Reconhecimento de relação de emprego entre integrantes da mesma família deve ser comprovada pelo trabalhador

A Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) declarou, em recente decisão, que as relações jurídicas envolvendo trabalhador integrante da família titular do empreendimento são orientadas pelo sentimento de subsistência. O Colegiado entendeu que a subordinação nesses casos dá lugar à colaboração mútua e o dever de provar o suposto vínculo de emprego é de responsabilidade do trabalhador, que deve demonstrar a relação de subordinação.

A análise foi feita em um recurso em que a irmã dos sócios de uma confeitaria tradicional de Goiânia (GO) acionou a Justiça do Trabalho para obter o reconhecimento do vínculo de emprego e o pagamento de diferenças salariais e verbas rescisórias.

Recursos

A confeitaria recorreu ao TRT para reformar a sentença de primeiro grau que reconheceu o vínculo empregatício entre as partes. A doceria alegou que a boleira atuou por anos como proprietária da empresa, fazendo parte do contrato social por 7 anos. Alegou ainda que a doceira deixou a empresa por motivos pessoais em agosto de 2018 e que, na época, a familiar compareceu à contabilidade da empresa para requerer uma simulação de um Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho (TRCT), tendo ela mesma realizado o preenchimento na sua Carteira de Trabalho.

A confeiteira, por sua vez, recorreu ao tribunal para constar como data de saída dezembro de 2018 e não agosto de 2018, como determinou o Juízo da 9ª Vara do Trabalho de Goiânia (GO).

Entenda o caso

A confeiteira, na ação trabalhista, alegou ter trabalhado na empresa familiar durante 24 anos com a produção de bolos e doces artísticos. Afirmou que a carteira de trabalho foi assinada com registro de parte do salário real. Segundo ela, não foram computados os valores devidos sobre as vendas da confeitaria, da qual recebia um percentual fixo em comissão.

A doceira entendeu que a rescisão não foi feita como prevê a lei, pois não recebeu as verbas rescisórias na íntegra e não sacou o valor devido de FGTS, com multa de 40%. A autora do processo também questionou o fato de não ter sido contemplada com o seguro-desemprego.

A indústria de bolos, por sua vez, afirmou que a confeiteira atuou por anos como proprietária da empresa. Segundo o estabelecimento, a confeitaria foi iniciada pela matriarca da família e anos depois o trabalho foi assumido pelos filhos, entre eles, a própria trabalhadora. A fabricante de doces alega que a doceira deixou a empresa por motivos pessoais e ela mesma providenciou uma simulação de um TRCT, realizando a baixa da carteira com data de saída em dezembro de 2018, constando a assinatura de uma de suas irmãs. Após esse registro, ela teria continuado a prestar serviços à empresa de forma autônoma.

Para a confeitaria, não há vínculo empregatício no caso analisado. Ela explica que no início das atividades da empresa, a matriarca assinou a CTPS da filha quando ela tinha 20 anos com o intuito de colaborar com a experiência profissional e registro previdenciário da herdeira.

Para a fábrica de doces, caso existissem valores em aberto, ela não prestaria serviços autônomos normalmente, como fez após sair formalmente do negócio.

Sentença

O juízo de primeiro grau afirmou que a confeiteira não tinha participação direta nos lucros do empreendimento como um todo e limitava-se a receber comissão sobre o valor dos produtos comercializados pelo setor que ficava sob sua responsabilidade.

O juiz entendeu que a doceira ocupava cargo de confiança junto à empresa, seja pelo grau de parentesco com os reais donos, seja pela expertise no ramo da confeitaria, da qual era, aparentemente, a “mente criativa”.

Para ele, diante da ausência de provas, prevaleceu a presunção de que as partes mantiveram relação de emprego, nos termos previstos no art. 3º da CLT. Assim, considerando as provas nos autos, o juiz entendeu que a iniciativa de pôr fim ao contrato de trabalho partiu da confeiteira e ocorreu em agosto de 2018.

Acórdão

O desembargador Eugênio Cesário, relator do recurso, manteve o reconhecimento do vínculo empregatício e o encerramento do contrato em agosto de 2018. O relator pontuou que a trabalhadora admitiu que o vínculo empregatício findou em data anterior àquela registrada na sua Carteira de Trabalho, fato confirmado pela prova testemunhal.

Para o magistrado, trata-se de confissão real que deve prevalecer sobre as anotações da CTPS, que possuem presunção apenas relaiva de veracidade. “Quanto ao motivo do rompimento do pacto laboral, há que se considerar que o caso em análise envolve relação de emprego entre familiares e que a empregada confessou que deixou de trabalhar para a confeitaria em razão da discordância com a nova direção”, afirmou o desembargador.

Processo 0010934-66.2020.5.18.0009

JA/CG//RR

TRT18

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