais ou sem embasamento.
Ainda mais com a lei que reforçou e detalhou a liberdade econômica, uma declaração que exorta ao estado democrático brasileiro a respeitá-la. Neste sentido, ensina Georges Humbert[2]:
Em 20 de setembro de 2019 foi promulgada a Lei nº 13.874, denominada Lei de Liberdade Econômica, e com ela foi instituída a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica. O novo marco regulatório do direito econômico brasileiro, fundamentado nos arts. 170, 174 e no art. 5º da Constituição, notadamente quanto ao direito individual fundamental da liberdade, estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador. A lei incide sobre as mais diversas relações jurídicas, de direito público e privado. Em geral, o disposto nesta nova lei será observado na aplicação e na interpretação do direito civil, empresarial, econômico, urbanístico e do trabalho nas relações jurídicas que se encontrem no seu âmbito de aplicação e na ordenação pública, inclusive sobre exercício das profissões, comércio, juntas comerciais, registros públicos, trânsito, transporte e proteção ao meio ambiente.
E arremata:
Ponto relevante, em matéria e processos de natureza jurídicoambiental é que a nova Lei dos Direitos de Liberdade Econômica inverte uma lógica até então dominante, da interpretação e aplicação da norma e das restrições em favor da administração pública. Isso porque, a partir de agora, passa a vigorar a presunção de boa-fé em favor do empreendedor, cujos atos, agora, tal qual ao do próprio Poder Público, gozarão de presunção de legitimidade e de veracidade, cabendo ao servidor público que duvidar de sua higidez e validade provar o que alega. Some-se a isso o fato de que o particular passa a ser considerado a parte vulnerável da relação, o que implica que as questões complexas, onerosas e os embaraços criados pela própria fiscalização ambiental precisam ser relativizados, arcados e corrigidos pela própria administração, salvo prova de que o empreendedor não é hipossuficiente no caso concreto, tudo nos termos do art. 2º da Lei nº 13.874/2019. Trata-se de um giro de segurança e potencialização dos atos de empreendedorismo no âmbito dos processos públicos de liberação a licença, a autorização, a concessão, a inscrição, a permissão, o alvará, o cadastro, o credenciamento, o estudo, o plano, o registro e os demais atos exigidos, sob qualquer denominação, por órgão ou entidade da administração pública na aplicação de legislação, como condição para o exercício de atividade econômica, inclusive o início, a continuação e o fim para a instalação, a construção, a operação, a produção, o funcionamento, o uso, o exercício ou a realização, no âmbito público ou privado, de atividade, serviço, estabelecimento, profissão, instalação, operação, produto, equipamento, veículo, edificação e outros, consoante inclusive expressa determinação do §6º do art. 1º.
Neste sentido, importante lembrar que o art. 3º da Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019 dispõe que são direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do país, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal, que merece uma análise detida.
Cumpre, neste momento, trazer, ponto a ponto, os reflexos, uma análise tópica mesmo, das inovações e delimitações jurídicas da lei de liberdade econômica para a administração pública ordenadora. Não se admite abusos, usurpação de competências, atropelos ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, às prerrogativas dos advogados e outros direitos e garantias fundamentais democráticas, ínsitos ao cidadão e aos fundamentos de um estado de direito, base mesmo da dignidade da pessoa humana.
Neste contexto, surgem alterações no campo legislativo nacional, notadamente ao ensejo da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), da Lei da Declaração da Liberdade Econômica (LDDLE), da Lei de Abuso de Autoridade (LAA) e da Reforma da Lei de Improbidade Administrativa (LAI).
Isto posto, não é demasiado trazer à baila, mais uma lição de Georges Humbert[3] sobre o tema, pois complementar ao quanto asseverado supra:
Além das normas gerais analisadas supra, há também algumas determinações que incidem em caráter mais específico e concreto. Uma delas é que as propostas de edição e de alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados, editadas por órgão ou entidade da administração pública federal, incluídas as autarquias e as fundações públicas, serão 68 GEORGES LOUIS HAGE HUMBERT (COORD.) LEI DE LIBERDADE ECONÔMICA E OS SEUS IMPACTOS NO DIREITO ADMINISTRATIVO precedidas da realização de análise de impacto regulatório, que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico. Verifica-se, assim, a potencialização dos princípios da eficiência e do planejamento em matéria de intervenção e ordenação do Estado nas atividades econômicas, além do devido processo legal, no seu aspecto substantivo da razoabilidade e proporcionalidade das medidas estatais. Assim sendo, tudo deve ser precificado, quantificado e justificado para ser exigido. Não mais se admite requisitos e pleitos do estado ante o administrador tirado de achismos, senso comum ou desmedidos. Os mesmos devem ser necessários, adequados e na medida exata do que se pretende mensurar e tutelar a partir da sua apresentação.
Pelo exposto e de uma detida análise da nova lei de liberdade e da LINDB, verifica-se, destas e outras regulamentações, que se trata de norma que em nenhuma medida reduz a proteção ao interesse público, urbanístico e ambiental, mas vai ao encontro dos direitos fundamentais de liberdade, segurança e aos princípios da ordem econômica, da administração pública, notadamente o da eficiência, como também aos da tutela dos princípios da administração pública, do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e das funções sociais da cidade4 e da propriedade urbana,5 especialmente no que tange a promoção da sustentabilidade, valor jurídico que somente alcança a sua máxima potência quando o desenvolvimento econômico, o progresso social e a preservação dos ecossistemas caminham de mãos dadas, como é o que se pretende com a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica, que veio tarde, mas em boa hora.
No campo da Lindb (DECRETO-LEI Nº 4.657), diversas são as consequências, postas a partir do art. 20. Primeiro que acusador e julgador não podem mais produzir atos com base em valores jurídicos abstratos, isto é, sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão, com justificativa para a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, nem mesmo podem olvidar de indicar, de modo expresso, suas consequências jurídicas, administrativas, o que inclui as econômicas, ambientais, sociais, financeiras e outras aderentes. Ademais, na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo o dos direitos dos administrados.
Caso esta e outras condições de controle, de acusadores e julgadores, não forem respeitadas, poderá se configurar o dever pessoal do agente público (seja ele magistrado, procurador, promotor, defensor, controlador), de compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos, desde que demonstrados o dolo ou erro grosseiro.
Noutro passo, quanto à LDDLE (Lei Nº 13.874/19), fica determinado a presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica, para os quais as dúvidas de interpretação do direito civil, empresarial, econômico e urbanístico serão resolvidas de forma a preservar a autonomia privada, exceto se houver expressa disposição legal em contrário. Assim sendo, não se pode exercer controles, acusar e condenar sem sólidos elementos de prova da má-fé ou culpa grave, pena de responsabilização civil, penal e administrativa do agente público infrator.
Por sua vez, as duas normas citadas se complementam e encontram as possíveis consequências ao ensejo da LAA (Lei Nº 13.869). Esta, valendo de uma antiga e útil classificação de Kelsen, seria uma norma, há um só tempo, primária, isto é que estipulam sanções diante de uma possível ilicitude, e também secundária, ou seja, das que prescrevem a conduta lícita. Neste contexto, desobedecer a LINDB e a LDDE pode configurar o crime de abuso de autoridade, assim como existem crimes de abuso de autoridade já diretamente postos pela LAA, crimes estes cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído.
Destacam-se, aqui, o crime de requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa, bem como o crime de divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado, sendo que este último continua impune e deve ser levado a efeito contra o acusador e julgador, mas, sobretudo, sobre quem divulga, travestido de difusor de notícias de interesse público e de arauto da liberdade de imprensa.
Finalmente, tem-se a Lia (LEI Nº 8.429/92), recentemente alterada para, alterar as redações do art. 3° e 9°, entre outros, e se conformar aos direitos individuais e humanos fundamentais dos acusados e controlados. Esta estabilizou aquilo que a jurisprudência e melhor doutrina já sedimentavam: não há improbidade sem conduta (ação ou omissão) dolosa, isto é, com intenção de lesar a administração pública e obter vantagem ilícita, pois, por óbvio, ninguém é desonesto sem querer ser, por mera negligência, imprudência, imperícia ou erro. Portanto, o acusador, julgador, controlador que imputar improbidade sem prova do dolo, estará ele agindo ilicitamente, podendo ser responsabilizado civil, penal e criminalmente, inclusive por abuso de autoridade.
Pelo exposto, forçoso concluir que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), da Lei da Declaração da Liberdade Econômica (LDDLE), da Lei de Abuso de Autoridade (LAA) e da Reforma da Lei de Improbidade Administrativa (LAI) refletem, substancialmente, na forma, meio e conteúdo de responsabilização dos agentes acusadores e julgadores, sejam eles políticos ou servidores, e de quaisquer dos três poderes. De mais a mais, são normas que, ao contrário do que tem sido veiculado por parte da opinião pública e jurídica, estão conforme a ordem constitucional e as garantias do acusado, formando um microssistema de responsabilização não somente destes, mas também em face de quem acusa, julga e controla, que não podem exercer suas funções abusivamente, com base em meros achismos, suposições e convicções e fora de limites constitucionais e legais, como outrora. Desta forma, o combate das mazelas da corrupção e crimes correlatos será mais efetivo, eficiente, democrático, justo, válido e, porquê não, responsável.
Portanto, além da incidência de todo regime jurídico do direito administrativo, do direito de propriedade, pública e privada, o dever de incidência da LINDB e da Lei de Liberdade Econômica, além da proporcionalidade e razoabilidade nos atos de demarcação, bem como da função social, econômica e ambiental da propriedade. Não se pode, no mérito, admitir a criação de um latifúndio de comunidade tradicional, para atender a um pequeno número de beneficiários, baseado em meros apontamentos e autodeclarações dos interessados, sem que haja um estudo técnico que demonstre que aquele tamanho, localização e atributos (econômicos, sociais e ambientais) da propriedade são proporcionais, razoáveis, necessários, adequados e úteis a finalidade do caso concreto, pena de inconstitucionalidade e ilegalidade, bem como de, na prática, deixar de cumprir as diversas funções da propriedade, gerando pobreza, violência, dano ambiental, grilagem, todo tipo de exploração e invasão criminosa, em detrimento dos antigos e legítimos proprietários, bem como da comunidade supostamente beneficiada.
NOTAS:
[1] BRASIL. Lei federal nº 13.874, de 20 de setembro de 2019. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm>. Acesso em 17 de janeiro de 2022.
[2] HUMBERT, Georges Louis Hage. Lei da liberdade econômica, normas gerais e princípios: impactos na aplicação e interpretação no direito administrativo, urbanístico e ambiental. In: HUMBERT, Georges Louis Hage (Coord.). Lei de liberdade econômica e os seus impactos no Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2020. p. 63-70. ISBN 978-85-450-0756-2
[3] HUMBERT, Georges Louis Hage. Lei da liberdade econômica, normas gerais e princípios: impactos na aplicação e interpretação no direito administrativo, urbanístico e ambiental. In: HUMBERT, Georges Louis Hage (Coord.). Lei de liberdade econômica e os seus impactos no Direito Administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2020. p. 63-70. ISBN 978-85-450-0756-2